* Por Matheus Bombig
Atualmente, é fato que um número crescente de empresas buscam revolucionar os métodos de gestão para se tornarem mais competitivas. No entanto, as discussões ficam mais enviesadas em aspectos ligados à Transformação Digital, práticas ESG e, no fim das contas, pouco se fala sobre as mudanças estruturais que o mercado necessita tomar em relação ao modelo tradicional de hierarquia. Estudo produzido em 2016 por Gary Hamel e Michele Zanini, autores do livro “Humanocracia: Criando Organizações tão incríveis quanto as pessoas que as formam”, aponta que a centralização de decisões traz um prejuízo de US$ 3 trilhões ao ano somente às corporações dos EUA.
Esse número demonstra o profundo impacto que a burocracia pode trazer à produtividade das organizações e na economia em si – isso sem contar que esse montante deve ser ainda maior nos dias atuais. Em organizações com poucos colaboradores, esse dano pode até ter um efeito menor, mas quando entramos na esfera das estruturas piramidais das grandes empresas, eles tendem a se acentuar. As poucas pessoas no topo, por mais inteligentes e competentes que possam ser, não conseguem mais compreender e nem lidar com toda diversidade que envolve as tomadas de decisões. E é nesse sentido que o modelo Teal pode ser uma solução para desburocratizar e até revolucionar o mercado corporativo.
A modalidade possui como pilar central a gestão descentralizada, que, diferentemente dos modelos tradicionais de tomada de decisão – top-down, consenso e maioria -, traz um processo mais autônomo. Ou seja, o princípio é de que qualquer pessoa pode tomar decisões, até mesmo em relação ao dinheiro gasto pela organização com investimentos pontuais ou contratações. Porém, antes de qualquer ação, existe um processo de aconselhamento, em que o colaborador colhe a opinião daqueles que serão impactados pela decisão e de funcionários experientes que vivenciaram situações parecidas.
Depois, o colaborador irá considerar todos os conselhos recebidos e, se julgar que sua decisão realmente faz sentido, poderá levá-la adiante. Caso fique em dúvida, ele pode reajustar o que decidiu e trazer novamente para sessões de aconselhamento até que se sinta confortável em agir. No final, a decisão do aconselhado é soberana e ninguém tem o poder de glosá-la. Dessa forma, toda estratégia é sempre influenciada por uma inteligência coletiva. Ou seja, todos acabam levando os pareceres recebidos muito a sério, pois do mesmo modo que um funcionário gostaria que o outro prezasse pela sua opinião, ele também dará crédito a outras visões.
Nessa estrutura, o engajamento do time também é fortalecido. Isso ocorre porque indivíduos que trabalham com um propósito e possuem liberdade e autonomia para colocar em prática hipóteses e testes estão sempre mais motivados. Além disso, existe uma parcela de colaboradores que prefere abrir mão de apenas reconhecimento financeiro para ter a possibilidade de criar e inovar dentro da marca, fazendo parte da sua construção e crescimento. Até por esse motivo, a atração de talentos também se torna uma vantagem para as organizações que adotam o modelo Teal.
Já no que se refere ao atendimento ao cliente, a gestão ganha em velocidade e resolução, afinal, quem está atendendo o consumidor tem liberdade para tomar decisões no momento de sanar o problema, sem precisar ficar preso ao “sistema não permite” ou “a diretoria não aprovou”. Quem está diariamente lidando com o público e identificou oportunidades de melhorias, ajustes em produtos ou até um possível novo serviço pode compartilhar a dor e montar um time para desenvolver a solução, sem precisar subir a questão aos tomadores de decisão, passar pelo setor financeiro ou demais burocracias.
Apesar de todos esses benefícios, vale destacar que não há uma receita de como esse modelo deve ser implementado e gerido. Cada empresa deve fazer as adequações necessárias de acordo com o seu contexto, valores e crenças. Sendo assim, algumas podem optar em começar por algum departamento, enquanto outras podem preferir implementar na companhia inteira. No entanto, o certo é que sempre será mais fácil quando o interesse na mudança vem de cima para baixo, justamente por significar que quem tem poder e centraliza as decisões já está disposto a seguir um novo caminho.
Em um país que herdou um forte corporativismo, como o Brasil, é importante disseminar uma discussão como essa. Muitos CEOs e outros c-levels ainda estão atolados de trabalho, o que se reverbera no processo de tomada de decisão. Hoje, o tempo desses líderes é tão precioso que a camada gerencial abaixo passa dias ou semanas preparando apresentações ou materiais para serem levados em reuniões que geralmente duram poucos minutos. Portanto, imagine quantas decisões foram tardiamente tomadas ou até mesmo não foram efetivadas por falta de espaço na agenda dos executivos. Essa é uma estrutura que definitivamente precisa mudar se quisermos expandir os nossos olhares para fora da gestão convencional. Só assim vamos começar a transformar verdadeiramente a cultura interna das corporações.
*Matheus Bombig é cofundador da Invenis, cofundador e conselheiro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), e cofundador do Surf Junkie Club