O Marco Civil da Internet vem dando o que falar. Compartilho abaixo artigo escrito pelo Marcos Sakamoto, presidente da Assespro-SP, associação empresarial que congrega as empresas de TIC (Tecnologia de Informação e Comunicação) e tem como objetivo ser a interlocutora do setor na busca e defesa de seus interesses diante do mercado e das autoridades.
Marco Civil: polêmicas e interesses da “Constituição da Internet”
A nova redação do Marco Civil da Internet, apontado como a “Constituição da Internet”, foi apresentada no início do mês com muitas mudanças em relação a versão anterior, do final de 2012. Vários parágrafos e artigo foram incluídos no Projeto de Lei (PL), segundo o relator Alessandro Molon (PT-RJ), com o intuito de fortalecer o princípio da neutralidade de rede e a privacidade dos usuários da Internet, além de atender aos pedidos feitos pela presidente Dilma Rousseff após as denúncias de espionagem realizadas pelo governo norte-americano.
Anunciado em novembro de 2009, o Marco Civil foi elaborado por acadêmicos e, logo depois, disponibilizado em um blog que permite comentários abertos e, por consequência, contribuições. Quatro anos depois, nenhum dos pontos virou lei, porém, os temas deram origem a uma briga de interesses que se arrasta até hoje. Atualmente, as questões sobre de quem é a responsabilidade pelo conteúdo disponibilizado na Internet (empresa ou autor do conteúdo), por exemplo, ainda são julgadas conforme o entendimento do juiz. Para se ter uma ideia, o STF ainda julga o caso de responsabilidade do Google pela existência de algumas comunidades do antigo Orkut.
Entre as inclusões da nova versão, estão pontos polêmicos como o princípio da neutralidade da rede, considerado nas palavras do relator como o “coração da proposta”; a obrigatoriedade de data centers dos provedores de conexão e de aplicativos de internet estrangeiros se instalarem no Brasil; o direito a privacidade; e a retenção de dados.
Os dois primeiros pontos, neutralidade da rede e obrigatoriedade dos data centers serem no Brasil, sem dúvidas são os mais polêmicos, por influenciarem de maneira mais enfática as ações das empresas.
O princípio da neutralidade da rede determina que os provedores de conexão não poderão oferecer aos usuários pacotes com serviços diferenciados – por exemplo, só com e-mails, apenas com acesso a redes sociais ou incluindo acesso a vídeos.
Os favoráveis a esta determinação defendem que ela garante um tratamento isonômico aos usuários, obrigando que todo o conteúdo seja oferecido com a mesma velocidade contratada, independe da maneira como o internauta irá usá-lo (para assistir a vídeos, enviar e-mail ou acessar as redes sociais). Já os contrários a esta resolução defendem que a legislação deve se atrelar a princípios básicos e ser flexível para não “congelar” a rede. O congelamento impediria a gestão da mesma o que influenciaria de maneira negativa no mercado.
Porém, vale lembrar que o próprio relator afirma que continuará existindo oferta de pacotes com velocidades diferenciadas. Portanto, persistirá a diferenciação nos preços de acesso à internet, com aqueles que dispõem de mais recursos tendo um acesso mais rápido e aqueles com menor poder aquisitivo, tendo uma Internet mais lenta.
O segundo ponto polêmico é o que obriga os data centers de provedores a estarem localizados no País. Segundo Molon, as novas regras foram incluídas no texto a pedido da presidente Dilma Rousseff, depois das denúncias de espionagem do governo norte-americano.
O problema é que determinar que os data centers devem estar sediados no Brasil é como tentar criar fronteira em um universo que por si só não possui barreiras. O temor é de que esta medida leve muitos provedores a não disponibilizar serviços a usuários brasileiros. Além disso, o custo de manutenção dos data centers no País é muito elevado. Estima-se ser superior até mesmo a países vizinhos da América do Sul como Argentina e Colômbia. A saída, neste caso, seria por meio de outras vias, como o estímulo fiscal, por exemplo.
Por fim, o que tange o direito a privacidade e a retenção de dados, o texto determina que provedores deverão respeitar a legislação brasileira incluindo direitos à privacidade e ao sigilo dos dados pessoais, mesmo que a empresa esteja sediada no exterior. Cláusulas contratuais que violem a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão passarão a ser consideradas nulas. Já a retenção dos chamados logs (dados de conexão, que incluem endereço IP, data e hora do início e término da conexão) deverá ser feita por um período de um ano.
Como se vê, o texto afeta os interesses de muitos públicos: empresas, usuários, governos. É de suma importância que o governo brasileiro agilize o processo de aprovação, porém, realizando um amplo debate com associações, empresas e demais representantes do setor. A aproximação entre entidades e representantes públicos e a troca de experiências entre eles pode contribuir para tornar a “Constituição da Internet” mais coesa e assertiva.
Artigo por: Marcos Sakamoto, presidente da Assespro-SP.