Você decide empreender, tem uma ideia legal, encontra uma boa equipe para tirar sua startup do papel e começa a vender. Até aí tudo bem, mas e agora? Como crescer? É preciso encontrar a melhor forma para tracionar sua startup e aumentar suas vendas e sua relevância no mercado. Para falar sobre o assunto, André Macedo, fundador da ZeroPaper e country manager da Intuit no Brasil; Fábio Póvoa, Investidor, e Pedro Waengertner, CEO da Aceleratech e presidente da ABRAII conversaram com o Startupi para esclarecer possíveis dúvidas e mostrar suas visões sobre o mercado para os empreendedores que estão nesta fase.
Fábio Póvoa diz que existe um total de 18 canais de tração que podem ser utilizados para uma startup conseguir clientes. Cada startup tem uma proposição de valor e segmento de consumidores diferentes, que muitas vezes mudam conforme o estágio da empresa e portanto, é importante que a startup possa testar, analisar e mensurar diversos canais para encontrar o melhor – em volume, em custo de aquisição, e em life time value.
André Macedo, fundador da ZeroPaper, diz que antes de pensar no canal que o empreendedor utilizará para tração, deve-se pensar no produto que a empresa oferece para os clientes. “Dos canais de tração, eu prefiro os digitais, porque há a possibilidade de escalar mais rápido. Principalmente se você estiver fazendo um produto digital, é muito mais fácil para reter os clientes que sejam impactados por canais online, como as redes sociais e portais de conteúdo”, diz.
De acordo com Pedro Waengertner, o mais importante é que a empresa faça uma lista dos canais que teriam mais probabilidade de atingir o cliente que ela busca e ir fazendo testes com aqueles mais prováveis primeiro. “Um pensamento muito comum das startups é: ‘se eu tiver grana para investir em marketing, eu cresço’. Este raciocínio leva a pensar na utilização como canais primários de aquisição de clientes os que são pagos, como Facebook ADs e Google ADs”, diz Pedro.
Não existe nada errado em utilizar estes métodos, mas se a estratégia de crescimento da startup é baseada somente nestes meios, ela é facilmente copiada pela concorrência. “Todas as grandes empresas que conhecemos hoje trabalharam muito forte em canais não óbvios para crescer, o que os diferenciou da concorrência e permitiu que o marketing pudesse ser usado como vantagem competitiva”, afirma.
No início da jornada, geralmente utilizamos os canais menos escaláveis, como o telefone, pois o grande objetivo é ouvir e entender o cliente. Com o passar do tempo, vamos pensando nos canais de forma mais estruturada até montar uma “maquina”, que entrega resultados previsíveis.
Segundo Fábio, a maioria das startups se encontra em estágio de crescimento e tração e portanto, faz mais sentido focar em um nicho de consumidores, para encontrar early adopters, usuários apaixonados ou com necessidades específicas. E, naturalmente, testar canais para atrair tal consumidores a um custo (CAC) inferior às receitas (LTV, lifetime value) decorrentes da sua conversão.
Expandir ou aprofundar
Encontrar um nicho, um canal eficiente e crescer deve ser sempre a principal missão dos sócios da startup. Para isso, é necessário expandir a cobertura ou aumentar a penetração no mercado atual, o que depende bastante do segmento em que a startup está inserida e do momento em que a empresa está. Para André, expandir gradativamente a base de clientes é sempre uma boa forma de crescer e conhecer melhor o produto ou serviço que a startup oferece. “Mesmo que você já tenha um produto de mercado global, é importante provar algumas coisas. Uma coisa que eu sempre digo é: toda startup vai errar! O segredo é errar, detectar rápido,corrigir rápido e colocar o produto de novo no mercado”.
Para Fábio, a busca de novos mercados por expansão geográfica pura e simples normalmente só ocorre quando a startup já dominou e esgotou uma área, algo pouco comum para o estágio de startup. “De forma análoga, um pivot – mudança significativa de um componente do modelo de negócios (segmentos de consumidores, proposição de valor etc) – em geral só ocorre quando a atual estratégia e modelo de negócio sendo executado não está surtindo os resultados esperados”, explica.
Por ser um desafio complexo e que depende de muitas variantes, Pedro acredita que um dos principais erros que as startups cometem é buscar um foco muito amplo no início. Para ele, estratégia mais indicada para quem está começando é focar em um nicho, em um cliente e descobrir como chegar até ele e persuadí-lo. “Como é um desafio complicado, as startups tendem a desistir muito rápido e ampliar a base de possíveis clientes ao mesmo tempo em que buscam aquela “bala de prata”, que pode ser uma grande parceria ou algo do gênero”, afirma.
E sobre indicadores para monitorar os processos de tração, equilíbrio entre operação e entrega e o papel das aceleradoras e investidores no processo de tração das startups? Veja o que dizem os especialistas.
Indicadores
Fábio Póvoa diz que, de modo geral, os indicadores mais convincentes para monitorar a tração de uma startup são: Lucratividade; Receitas; Usuários ativos; Usuários cadastrados; Engajamento; Parcerias / clientes e Tráfego. “Startups B2C em geral priorizam tráfego, cadastros e engajamento em versões gratuitas, ou modelos trial, para alimentar o topo do funil de vendas, e posterior monetização. Assim, há que se monitorar não apenas os números para validar tração, mas também as métricas de conversão”, explica.
Já as empresas B2B em geral têm um universo de clientes potenciais menor, portanto precisam mostrar melhor tração no pipeline de vendas, como leads, prospects e contratos fechados, com monetização efetiva em um período de tempo menor se comparadas com B2C.
“Cada empresa tem um desafio diferente e depende de algumas variáveis”, diz Pedro. Tudo depende do público que a startup vai atingir, do ticket médio do produto vendido e o modelo de negócio. Por exemplo: duas empresas SaaS que vendem para o mercado B2B podem ter duas estratégias de marketing completamente diferentes só pelo valor da assinatura do produto. “Por via de regra, eu gosto de buscar referências de empresas semelhantes no Brasil e no exterior para entender quais os formatos que mais funcionam, mas eu não tentaria usar isso como regra. A dose de criatividade e inovação que a empresa vai dar para a forma de obter novos clientes é uma das grandes características dos ótimos empreendedores”, explica o CEO da Aceleratech.
Pedro diz que normalmente, nas empresas B2C que adquirem clientes via web (possivelmente com LTV – Lifetime Value muito baixo), ele procura começar de baixo para cima, olhando primeiro a landing page e estrutura de conversão. “A otimização sempre é do produto para cima no funil e não o contrário. Fazemos isso porque qualquer melhoria em estágios inferiores tem um impacto muito grande no resultado. Por exemplo, se melhorarmos a conversão de 0,2% para 0,4%, na prática nós dobramos as vendas. Para testar se o funil funciona, eu tentaria testes com canais que são mais óbvios para encontrar as personas-alvo, dentro das hipóteses que montamos. Geralmente o básico é o mais importante: a proposta de valor está clara? A landing page comunica? Tem alguma fricção óbvia no processo?”, diz.
Em empresas B2B (e B2C com LTV um pouco mais alto), Pedro diz que é aconselhável fazer primeiro um processo mais artesanal de vendas, onde os sócios ligam diretamente para os clientes. “Eu tendo a não gostar muito de trials sem a intervenção de inside sales. Não tenho evidências de que trials produzem resultados na maioria dos casos.” O objetivo é sempre tentar montar uma máquina que funcione: gera leads qualificados > converte em vendas.
Para Pedro, os marketplaces são os modelos mais desafiadores, pois são essencialmente dois clientes em um. “Eu sempre tento aconselhar a reduzir a complexidade no lado da oferta primeiro, para trabalhar a aquisição de compradores. Neste caso, é sempre melhor criar inventário antes”, diz.
Operação X Entrega
André Macedo, country manager da Intuit no Brasil, defende que o ponto principal para que a startup não amplie demais sua base de clientes sem que seja capaz de entregar o produto ou serviço é a equipe. “Cada uma das pessoas do time precisa fazer algo para complementar na empresa”. Para evitar a sobrecarga, a equipe precisa se complementar e estar bem distribuída entre as responsabilidades com a parte comercial, relacionamento com investidores, vendas, aquisição de clientes e contabilidade, por exemplo. “Se a sua empresa é de tecnologia, também é essencial que dentro da empresa, olhando para o motor dela, tenha uma pessoa que entenda de tecnologia. Se a sua empresa é de sapato, quem olha para ela internamente todos os dias deve entender de sapato”, diz.
Além do time, é muito importante não deixar a qualidade do produto cair, o que inclui também o atendimento ao cliente. “O mais importante não é sair buscando clientes de maneira desenfreada. É melhor ter 100 clientes que amam o seu produto e a sua empresa do que 1000 que tem uma relação fria e distante. Buscar a satisfação do cliente e fazer o job que o produto se propõe é a grande prioridade dos empreendedores. Marketing bom em produto ruim só queima o filme mais rápido”, explica Pedro Waengertner.
Conforme a startup vai tracionando e crescendo, os empreendedores se deparam com problemas estruturais e tecnológicos, fazendo com que grande parte do trabalho da empresa precise ser automatizado. “Infelizmente a maioria dos empreendedores não chega até este problema. Por isso reforço a combinação de foco no produto, em um marketing criativo, que não use apenas os canais tradicionais e metas de tração mensais ou, no máximo, trimestrais”, diz Pedro.
Como o crescimento deve ser sempre antecedido de planejamento, o investidor Fábio Póvoa também dá algumas dicas para que a startup se certifique de que não haverá sobrecarga na hora de ampliar a operação:
- Infra-estrutura: certifique-se de que sua infra estrutura (servidores, gateways de pagamento etc) esteja pronta para picos de acesso e carga. Em geral, infra em nuvem (como Amazon Webservices) já vêm com ferramentas de balanceamento de carga.
- Stress test: execute stress tests para validar não apenas sua infra, mas também e performance (a fim de descobrir gargalos) na sua própria plataforma de software.
- Self service: em geral, o maior gargalo no crescimento é gente, capacidade de contratar e treinar novas pessoas. Procure então estruturar e organizar ferramentas de self service para evitar que demandas dos usuários e consumidores sejam equacionadas por eles mesmos. Por exemplo, FAQs, formulários inteligentes de dúvidas que já mapeiam palavras chave e sugerem respostas etc.
- Processo: procure estruturar e implementar processos de negócios automatizáveis, que possam escalar junto com sua operação. Por exemplo, todo o ciclo de vida básico de acesso, sign-up, compra, confirmação, delivery, billing etc, deve estar integrado com ferramentas de lead gen, mkt online, gateways de pagamento, help desk e outras ferramentas, integráveis via API, de forma a tornar sua operação o mais automatizada possível.
- Documentação: além de automatizáveis, os principais processos de negócios, particularmente aqueles em que há um ponto de contato com clientes, precisam estar documentados. Isso facilita que novos colaboradores – estagiários – possam ser incorporados ao time, se capacitem com a leitura destes processos e aumentem a capacidade de atendimento e operação, sem prejuízo à produtividade dos demais colaboradores para treinamento e gestão.
Aceleradoras e investidores
Como aceleradoras e investidores costumam ter ampla experiência com o ecossistema de startups, são peças importantes para ajudar o empreendedor a tracionar o negócio. Fábio Póvoa diz que nesta hora, a ação do investidor pode ser decisiva.”A melhor forma é capacitar o time de founders, disseminando as melhores práticas, dando exemplos práticos e cobrando uma disciplina em torno dos experimentos de tração – brainstorm de canais, priorização, planejamento dos experimentos, modelagem financeira, deliverables concretos (landing pages, campanhas online), hipóteses a serem testadas, resultados atingidos”, explica.
Já as aceleradoras ajudam o empreendedor a entender estes processos e fazem com que o dinheiro de investimento seja utilizado efetivamente para o crescimento do negócio. “É uma jornada árdua, mas somente assim o empreendedor está preparado para receber o capital dos investidores. Vários investidores-anjo possuem experiência no setor de atuação da empresa e podem ajudar com dicas e contatos importantes na área. É papel do empreendedor tirar o maior proveito possível destes recursos”, finaliza Pedro.