Há mais de um ano, a pandemia do coronavírus tem alterado de forma substancial os mais variados hábitos dos seres humanos, como o do consumo, por exemplo: se já era comum fazermos compras pela internet, com o distanciamento social e as várias outras medidas restritivas impostas pelas autoridades, adquirir algum produto sem sair de casa virou quase uma rotina.
Os números não deixam dúvidas sobre isso: de acordo com um estudo feito pela E-bit/Nielsen, empresa de mensuração e análise de dados, o ano de 2021 deve continuar bastante favorável para as vendas pela internet, podendo atingir um faturamento de R$ 110 bilhões.
Números à parte, esses resultados também nos levam a um outro questionamento: se por um lado, empresas que já trabalhavam com e-commerce viram seus números saltarem com o crescimento das compras on-line, por outro, quem ainda não estava adequado à essa nova realidade teve que se adaptar rapidamente para não perder clientes e, consequentemente, aumentar a receita interna.
Foi o caso da Grendene, exportadora e produtora de calçados mundial. No primeiro semestre do ano passado, a empresa sentiu um impacto significativo em seus resultados financeiros por conta da pandemia, mas que foram rapidamente recuperados após o processo de internalização do e-commerce da companhia — iniciado em agosto de 2020 — focado no fortalecimento de suas marcas e investimento no D2C (direct to consumer).
“Entre as estratégias implementadas pela companhia, houve a criação de um grupo de facilitadores digitais composto por mais de 200 pessoas. Além disso, foi realizada a internalização de todas as operações comerciais de B2C da empresa e a criação de duas plataformas B2B”, conta Paulo Pedó, diretor de Negócios Digitais da Grendene.
Outra grande aposta da Grendene foi o desenvolvimento do Bergamotta Works, um laboratório de inovação criado para ouvir o consumidor, testar soluções sustentáveis e buscar oportunidades no ecossistema de startups. Todas essas ações geraram resultados expressivos para a organização.
Só no quarto trimestre do ano passado, a companhia registrou crescimento de 400% nas vendas das marcas que migraram para a gestão própria em comparação ao mesmo período do ano anterior. Somente na Black Friday e no mês de dezembro, os canais on-line de Zaxy e Melissa USA, as primeiras marcas internalizadas, avançaram 117% e 380%, respectivamente, reforçando a acertada estratégia de operacionalização.
“Para citar um exemplo, hoje a Melissa opera, nos mesmos moldes do Brasil, uma plataforma de e-commerce nos Estados Unidos. Esse ambiente passou por atualização e migração para o ambiente Oracle em setembro de 2020. Com isso, do ponto de vista de receita, os resultados já estão aparecendo. Na Europa, temos uma operação sediada na Itália, que atende não apenas o país, mas toda a comunidade europeia”, destaca Pedó.
Dificuldades e mudança no perfil do consumidor
Paulo observa que as principais dificuldades enfrentadas pela Grendene durante esse processo estão relacionadas ao tempo de execução. Segundo ele, atualmente, as mudanças acontecem muito rápido e para atender a um modelo de negócio dinâmico e eficiente, é preciso estar sempre atualizado, já que qualquer movimento impacta diretamente toda a cadeia de fornecimento de serviços.
“Além disso, a lógica do constante aprendizado implica em uma visão baseada em versões. Então, estamos sempre em busca de melhorias. Outro ponto que deve ser levado em consideração é a cultura organizacional, principalmente, em uma empresa que já possui 50 anos de história. Temos a união da tradição, daquilo que já sabemos que funciona com o oceano de possibilidades e tentativas e erros que as novas tecnologias oferecem”.
Ele não considera, porém, que tenha havido uma mudança no perfil dos consumidores com a pandemia, mas sim, uma alteração no perfil de consumo fruto da disseminação dos canais digitais. “A companhia já estava atenta a esse comportamento de compras e, independentemente da pandemia, já estava prevista a internalização do seu e-commerce como uma estratégia mais robusta. Mas, sem dúvidas, o que poderia ser realizado em um período de dois anos acabou acontecendo em dez meses”, explica.
O despertar para o digital e as estratégias para alavancar as vendas
Renato Mendes, mentor da Endeavor Brasil, organização global sem fins lucrativos voltada para o crescimento dos empreendedores e professor na pós-graduação de marketing digital do Insper e da PUC-RS, concorda com Paulo e acrescenta que apesar das empresas terem acelerado a sua agenda de digitalização, algumas já estavam adiantadas nesse processo e cresceram muito porque a demanda migrou do off-line para o on-line.
“Quem não estava preparado, gosto de ser otimista para dizer que ganhou uma segunda chance para se digitalizar e é um investimento que lá na frente vai se pagar. O pós-pandemia vai nos mostrar que o digital não é mais uma opção, ele é uma necessidade na lógica de foco no consumidor”.
Entretanto, de acordo com o mentor, as pequenas empresas acabam sofrendo mais com essa transformação — sobretudo por conta da questão do caixa — o que faz com que a possibilidade de virada de jogo seja muito mais complicada. “Agora tem um lado positivo que o pequeno é sempre mais ágil, menos burocrático e simplifica mais as coisas. Há uma série de pequenos estabelecimentos que começaram a tomar pedidos pelo WhatsApp. Quem é pequeno e está sofrendo, tem que jogar com o fator agilidade a seu favor”, aconselha Renato.
Por outro lado, ele acredita que as redes sociais têm tido um papel fundamental nessa questão das vendas, primeiramente na geração de lead. “Você usa as redes sociais para tornar a sua marca mais conhecida e tem a oportunidade de apresentar o seu produto e serviço para um número maior de pessoas, podendo direcionar isso com um pouquinho de mídia e investimento muito baixo. Depois, tem uma coisa que é o contato direto com os consumidores, você tem um relacionamento direto para colher feedbacks”. E completa. “A questão não é se eu devo entrar nas redes sociais, mas como”.
Um ano depois, quais as expectativas para o e-commerce?
Renato ainda faz um balanço sobre a transformação digital acelerada pela pandemia e observa que para todos os setores, ela ocorreu em um momento de virada difícil, além de bastante desafiador. “Ela não foi planejada. Foi do dia para a noite que as empresas passaram a ser obrigadas a vender pelo digital. Diante dessa perspectiva, o meu olhar seria mais pela evolução. Tem uma série de pequenas companhias que não faziam nada no digital e começaram a fazer e esse é um movimento que não é temporário”.
Por fim, acredita que mesmo o varejo físico tendo uma força considerável no dia a dia do consumo, alguns hábitos que foram adquiridos nunca mais voltam. “A pandemia acelerou o processo de digitalização e chegamos a um patamar de consumo digital que não volta mais. Tem alguns setores mais pesados do B2B que resistem, mas no geral essa barreira acabou. O digital não é futuro, é presente. É uma transformação que veio para ficar”, finalizou.