* Por Marina Mendonça
Desde que foi declarada a pandemia, poucos assuntos têm conseguido chamar mais nossa atenção do que os números relacionados às contaminações pela covid-19 e as previsões sobre o que vai acontecer com o mundo depois que tudo isso “passar”.
Dentro das empresas, vários gestores estão sofrendo todo tipo de pressão e com isso buscam a melhor resposta para lidar com as consequências da pandemia. Notamos uma centena de pesquisas e tentativas de entender do que as empresas precisarão ou o que elas já têm feito nesse momento. Fato é que, sejamos nós pesquisadores, colaboradores, gestores ou empreendedores, todos os dias somos inundados por perguntas, análises e muitas especulações.
Há um bom tempo já se discutem os desafios para a gestão de pessoas, que se tornam cada vez maiores. Contudo, acreditamos que esses desafios ficaram gigantes nesse cenário de isolamento social, considerando: (i) a necessidade imediata de uma liderança remota e que já é realidade em algumas empresas; (ii) a necessidade de um rigoroso processo de segurança comportamental e seus desafios de engajamento; (iii) o ambiente organizacional que se torna um lugar de incertezas profundas e constante mudança; (iv) os impactos da pandemia na saúde mental das pessoas.
Não é difícil pensar que diversas empresas estão ou estarão enfrentando situações muito similares, visto que essa é uma situação global. E fato é que o momento vem deixando mais urgente e mais evidente algo que já defendemos há algum tempo: a necessidade de transformação cultural das empresas. As empresas não encontrarão mais formas para driblar a situação e não poderão adiar iniciativas mais estratégicas que buscam essa mudança de cultura. Precisam desenvolver logo uma cultura que possa acolher as novas demandas das pessoas e, também, desenvolver habilidades que auxiliam no enfrentamento de tantas dificuldades.
E você pode estar se perguntando: Mas por onde devemos começar? Talvez começar pelo óbvio não seja uma má ideia. Numa visão macro, isso poderia ser pensar em formas de redução de custos, aumento de receitas e, especialmente, em desenvolvimento humano. Nessa linha, programas de intraempreendedorismo para inovação passam a gerar valor para os gestores e podemos explicar muito bem o porquê desse fato.
Intraempreendedorismo: uma boa estratégia para enfrentar a crise
Antes mesmo de se instalar o pânico gerado pelo novo coronavírus, antes mesmo de enfrentarmos essa recessão global, várias organizações já tiveram suas crises particulares ou se viram numa situação em que desejaram mudar as estratégias e inovar. Schumpeter, um dos maiores economistas de todos os tempos, foi pioneiro em defender a ideia de que o desenvolvimento econômico mantém relações estreitas com a inovação. Interessante é que ele defendia também que a inovação, por sua vez, mantém relações estreitas com o empreendedorismo e com o empreendedor.
E, sim, as empresas vão precisar de inovação de todos os tipos e poderão chegar a esse resultado criando condições para que seus colaboradores construam e realizem ideias empreendedoras. Ideias que possam atender às necessidades da empresa, mas que também possam explorar oportunidades nem identificadas. Logo, fica mais fácil concluir que o intraempreendedorismo poderia se apresentar mais do que nunca como uma alternativa bastante promissora para esse momento, certo? Então, veja abaixo alguns dos resultados que são comuns nesses projetos e que ajudam a explicar a relação com a inovação:
– (i) desenvolvimento de competências empreendedoras: para realizar as ideias empreendedoras, as pessoas desenvolvem algumas habilidades específicas de quem está empreendendo. Além disso, aprendem muito sobre metodologias ágeis para modelagem de negócios e acessam ferramentas para identificar, realizar e gerir a inovação;
– (ii) melhorias de processos: mais do que solucionar problemas já identificados pelas empresas, é muito comum que nos projetos de intraempreendedorismo surjam oportunidades ainda nem identificadas e que podem gerar muito valor. Isso acontece porque as metodologias não são focadas apenas em desenvolver a melhor solução, mas também em conhecer a fundo os problemas;
– (iii) identificação de novas oportunidades: outro ponto importante é que as empresas aprendem mais sobre como encontrar e explorar novos mercados para soluções desenvolvidas. Boa parte do objetivo desses projetos é conhecer melhor o cliente e o que tem valor para ele.
Todos esses resultados vão acontecer nos programas de intraempreendedorismo e, certamente, vão gerar impactos interessantes para que o negócio enfrente seus desafios na crise – ou fora dela. Entretanto, existe um ponto que é muito importante sobre esses programas e que, talvez, nem todas as empresas conseguem perceber, que é: uma coisa é a empresa executar um programa de intraempreendedorismo, outra coisa, é ela realizar um processo de transformação para ter uma cultura mais empreendedora. E se a empresa não se atentar para isso podem acontecer efeitos colaterais, tais como: (i) após o fim do programa, acabam as iniciativas de inovação; (ii) haverá resultado, mas não alcançará a expectativa e as necessidades da empresa.
Ou seja, o melhor do intraempreendedorismo é quando ele muda sua cultura e prepara a empresa para momentos de crise. Um programa de intraempreendedorismo mais estratégico, além de buscar iniciativas inovadoras, será aquele desenhado com o foco no desenvolvimento empreendedor de todos seus colaboradores. É assim que as organizações podem se aproximar cada vez mais do que elas realmente precisam: ter uma cultura mais empreendedora.
O intraempreendedorismo não deve ser encarado como um programa específico, mas sim como uma prática cultural, como processos integrados que são perenes e transversais. Ele deve mudar a forma das pessoas pensarem, sentirem e agirem, e, a partir disso, alcançarem resultados mais eficientes, mais sólidos e de maior impacto.
Compreender e mudar o comportamento das pessoas é muito desafiador, em especial, quando tratamos de processos de mudanças em que os novos padrões de comportamento precisam ganhar força suficiente para substituir os padrões antigos. Ao longo do tempo, tivemos a oportunidade de desenhar vários desses programas e testamos várias abordagens. Nesse sentido, definitivamente, podemos afirmar que os métodos mais eficientes foram aqueles em que:
– (i) cuidamos das pessoas: entendemos quem elas eram, suas histórias e suas experiências, seu momento psicológico e emocional, e também como elas percebiam a transformação para inovação; projetos que levam em consideração a experiência das pessoas, promovem mais engajamento e mais motivação;
– (ii) envolvemos maior diversidade de pessoas: assim como a inovação o intraempreendedorismo se beneficia de diversidade, seja hierárquica, seja de experiências, seja de características individuais;
– (iii) focamos em processos de desenvolvimento: é preciso criar metodologias focadas em desenvolver as pessoas e não somente nos resultados. Quando focamos no resultado não garantimos que as pessoas estão aprendendo e que elas poderão reproduzir isso. Mas quando focamos na aprendizagem, as pessoas passam a estar mais preparadas para qualquer desafio e o resultado é contingente e contínuo.
Isso tudo é para provocar a reflexão de que intraempreendedorismo não deveria ser entendido apenas como uma estratégia de negócio ou como mais uma alternativa para sua empresa sobreviver à crise, essa é uma visão míope.
Um programa de intraempreendedorismo, se for realizado considerando todos os pontos discutidos anteriormente, pode promover soluções inovadoras para os negócios, uma mudança na cultura das empresas e, ainda, desenvolver nas pessoas habilidades importantes para situações de grandes dificuldades.
E isso só acontece, aos poucos, degrau por degrau, dentro de um conjunto de ações muito bem geridas e entrelaçadas. Por isso, antes de realizar o seu programa de intraempreendedorismo, fique atento e reflita bastante se o que sua empresa quer é um projeto pontual ou uma empresa mais empreendedora.
* Marina Mendonça é sócia e diretora de times e cultura na Troposlab.