* Por Marcelo Furtado
Trabalhando com tecnologia para a área de Recursos Humanos desde 2013, ocorreu nesta década uma evolução na gestão de pessoas e talentos. Em 2020, porém, essa evolução foi exponencial: em questão de meses, a transformação digital do RH avançou bem mais do que nos últimos anos. A crise do coronavírus fez as empresas repensarem seus modelos de gestão de pessoas, mas como será daqui em diante?
A pandemia trouxe uma grande transformação cultural que tem sido positiva para a área de RH das organizações. De uma hora para outra, empresas precisaram colocar suas equipes para trabalhar remotamente, adotando novos processos e passando a usar tecnologia para digitalizar até mesmo rotinas básicas, como envio de holerite e assinatura de documentos.
Mas a transformação do RH é ainda mais complexa. Como administrar o clima organizacional e manter uma cultura sólida quando cada profissional está trabalhando de sua casa e as oportunidades de interação são limitadas? Até mesmo o papo no cafezinho precisou ir para o digital.
Esse tem sido um desafio para todos. Antes da pandemia, já se era imaginado ter um escritório fora de São Paulo, mas de repente se pode ter equipes em toda parte. Isso é, claro, um desafio e uma imensa oportunidade: contratar pessoas de qualquer lugar do Brasil e do mundo. A digitalização dos negócios na pandemia rompeu fronteiras geográficas e derrubou as barreiras culturais a novos modelos de pensamento.
Desafios do RH digital
Essa experiência é semelhante a de muitos clientes. Ao mesmo tempo vivenciamos essa situação, ajudamos parceiros de negócios a superar dois grandes desafios:
Como escalar um time de forma distribuída?
No modelo tradicional, os processos de recrutamento, seleção e integração do novo profissional no ambiente de trabalho já são conhecidos. Mas como fazer isso remotamente? Como garantir que esse novo colaborador, que agora trabalha a distância, seja acolhido na estrutura da equipe e possa dar os primeiros passos na empresa com segurança?
Como escalar a cultura de forma distribuída?
Até mais complexo do que definir processos de onboarding de novos profissionais, ou fazer com que ele receba seu kit de boas-vindas e todas as orientações necessárias para começar a trabalhar, é fazer o novo colaborador experimentar a cultura da empresa. A cultura passa necessariamente pelas pessoas e pelas interações no dia a dia. Com as equipes atuando de maneira remota, é preciso ter um cuidado extra nesse sentido.
O RH digital precisa vencer esses dois desafios para criar empresas que tenham uma cultura forte, gerem resultados e abram espaço para inovações que sejam relevantes para os clientes. Recrutar, selecionar, integrar, engajar e gerenciar profissionais em um mundo digital depende de quatro grandes fatores:
Eliminação da burocracia
Esse deveria ser o primeiro ponto a ser atacado por qualquer empresa que inicie a transformação digital de seu RH. Essa ainda é uma área muito burocrática, em parte por necessidades legais – que estão se digitalizando –, mas na maioria das vezes pela ausência de uma nova mentalidade. A crise vivenciada em 2020 pelo menos ajudou a quebrar a barreira do “sempre fizemos assim e não precisamos mudar agora”. Subitamente, até mesmo o envio do holerite precisou migrar para um arquivo digital.
A pergunta que fica é clara: será que precisamos da burocracia pré-covid? Certamente não. Agora é a hora de rever tudo isso e reestruturar os processos operacionais e de gestão de RH.
Distribuição do trabalho
A partir do momento em que passou a trabalhar em casa, cada profissional precisou encarar uma nova realidade e buscar um novo equilíbrio entre o pessoal, o profissional e o familiar. Isso começou com a adaptação dos espaços de casa, mas também envolveu a dedicação e separação de tempos específicos para o trabalho, para a família e para as atividades domésticas.
Muitos perceberam que, com a dinâmica doméstica, pode fazer mais sentido trabalhar em horários alternados. Seja porque a casa está mais silenciosa em um certo momento, ou porque também seja preciso cuidar dos afazeres do lar. Portanto, o home office elimina a necessidade de trabalhar em horário comercial. É muito mais importante entregar o trabalho no prazo do que atuar no horário convencional. Isso muda a cultura das empresas.
As empresas notaram que as barreiras geográficas caíram. Isso vai permanecer no pós-crise. Agora é possível contratar pessoas de qualquer lugar, o que tem um impacto imenso sobre questões de moradia, sobre as oportunidades disponíveis para os profissionais e para o desenvolvimento dos negócios. A empresa passa a acessar talentos em qualquer lugar do Brasil e do mundo, o que pode acelerar seu crescimento. Especialmente em áreas como TI, que ainda têm uma carência de profissionais de alta qualidade.
Gestão de talentos
A gestão de talentos foi chacoalhada na crise. Como treinar e administrar equipes que estão em locais diferentes e que não se relacionam presencialmente? Se adaptar a esse novo cenário não é um desafio somente da área de RH, mas de todos os gestores do negócio. Estar presente nunca foi sinônimo de realizar o trabalho e isso ficou ainda mais evidente agora.
Grande parte das empresas, inclusive, identificou um aumento da performance das equipes, que passaram a ter reuniões mais objetivas e a focar nas tarefas que precisam ser realizadas, e não no tempo a ser ocupado no escritório. A gestão de talentos que contribui para a transformação do negócio é aquela que dá às equipes as ferramentas e o conhecimento para trabalhar melhor. O dia a dia do trabalho será muito diferente a partir de agora, misturando físico e digital, remoto e presencial, para aproveitar o melhor desses dois mundos.
Medição de desempenho
A crise de 2020 também fez repensar as métricas de desempenho das equipes. Comparecer ao local de trabalho deixa de ser essencial: é preciso entregar resultados, não importa onde o profissional estiver. As métricas da gestão do negócio mudam e, com elas, também as medidas de desempenho. A empresa que quer estar bem posicionada no pós-crise precisa abraçar esses novos indicadores, que se baseiam principalmente no valor gerado para o negócio.
Antes da crise, os gestores tinham muita dificuldade em exigir resultados em vez de presença física. Este 2020 trouxe uma evolução significativa: cobrar performance passou a ser a regra, e não a exceção.
No pós-pandemia, os escritórios continuarão existindo. Somos seres sociais, gostamos da convivência e isso é importante para o desenvolvimento de uma cultura sólida. Mas este ano desafiador mostrou que existem outros caminhos. A transformação digital das empresas viabiliza novos modelos de interação das equipes e mostra que é possível, com criatividade, inovação e foco nos resultados, encontrar maneiras diferentes de continuar a ser relevante.
* Marcelo Furtado é CEO da Convenia.