* Por Matheus Fonseca
Já pensou como seria se cada um de nós fossemos avaliados, no ambiente de trabalho, por nossas habilidades, características, personalidade e experiências de vida? E se as empresas usassem esses critérios para encontrar talentos? Será que gênero, idade, raça e instituição onde a pessoa estudou, são informações que estão afetando o julgamento dos recrutadores? Muito pode mudar em uma companhia quando alteramos a forma de contratação – e arrisco dizer que a melhor forma de fazer isso é começando pelos processos de estágio e trainee.
Se os vieses inconscientes forem quebrados na hora de contratar, a tendência é que o resultado disso seja a formação de times cada vez mais diversos e novas oportunidades tanto para a instituição quanto para as pessoas que a formam. Mas para atingir esse patamar, precisamos fugir do que é convencional em recrutamento, ir além do tradicional, e com times treinados para conduzir bem as etapas.
Um bom processo, além de informativo, é aquele que faz o candidato sentir que teve a oportunidade de aprender e se desenvolver nele e, mesmo que não seja escolhido, desenvolve uma relação positiva com a empresa e tudo que viveu durante a seleção. Uma pesquisa do LinkedIn mostrou que 75% dos candidatos levam em consideração a marca empregadora antes mesmo de se inscrever para uma vaga.
Para ajudar em programas com muitas inscrições, uma forma de deixar que as qualidades de cada um brilhem e evitar vieses tanto quanto possível, é fazer um processo às cegas. Felizmente o avanço da tecnologia tem tornado isso cada vez mais simples e menos custoso.
Já existem ferramentas que ocultam, por exemplo, gênero, idade, instituição de ensino e outras informações não essenciais em etapas online, que podem ajudar na triagem. É importante também treinar a equipe de recrutamento para lidar com essas tendências que temos, especialmente as que são inconscientes.
Ainda que não seja possível remover totalmente os vieses já incutidos nas seleções e até mesmo nas ideias que temos pré-concebidas sobre recrutamento, podemos treinar para adquirir consciência deles e sermos menos afetados pelos mesmos.
Uma pesquisa da plataforma de recrutamento britânica SomeoneWho mostrou que apenas 32% dos funcionários da área de RH acreditavam que não estavam sendo influenciados por algum tipo de preconceito ao realizar contratações e 48% admitiram que tiveram suas decisões impactadas.
A esta altura você talvez se pergunte: mas por que se preocupar tanto com isso? Por que este esforço para fazer diferente algo que, de certa forma, tem funcionado satisfatoriamente há anos? A resposta é que apenas mudando a maneira de selecionar, mudamos também o perfil das pessoas que contratamos. E quanto mais diversa for uma equipe – em ideias, histórias e perfis, assim como em gênero, raça e credo – melhores serão seus resultados.
Temos números para isso, mas antes de apelar para eles, vale dizer que trabalhar com as diferenças nos desafia e ajuda a gerar embates saudáveis de ideias. Além disso, nos estimula, de forma natural, a pensar fora da caixa – algo que as empresas tanto querem.
Mas se esses argumentos não bastarem, os dados nos ajudam: de acordo com pesquisa realizada pela McKinsey & Company, companhias com maior equilíbrio de gênero são 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média. Do ponto de vista étnico e cultural, os dados indicam 33% de probabilidade de desempenho superior.
E por que começar com programas de estágio e trainee? Porque vivemos, em especial nas empresas de tecnologia, um momento de grande dificuldade de contratação, que é ainda mais grave entre funcionários de nível pleno e sênior.
A própria velocidade de transformação do setor torna difícil encontrar no mercado profissionais com os conhecimentos necessários. Se a oferta já é escassa, imagina ter que encontrar ainda pessoas que tenham fit cultural, além das habilidades técnicas?
Este problema só será resolvido, a longo prazo, se começarmos a contratar jovens talentos dispostos a aprender e dermos a eles as ferramentas e o apoio que precisam para se desenvolver. Em alguns anos, as lideranças da empresa terão se transformado, e assim toda ela. É um trabalho a longo prazo, mas seu potencial de transformação profunda não deve ser ignorado por instituições que desejam prevalecer sobre as dificuldades e deixar uma marca duradoura em seus mercados.
A verdade é que vale a pena, em todos os sentidos possíveis, encontrar pessoas cujos valores se alinhem com a sua companhia e promovam mudanças a longo prazo. Investir nos jovens é investir no futuro da sua empresa.
* Matheus Fonseca é coordenador de Employer Branding do Grupo Movile e foi o responsável por encabeçar o programa de talentos em 2017. Formado em administração pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) com passagens por áreas de vendas e marketing, está há três anos na companhia, onde, além de liderar a área de marca empregadora, também atua como Business Partner.