Responsável pela distribuição e entrega de produtos, a logística é um dos setores que mais cresce no Brasil. De acordo com dados divulgados no Boletim Economia em Foco, pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), em 2018, o PIB (Produto Interno Bruto) do setor de transporte, armazenagem e correio, cresceu 2,2% chegando a R$ 256,08 bilhões. Entretanto, apesar de seu crescimento e importância para o País, a área ainda enfrenta alguns desafios como a concentração no modal rodoviário e ausência de processos tecnológicos.
Esses pilares influenciam no serviço como um todo, atingindo, na maioria das vezes, o consumidor final. Durante a pandemia isso ficou ainda mais evidente, pois o aumento na demanda fez com que muitos clientes fossem afetados por conta das entregas fora do prazo.
Os Correios, por exemplo, entre março e o início de junho, já possuía 518 reclamações e denúncias. Um levantamento solicitado pelo O Globo mostra que esse número corresponde a um aumento de 339% em reclamações em comparação aos registros do mesmo período do ano passado (188).
Visando diminuir esses atritos, principalmente nas entregas, já existem no mercado algumas alternativas como plataformas de gestão de fretes e terceirização de frota. Essas soluções logísticas ganham ainda mais relevância durante a quarentena, período em que as vendas online aumentaram, assim como a quantidade de lojas virtuais.
Os dados divulgados pela Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico mostram essa nova realidade: entre 23 de março e 31 de maio, 107 mil novas lojas online foram criadas no Brasil. Isso significa que o País teve mais de um e-commerce aberto por minuto. Anteriormente à pandemia, a média de abertura era de 10 mil estabelecimentos mensais.
Um outro relatório feito pela Adobe, o Digital Economy Index (DEI), aponta que desde o início da quarentena o e-commerce já faturou US$ 77 bilhões a mais do que o esperado pelos pesquisadores do DEI. Só em junho, foram gastos mais de US$ 73,2 bilhões em compras online, um aumento de 76,2% na comparação com números do mesmo mês de 2019. Ainda de acordo com o estudo, os números de compra em e-commerce estão maiores do que os meses de novembro e dezembro (período de festas) do ano passado.
Confirmando essa tendência, o estudo realizado pela Criteo, empresa global de soluções de tecnologia para publicidade, mostra que 67% dos brasileiros optará por compras digitais como ‘novo normal’ pós-isolamento e que para 62% a velocidade de entrega nas compras online é considerado o ponto mais importante na hora da decisão em optar pelo e-commerce.
Diante desse cenário, a digitalização por parte das empresas ganha um papel ainda mais importante, assim como um olhar mais atento para a logística.
Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (ABRALOG), em uma participação no Papo em Movimento, série de conteúdos online da Intermodal South America, ressaltou a importância da tecnologia neste momento e falou sobre as lição da pandemia para o setor logístico.
Para ele, é muito importante que as organizações comecem a avaliar modais alternativos que consigam atender as demandas de e-commerce e de entregas em distâncias menores, pois, para ele, são os mercados que irão se expandir ainda mais nos próximos meses.
Além disso, de acordo com Pedro, o grande aprendizado que deve ficar pós-pandemia é a relevância de previsões financeiras, planejamento e análise de cenários por parte das empresas. O presidente destacou também o processo de colaboração entre os elos da cadeia logística que ajuda, portanto, a superação dos desafios do setor como um todo.
Falando sobre tecnologia, Pedro destacou sua importância, principalmente em tempos de coronavírus. “A questão da Logística 4.0, por exemplo, que é um tema que ganhou bastante destaque neste momento, já era um aspecto que vinha sendo trabalhado pelo setor, principalmente por grandes empresas do mercado (como Natura, DHL e Fedex) e por startups, que também vêm fazendo um trabalho muito interessante, só que a pandemia acelerou este processo”.
Nesse sentido, ele ressaltou tecnologias como IoT e Inteligência Artificial que colaboram com operações mais inteligentes na intralogística. “Eu diria que hoje o Brasil possui um portfólio de produtos e fornecedores que permite às empresas praticarem o 4.0”, afirmou. Ele ainda completou falando que “as empresas do setor da logística que fornecerem soluções – transportadoras, operadores logísticos – têm que prestar atenção nisso. Então elas têm que entender que são parte da cadeia produtiva e para sobreviver eles vão ter que acelerar a digitalização de seu serviço para fornecer soluções de ponta para o mercado”.
Diante desse cenário, as logtechs, startups que oferecem soluções logísticas, vêm ganhando destaque no Brasil. Para entender melhor o panorama do mercado e conhecer os serviços que surgem como uma alternativa para as empresas, o Startupi conversou com os CEOs da Melhor Envio e Uello. Confira:
Melhor Envio
A empresa Melhor Envio, plataforma de gestão de fretes que ajuda empreendedores a otimizarem tempo, ganharem competitividade com fretes mais baratos, integrações e rastreios automatizados, foi criada em 2015 com o intuito de ajudar lojas virtuais com suas demandas logísticas.
Éder Medeiros, CEO do Melhor Envio, contou que a ideia surgiu de sua própria experiência negativa ao trabalhar 5 anos em um e-commerce. “Percebi a falta de um player que me ajudasse a ter um frete mais competitivo e prático”, afirmou ele.
“O Melhor Envio iniciou apenas com uma transportadora, um meio de pagamento, e apenas com a possibilidade de geração manual de fretes. Hoje, somos integrados com 5 transportadoras, 7 meios de pagamento (mais o nosso sistema de gerenciamento de créditos para compra de envios), e temos uma API pública que possibilitou nossa integração com dezenas de plataformas, HUBs, ERPs, marketplaces e outras empresas”, explicou o CEO sobre a atual operação da empresa.
Para ele, o grande diferencial da startup é trabalhar em todo o processo de entrega da mercadoria. Através do Melhor Envio é possível realizar a cotação do frete – com tecnologia própria da empresa -, pagamento e solicitação de frete, além da geração de etiqueta de frete, rastreamento da mercadoria e abertura de solicitação de indenização com a transportadora, em caso de sinistro.
“O nosso time de atendimento ainda fica a disposição para ajudar nossos clientes em qualquer dúvida ou desafio durante a entrega da mercadoria. Somos a única plataforma do Brasil que atua em todas essas frentes e ainda fazemos isso sem que o lojista necessite de contrato com qualquer transportadora e sem cobrar nenhuma mensalidade ou taxa de adesão do lojista”, ressaltou.
A plataforma ainda oferece um painel para gestão de fretes centralizada. Com ela, mesmo que o empreendedor tenha 3 lojas virtuais, é possível organizar todos em um só lugar.
Sobre os desafios enfrentados desde a fundação da Melhor Envio, Éder ressaltou as dificuldades com algumas transportadoras que, segundo ele, não conseguiam compreender o modelo de negócios inovador. “Hoje a situação é completamente diferente, todas as semanas recebemos contato de várias transportadoras que querem integrar conosco, e aquelas que já estão integradas, enxergam o Melhor Envio como um grande cliente e um grande parceiro ao mesmo tempo”, disse.
Com o isolamento social devido à covid-19, a empresa também viu sua demanda crescer. A startup, que em junho notou um aumento 7 vezes maior que a demanda do mesmo mês em 2019, recebe atualmente mais de mil lojas virtuais por dia. “Durante esse período eu falei e ouvi muito a frase: ‘Uma black friday por dia’. Na verdade, o impacto da pandemia fez com que, em poucas semanas, a demanda superasse a da black friday do ano passado para as empresas de logística como um todo”, contou.
Esse aumento também fez com que as transportadores investissem em mais veículos. Ele explicou que esse movimento se deu devido à queda na quantidade de voos. Portanto, as empresas que trabalhavam exclusivamente com modal aéreo tiveram uma queda em parte de sua capilaridade, fazendo, assim, com que empresas multimodais passassem a utilizar mais o rodoviário.
Éder também falou que entre as soluções ofertadas pela empresa, a de maior procura tem sido a de transportadoras privadas, por parte dos clientes. “Elas cresceram em 11% no total de participação do nosso volume”, revelou.
Ainda falando sobre o modal aéreo e o impacto na demanda do Melhor Envio, ele explicou que apesar da queda no número de embarques dos trechos no início da pandemia, alguns trechos começaram a retornar em maio e isso equilibrou novamente a participação desse modal específico no volume total da startup.
Como dica para quem trabalha com entregas, o empreendedor destacou a importância de nunca depender de apenas uma transportadora. Para ele, o mix inteligente de transportadoras possibilita ao lojista fretes mais rápidos e mais baratos, diminuindo também o risco de atraso na entrega.
Por fim, Éder falou sobre as soluções logísticas que vieram para ficar no Brasil: o uso de pickup, onde o comprador vai até uma loja, agência ou locker para retirar a mercadoria, e de dropoff, em que, ao contrário da pickup, o lojista “posta” a mercadoria em uma loja ou outro ponto parecido. “Algumas transportadoras já tem iniciativas nesse sentido e acredito que é uma tendência que deva se intensivar”, afirmou.
Sobre a lição que ficará para a área, ele disse: “acredito que o setor sairá do covid-19 buscando estar mais bem preparado para crescimentos sazonais inesperados”.
Uello
A Uello, transportadora digital que utiliza tecnologia e rede colaborativa para entregar produtos pelo e-commerce, foi criada em 2016 após Fernando Sartori, CEO da Uello, que até então atuava como sócio-diretor em um grande e-commerce, perceber um déficit na logística tradicional que, segundo ele, não estava preparada para lidar com as novas demandas de mercado e as exigências dos consumidores online.
Fernando destacou o uso da tecnologia para oferecer uma experiência diferenciada de acompanhamento, visibilidade e antecipação de problemas, como o principal diferencial da startup. Outro ponto levantado pelo empreendedor é a otimização na cadeia de entregas que, além da redução de custo, permite também viabilizar operações que não são atendidas por transportadores tradicionais.
Assim, através desses pilares, a empresa consegue oferecer soluções para empresas de portes variados, incluindo entregas no mesmo dia e no dia seguinte; entregas a partir de lojas físicas, conhecido como ship from store; devoluções e trocas; e entregas B2B (entre empresas).
Segundo Fernando, o serviço de entrega em poucas horas, com melhor visibilidade e tracking em tempo real, tem sido o mais procurado durante a pandemia. “Os clientes estão cada vez mais exigentes e interessados em conveniência, visibilidade em tempo real, confiabilidade e interatividade. Durante este período de conveniência forçada os clientes se tornaram ainda mais atentos e exigentes aos prazos e a detalhes da experiência de compra como um todo”, apontou.
Para ele, essa é uma opção para empresas que busquem diferenciação na velocidade de entrega e na visibilidade ao consumidor final, com um preço acessível. Para atender essa demanda, portanto, a startup utiliza uma tecnologia própria de otimização que aproveita as rotas existentes para encaixar pedidos dos perfis mais diversos e compartilhar os custos de execução. “Desta maneira mais clientes podem ofertar um serviço expresso em suas vendas online”, explica.
Falando sobre os desafios da Uello como um todo, Fernando apontou o alinhamento de rotinas operacionais com a tecnologia. “É preciso ir muito além de ter apenas uma plataforma legal, um otimizador legal e uma operação que funcione. Precisamos inovar em todas estas frentes e elevar o nível de atuação para promover um serviço diferenciado e de alto impacto”, disse.
Sobre os impactos da pandemia no setor logístico, o empreendedor falou que a área sentiu e reagiu de diferentes maneiras, tendo alguns setores em queda, e outras, como o e-commerce, com altos índices de crescimento. Bem como empresas que tiveram que acelerar suas presenças online e outras que migraram do zero para compensar a queda do varejo durante a pandemia.
Para o e-commerce que já estava estruturado e teve uma alta em sua demanda, surgiu um outro problema: o prazo de entrega. Para evitar esse tipo de problema e ter uma gestão de frete mais inteligente, Fernando afirmou que o primeiro passo é ter um controle da cadeia, sabendo, portanto, onde está o pedido, por onde passou ou qual foi o local onde o problema pode ter ocorrido. Feito isso é preciso agir rapidamente nas tratativas e ser transparente com o cliente.
No caso da Uello, a startup já oferece uma plataforma para auxiliar o cliente na resolução dos problemas. Isso, segundo ele, “minimiza a ansiedade, acelera a velocidade de resolução e minimiza as chances de insatisfação e reclamação”.
O empreendedor também compartilhou o case de um marketplace que os procurou em busca de uma estruturação de conveniência para seus vendedores. “Em vez de se dirigirem a uma agência de postagem dos Correios para casos de envio a regiões distantes, a Uello passou a coletar e postar por eles de uma maneira mais segura e com menor exposição aos riscos de covid”.
Outra novidade da startup durante a pandemia é uma nova feature de entrega que permite a baixa digital, excluindo a assinatura digital no aparelho do entregador. Com ela, após o recebimento de um link, o receptor consegue reconhecer a entrega com assinatura em seu próprio aparelho.
O Pudo (Pickup Dropoff) também foi apontado como uma tendência por Fernando. Segundo ele, a prática minimiza chances de insucesso e pode até ser mais conveniente para alguns nichos de consumidores. O empreendedor revelou que a startup já tem parceria com algumas redes de Pudo e o visualiza como um modelo complementar para sua expansão.
Para ele, as empresas do setor logístico devem buscar a automatização da tomada de decisão já que a área tem se tornado mais complexa, mais dinâmica e mais volumosa (em quantidade de operações). “Na nossa opinião, para a logística de entregas as tecnologias que vieram para ficar giram em torno do automatismo nas tomadas de decisão, antecipação de problemas e total visibilidade de todos os processos de uma entrega”, destacou.
Fernando finalizou falando que além de uma estrutura interna do negócio, para estar preparado para enfrentar mudanças rápidas, como a que o coronavírus trouxe, também é necessário parceiros flexíveis que ofereçam tecnologia de ponta que ajudará nas variações repentinas de mudança e soluções logísticas adaptadas ao momento de transformação.
“O setor logístico precisa estar preparado para evoluir na mesma velocidade que seus usuários. A compra de serviços logísticos não é mais uma atividade restrita aos gestores de operação e transporte, mas também de setores de Marketing, Produto e Tecnologia dentro das organizações que buscam diferenciação, vantagem competitiva e uma experiência melhor para os usuários de suas marcas”, concluiu.
Desde março, o Startupi tem produzido matérias e entrevistas com informações úteis para o ecossistema de startups neste momento de crise. Confira aqui!