* Por Bruno Diniz
O mercado financeiro brasileiro nunca esteve tão democrático quanto atualmente, sendo povoado por um número crescente de fintechs e novos entrantes de diferentes setores (que vão desde varejistas até empresas de telefonia). Isso se deve tanto aos avanços regulatórios recentes promovidos pelo Banco Central em prol do aumento de competitividade, quanto ao avanço tecnológico no setor, que presenciou uma forte diminuição de custos na última década.
Por trás deste acelerado processo de surgimento de novos players no segmento financeiro, frequentemente se encontram os provedores de infraestrutura e de banking as a service (ou BaaS, como também são conhecidos). Assim, como o próprio nome sugere, essas empresas possibilitam a atuação de novos entrantes no mercado por meio de prestação de soluções de tecnologia e de interface regulatória, sendo um grande atalho e, muitas vezes, a alternativa mais viável no ponto de vista de custo-benefício para quem quer começar a ofertar serviços financeiros.
Isso porque pode ser bem mais demorado e caro construir todo o aparato tecnológico dentro de casa e tirar as licenças específicas para rodar sua operação de banco digital do que terceirizar esse esforço para essas companhias especializadas. Suas soluções vão desde a emissão de cartões, criação e gestão de contas digitais, oferta de soluções de crédito, viabilização de estruturas de pagamentos (o que pode incluir a preparação para o novo sistema de pagamentos instantâneos, o PIX), dentre outros. As alternativas frequentemente são modulares e têm certo nível de personalização, o que também torna a oferta atrativa, além de comumente contarem com a expertise trazida por empresas que já viram todo tipo de potenciais problemas em suas diversas implementações.
O aquecido mercado de banking as a service e infraestrutura conta com empresas como a Conductor, Matera, Zoop, Banco Topázio, BBNK, SWAP, Bankly, Technisys, Qesh, dentre várias outras… e essa lista só aumenta.
Em uma guerra onde novos bancos digitais surgem de todos os lados, essas empresas poderiam ser comparadas aos vendedores de equipamentos, que proveem munição para que novos e diferentes guerreiros possam atuar no disputado campo de batalha dos serviços financeiros. Tratam-se de fintechs invisíveis para boa parte das pessoas, já que operam nos bastidores e têm atuação B2B (realizando vendas de empresa para empresa).
Há hoje no mercado um movimento chamado embedded fintech (às vezes referido como embedded finance) que tem intensificado a busca por esses provedores. A expressão significa algo como “fintech incorporada”, e na prática pode ser vista como um processo de “fintechzação” de uma empresa não financeira, que passa a ofertar produtos financeiros para a sua base de usuários, adicionando novas linhas de receita.
Fora do Brasil esse movimento segue a todo vapor, e tem companhias como a Marqeta e a Galileo Tecnologies (sendo que essa última foi recentemente adquirida pela fintech SoFi) dentre alguns de seus principais nomes. A primeira atua viabilizando operações de empresas como a Instacart e a Square, e a segunda presta serviços para a Robinhood, Transferwise e Varo. Considerando as empresas citadas em seus portfólios, dá para perceber que as soluções ofertadas também compreendem a viabilização de novos produtos financeiros para fintechs já existentes, que buscam ampliar sua atuação à medida que avançam em seu processo de “rebundling”.
Investimento no setor e perspectivas
Alguns fundos de investimento parecem estar gostando desta tese no Brasil, o que fica visível dado os aportes recentes na SWAP (vindos da Canary, Global Founders, Flourish Ventures, dentre outros) e na Matera (por parte do Kinea, gestora de Private Equity do Itaú). A Riverwood Capital, por exemplo, tem participação em duas empresas que atuam com infraestrutura para banking, como a Conductor e a Technisys.
Além dos fundos, grandes corporações também estão se posicionando no setor. Dentre os players do mercado financeiro tradicional temos a Visa, que realizou investimentos estratégicos tanto na norte-americana Marqeta quanto na brasileira Conductor, empresas que utilizam sua bandeira para emitir os cartões de seus clientes. O banco J.P. Morgan também realizou investimentos nesse sentido quando se tornou sócio da Fitbank, com o intuito de levar os serviços dessa fintech para seus clientes corporativos.
Outra movimentação interessante aconteceu por parte da Stefanini, tradicional prestador de serviços de tecnologia, que adquiriu a Logbank para adicionar soluções de banking as a service ao seu portfólio. É provável que outras empresas do mercado financeiro e de tecnologia da informação realizem aquisições nesse ambiente para aproveitar esse novo filão.
O ecossistema financeiro local está em meio a um processo de mudança estrutural que irá exigir também a adaptação de muitas instituições tradicionais ao PIX e ao Open Banking. Atentas à transição, várias dessas fintechs invisíveis estão adicionando o suporte a essa virada de chave em sua lista de soluções. E, no ritmo da adesão do mercado para essas novidades, demanda para tais projetos não faltarão.
Em um futuro próximo, existe a expectativa de consolidação do setor, conforme esse espaço se torna ainda mais competitivo e os maiores players passem a adquirir outras fintechs para ampliar sua dominância de mercado. Mas, até lá, haverá um enorme campo de atuação a ser desbravado.
Em uma entrevista recente, Mário Mello, venture partner do fundo Valor Capital Group, fez uma comparação que achei particularmente interessante. Ele disse que o Brasil terá cerca de 2 mil bancos e instituições financeiras nos próximos 3 a 5 anos, os quais atuarão nos mais diferentes nichos (de caminhoneiros a profissionais autônomos), e traçou um paralelo inusitado com a indústria cervejeira dos Estados Unidos.
Enquanto por lá 6 marcas detinham 60% do mercado há alguns anos, hoje já existem mais de 5 mil cervejarias artesanais que levaram 20% do market share dos grandes players. O meio digital derrubou os custos no segmento e todo um mercado foi criado para permitir que praticamente qualquer pessoa possa produzir (e vender de forma online) sua própria cerveja, abriu-se um grande leque de opções para consumidores dos mais variados gostos.
Guardadas as devidas proporções, podemos estar passando por um momento similar no mercado financeiro local, que combina diferentes fatores relativos à diminuição de barreiras de entrada, mudanças no comportamento do consumidor em um mundo pós covid-19 (tornando-o ainda mais digital) e a atuação das companhias de banking as a service e infraestrutura como viabilizadoras dessa nova realidade. Nesse ritmo, talvez em breve a sua empresa também passe a considerar a possibilidade de ter um banco digital para chamar de seu! Por que não?
Bruno Diniz é especialista em Fintech, cofundador da Spiralem (consultoria especializada em inovação para o mercado financeiro), head do Comitê Fintech da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) e professor de fintech na Fundação Getúlio Vargas e no MBA da Universidade de São Paulo (USP).