* Por Ana Debiazi
Nos primeiros cinco meses do ano, as startups brasileiras captaram US$ 2,6 bilhões. No ano passado, nessa mesma época, o setor somava US$ 3,2 bilhões. Em relação aos aportes, 40% têm sido em seed money, rodadas que costumam levar tíquete médio de US$ 1 a US$ 10 milhões, e 19% são em série A, com rodadas de US$ 10 a US$ 50 milhões, segundo a plataforma Distrito. Mas o que está por trás disso tudo e o que realmente está acontecendo?
O cenário mundial não é positivo para as economias globais. A pandemia causou um desabastecimento de matérias-primas vindas da China; a guerra na Ucrânia puxou o encarecimento do preço dos alimentos e do petróleo, elevando a inflação no mundo todo. A economia global está beirando uma recessão, e o reajuste significativo das taxas de juros de diversas nações já é realidade. Ou seja, o cenário macroeconômico não é muito promissor. Isso reflete diretamente nos investimentos, principalmente de risco, em que a liquidez é baixa.
As constantes elevações da Selic, que em junho teve a sua 11ª alta consecutiva (de 12,75% foi para 13,25%), faz o investidor buscar aplicações de renda fixa que, além de trazerem liquidez, ainda estão atreladas ao rendimento da taxa básica de juros.
Na América Latina, o Brasil costuma ser “a menina dos olhos” para os investidores da nova economia. Contrariando a escassez dos investimentos, algumas startups brasileiras continuam atraindo a atenção de fundos globais a partir da priorização de modelos bem elaborados. É o caso da Lovin’Wine, que em abril conquistou um cheque de R$ 2,5 milhões pela CapTable, e da Dock, que captou R$ 525 milhões, tornando-se o mais novo unicórnio brasileiro.
Esses investimentos demonstram que os fundos ainda possuem dinheiro para aplicar, mas o apetite está voltado para as rodadas menores, em startups em early-stage ou growth. Os investidores priorizam o smart money, com mentorias e boas conexões para as investidas.
O poder da experiência, conectado a uma rede de grandes oportunidades, é fundamental para quem está de olho em investir no mercado. Das 236 captações que tiveram valores divulgados nos primeiros cinco meses do ano, apenas 6% foram superiores a US$ 50 milhões. A liderança fica com os cheques de até US$ 5 milhões.
Os reajustes de valuation nas big techs é um dos motivos para essa inversão de aportes. Porém, isso já era esperado pelo mercado, pois alguns investimentos em startups na fase late-stage aconteceram devido à quantidade excessiva de dinheiro disponível e ao bom cenário macroeconômico mundial, apesar da pandemia. Afinal, ela impulsionou a transformação digital no mundo, criando uma bolha nos valuations das startups em crescimento. E toda bolha econômica se autorregula pelo mercado.
Esse novo ciclo vai gerar negócios e startups bem mais estruturadas em cada estágio, focadas em propósito, resolução de problemas e geração de caixa. Os empreendedores devem trabalhar para mostrar aos investidores que suas ideias resolvem um problema real, que elas serão aceitas e compradas pelo mercado envolvendo um crescimento saudável e sustentável e trazendo retorno para quem apostar junto.
Ao realizar um investimento, espera-se que seja alocado no que foi traçado, alterando-se a rota apenas para fazer ajustes necessários. Dessa forma, a empresa vai atingir a próxima etapa de crescimento e novos investidores estarão mais dispostos.
O venture capital está mais criterioso, e deve realmente estar, pois é o dinheiro do investidor envolvido que está ali, sendo colocado no empreendimento. O cuidado com o valuation, sustentado pelo crescimento, será primordial para as próximas rodadas. Com os investimentos voltados ao early-stage, e com o cenário econômico mundial desacelerando, as startups precisam rever suas operações, assim como todas as empresas que querem sobreviver durante uma crise.
É normal que as operações se tornem mais enxutas. Quando há muito dinheiro em caixa, as empresas investem em crescimento, em testar novos mercados, novos produtos. E isso acarreta mais contratação, e no inverso, as demissões acontecem.
Não há uma crise na nova economia, há um ajuste frente ao cenário econômico mundial que estamos vivendo. Tudo isso é saudável e mostra maturidade dos gestores, que desejam continuar crescendo, mas de forma sustentável, mantendo a operação focada em seu core para que os investidores tenham os retornos esperados.
Estamos vendo constantemente a abertura de novos fundos de venture capital no Brasil: em junho tivemos o anúncio da nova gestora de fundo de investimentos voltada à internacionalização de startups brasileiras, a Staged Ventures.
A expectativa é investir US$ 50 milhões, cerca de R$ 252 milhões nos primeiros 12 meses. Também em junho, a gestora de early-stage Maya Capital concluiu a captação de seu segundo fundo de US$ 100 milhões; o surfista Gabriel Medina também se voltou aos negócios com a Kauai Ventures – a meta é investir ainda este ano em cinco startups que operem no segmento da Web3. Os cheques giram em torno de US$ 1 milhão a US$ 5 milhões, e podem ser na forma de mídia, dinheiro ou um misto das duas possibilidades.
Nos próximos dois anos, teremos a regulação do mercado com rodadas menores. O segmento continua aquecido, e especificamente o nacional está cada vez mais maduro e vem sendo procurado pelos fundos de todo o mundo. Esses já têm a tradição de acompanhar as novas boas ideias desde o início, e agora querem garantir que o sucesso venha na injeção financeira, mas também no acompanhamento contínuo de performance, junto à operação e aos mentores.
As oportunidades também virão de dois importantes protagonistas do mercado: as corporates ventures, com seus processos de acompanhamento diário com os founders, impulsionando as vendas das startups por meio de suas necessidades e abertura de mercado; e as casas de crowdfunding, que proporcionam investimentos coletivos e a possibilidade de aplicações mais baixas. Ambos abrem mercado para pessoas físicas e jurídicas que buscam alternativas fora dos tradicionais fundos.
Os cenários para a nova economia são, sim, favoráveis. Os investimentos em venture capital continuarão fortes, impulsionando a economia. O Brasil é um grande atrativo para investidores e está cada vez mais forte, segue amadurecendo no segmento. Temos a chance de vivermos no país dos unicórnios. Nossa economia ainda é pouco digital, precisamos resolver problemas em vários segmentos, mas há um mar de oportunidades à frente.
Ana Debiazi é CEO da Leonora Ventures, Corporate Venture Builder com DNA inovador e com proposta de trazer soluções para os setores de educação, logística e varejo e promover a aproximação entre organizações já consolidadas e startups.