O ecossistema de startups, inclusive unicórnios — empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, estão vivenciando uma baixa, devido à alta de juros, inflação global e as consequências da pandemia. Segundo um levantamento realizado pelo Distrito — plataforma de inovação, com o apoio da Bexs — banco de câmbio e pagamentos digitais, o número de investimentos realizados em startups brasileiras no mês de maio de 2022 (US$ 298,5 milhões) teve uma queda considerável em relação ao mesmo mês em 2021 (US$ 772,6 milhões).
Em meio a este ciclo, nos últimos meses startups como Favo, Olist, Kavak e QuintoAndar anunciaram demissões em massa e durante esse processo de desligamento, alguns funcionários relataram se sentirem desvalorizados pelas empresas. Para entender melhor como funciona o processo de desligamento e como as empresas podem fazer para humanizar e evitar que essa sensação seja gerada nos ex-funcionários, o Startupi entrevistou a Fernanda Medei, fundadora e CEO da Medei, HR Tech focada em demissão e homologação 100% digitais.
Ressignificando processos
Fernanda, que é formada em Direito, se viu em uma encruzilhada quando em 2011 foi demitida da empresa em que trabalhava como advogada. Todo o processo de desligamento se estendeu por 120 dias e ela só conseguiu finalizar o processo de homologação no último dia do prazo estipulado. Após vivenciar o problema, ela notou que o RH possuía uma grande dificuldade quando se tratava do processo de demissão.
No mesmo ano de sua demissão e visando mudar esse cenário e a forma como o RH conduz o processo de desligamento, Fernanda teve a ideia de criar a Medei para tratar o assunto de forma transparente com os ex-funcionários, e explicar todo o processo de forma simples para que não haja dúvidas quanto aos documentos e direitos que essas pessoas possuem após serem desligadas da empresa. “Existem três tipos de luto na vida de uma pessoa: a morte, o término de um relacionamento e a demissão, e o colaborador precisa ressignificar isso. A Medei nasceu para ajudar nesse processo”, comenta a CEO.
A CEO também conta que suas experiências jurídicas não foram muito aproveitadas no processo de abrir uma startup do zero, até porque a sua área de atuação não era societária e/ou trabalhista e sim tributária, ou seja, cuidava das relações entre empresas e a receita federal, governo e prefeitura. “O Advogado não é preparado para ser gestor ou para o mundo das ideias. Ele pensa em tese, e eu tive que aprender muita coisa na garra”, relata.
Diferente do processo tradicional, no qual o ex-funcionário precisa fazer todo o processo de homologação de forma presencial, a Medei possui uma ferramenta que permite que o processo seja realizado totalmente online, onde o RH disponibiliza as informações dos ex-funcionários como: a localidade, tipos de demissão, e quais agendamentos que serão feitos.
O processo é realizado por videoconferência, assim a plataforma também consegue identificar quem compareceu ou não na sala de reunião. Além disso, também é realizado um atendimento online com os ex-colaboradores para que fiquem cientes de todos os seus benefícios sociais. A entrega dos documentos e assinatura também são realizados de forma eletrônica automatizando o tempo do RH e da pessoa que foi desligada da empresa
A startup faz a mediação entre o ex-funcionário e a empresa e trabalha para que os direitos trabalhistas sejam preservados. “Todos os nossos clientes são grandes empresas. Então elas prezam exatamente pelo pagamento de todas as verbas rescisórias, ou seja, caso ocorra algum erro que precisa ser corrigido, nos é passado uma notificação para que se faça a correção de uma forma muito rápida ajudando tanto o colaborador quanto o RH ”, ressalta Fernanda.
Em 2018 a startup participou de um programa de aceleração da Fundação Dom Cabral, o Conecta CNT, que é voltado para empresas de logística. Mesmo a Medei sendo uma empresa de RH, foram selecionados para participar do programa e acelerados durante quatro meses. Além disso, foram acelerados também pela Startup ABC do Sebrae São Paulo e pelo Distrito, em 2021. “Essas experiências foram muito importantes para que tivéssemos uma visão diferente do mercado, fez com que nós gostássemos cada vez de resolver o problema do cliente”, afirma a CEO.
As dificuldades enfrentadas por mulheres em um mercado dominado pelos homens
Falando sobre as dificuldades que enfrenta por ser mulher em um mercado que é majoritariamente dominado por homens, Fernanda conta que ser CEO e fundadora de uma empresa de tecnologia, era algo que as pessoas não esperavam e quando apresentava a sua startup, esperavam que um homem estivesse ocupando o seu cargo, e por isso muitas vezes direcionavam as perguntas para o seu marido que atua como cofundador da Medei. “ Meu esposo percebendo toda essa situação, me disse que os questionamentos deveriam ser direcionados a mim, não o contrário. Hoje as coisas mudaram bastante, mas passei por muitos perrengues durante o processo”, comenta.
Como humanizar o processo de desligamento?
Em 2020, a Covid-19 chegou ao Brasil, em março o isolamento social foi decretado, e muitas empresas tiveram que reduzir o seu quadro de funcionários ou fechar completamente as portas. Fernanda relembra que a Medei também passou por incertezas: “nós somos uma empresa que trabalha com demissão. Inclusive para nós o período foi mais complexo porque tínhamos que segurar os nossos colaboradores e criar um ambiente onde as pessoas pudessem se sentir seguras”, explica. “Aos funcionários que foram desligados, sempre dizíamos que tudo ficaria bem. O trabalho interno que fizemos refletiu no atendimento dos colaboradores”.
Já sobre o atual cenário de demissões em massa que as startups estão vivendo, Medei explica o que ocasionou a situação: “ no final de 2019 e no ano de 2020 as startups tiveram uma onda muito grande de investimentos. Porém chegou o momento onde o prazo estipulado por essas empresas para darem um retorno financeiro não se concretizou. Então tiveram que devolver o valor investido e para isso o corte foi a primeira opção que eles visaram”.
Mesmo diante ambos os cenários, a CEO comenta que as empresas podem ter uma homologação mais humanizada e para que isso possa acontecer, primeiro precisam se preparar e deixar claro quais são os motivos que estão resultando naquela demissão. “Criar um ambiente para fazer essa demissão e explicar o motivo do desligamento é muito importante, porque de algum forma aquele colaborador contribuiu com o resultado da empresa, então nada mais justo do que colocar os pingos nos is e desejar boa sorte e uma recolocação breve no mercado”.
Histórias que merecem ser contadas: humanização é a chave para uma despedida
A Medei, que vem fazendo a diferença no setor de RH, coleciona histórias de novos começos mesmo depois de uma demissão: “tem um colaborador que foi desligado e na mesma semana a mãe dele faleceu e a casa pegou fogo com o gato dentro dela. Ele se sentiu perdido e ainda tinha que fazer a homologação no sindicato. Então, tomamos as dores e o ajudamos a entrar em contato com o sindicato, explicamos toda a história, e que não era a empresa que não queria realizar o processo e sim um erro que ocorreu no sistema. O ajudamos a realizar todo o processo”, conta.“Depois disso, ele ficou grato e nos contou que se sentia melhor. No final das contas muitas vezes o que a pessoa precisa é de uma orientação, e que alguém se sensibilize com o que ela está passando no momento”, confirma.
Investimentos e planos de internacionalização
Fernanda diz que além do investimento pré-seed em 2021 que a Medei recebeu da Bossanova Investimentos, — cujo o valor não foi revelado -, abriu também no ano passado uma rodada de investimentos, porém após terem um boom com a entrada de novos clientes que elevaram muito o faturamento da startup, a rodada foi fechada com antecedência.
A Medei fica localizada em São Caetano do Sul, mas além da região e de outros estados do Brasil, a startup já prestou os seus serviços para empresas de outros países como China e Estados Unidos, devido ao seu processo completamente digital. Atualmente, a empresa possui 70 funcionários e em 2021 faturaram mais de R$ 5 milhões. Até o atual momento a startup já ultrapassou o valor do ano passado e tem a previsão de faturar R$ 10 milhões até o final de 2022.
A Medei pretende lançar uma plataforma de admissão em breve. Além de automatizar o RH e as integrações com o sistema sem perder a sua essência. Pretendem também com a rodada de investimento que está com previsão de conclusão em setembro deste ano, focar na internacionalização da startup e expandir para outros países.