* Por Fernando Taliberti
Era um dia de verão e me dirigia a uma praia do Alentejo, região vinícola de Portugal. Mas o tempo fechou. Não tínhamos conhecido nenhuma vinícola no dia que foi planejado para isso, então, minha mulher conseguiu uma visita de última hora para preencher aquele dia cinzento.
O que imaginava era saborear bons vinhos e quem sabe algumas guloseimas locais. O que não imaginava era que estava prestes a ter uma lição de o que é empreender em uma companhia de 150 anos! Visitamos a Herdade do Cebolal, onde fomos recebidos por Luís, representante da quinta geração da família fundadora e por sua mãe, Isabel
Para um fundador de startup, confrontar a realidade de uma organização centenária com ciclos de lançamento de produto anuais, que muitas vezes passam anos em preparação, gerou reflexões profundas. Então vamos falar delas!
1 – Marca
“Construir uma marca leva anos, mas destruí-la pode levar alguns segundos.” Quando se trata de uma marca construída através de quinze décadas, o valor do que está em risco chama a atenção.
A lição é válida para qualquer empresa, mas lá ela norteia a relação com os clientes, distribuidores, fornecedores e até mesmo funcionários.
Sobre canais, a família acredita que podem contribuir para o valor da marca. Por isso preferem focar em distribuir seu produto através de hotéis e restaurantes que enfrentar a feroz concorrência das prateleiras do varejo. Assim conseguem manter margens mais altas.
Nesse mercado, crescer a produção é complexo e pode demorar anos e depender de aquisição de terrenos. Por isso aumentar a rentabilidade é sempre a melhor opção.
A principal lição está em como vários fatores influenciam o valor da marca e esse, por sua vez, a rentabilidade.
2 – Tradição vs Inovação
Nem só de tradição é construído o sucesso de uma vinícola. Inovação tem um papel importante na manutenção da sua longevidade.
Na Cebolal, ela vai desde pequenas experiências com barricas até testes radicais, como afundar diversas garrafas de vinho em um contêiner submarino para muitos meses depois descobrir qual foi o efeito do constante balanço do mar no sabor da bebida.
Esse tipo de inovação atrai a mídia e pode criar linhas de produtos diferenciadas. O mesmo é verdade em tecnologia. No início, uma startup precisa ter muito foco em um único produto, que aos poucos vai ganhar estabilidade (tradição).
Ao longo dos anos, a tendência é que este produto original perca relevância e a empresa precise se manter relevante através de inovações, de novas linhas de produto.
A IBM é o exemplo mais notório deste processo, mas conforme o ciclo das inovações em tecnologia vai encurtando, startups com poucos anos de vida precisam começar a se reinventar logo!
3 – Foco vs Diversificação
O terreno da vinícola é cheio de sobreiros, a árvore que produz a cortiça, da qual Portugal é o maior produtor mundial.
A extração desse produto é uma oportunidade de diversificação que não faria sentido desperdiçar. Mas produzir as rolhas seria perda de foco.
Ao invés disso a Herdade oferece a cortiça extraída dali para seus fornecedores de rolhas. De forma similar há produção de mel, cujas abelhas são importantes para a polinização na propriedade.
Mas o mel em si é produzido por um outro parceiro. Equilíbrio entre a exploração de oportunidades laterais sem perder o foco na linha de produtos principal é um ponto de atenção relevante, para qualquer organização.
4 – Relacionamentos
Luis e sua mãe demonstraram profundo respeito pelas relações com todo seu ecossistema. Os fornecedores de mel e rolhas são bons exemplos, ambos parceiros de décadas com quem suprem um relacionamento de grande confiança.
Mas impressionante é descobrir que há relações de trocas de barricas que são acordos de dez anos! Uma peça emprestada para um produtor de Whisky na Escócia é trocada por uma antes usada para envelhecer o Scotch que confere um sabor diferenciado para o vinho. Uma década depois elas são destrocadas.
Pensar em relacionamentos nessa escala de tempo traz um nível de profundidade que pode ser bem vindo no mundo da tecnologia.
5 – Gestão de Pessoas
Imagine produzir milhares de litros de vinho com um time fixo de apenas cinco pessoas. A especialização pode fazer a diferença para a produtividade, certo? Luis prefere ter generalistas que sabem um pouco de tudo.
Rotacionando suas funções desenvolve diferentes habilidades no time e cria uma visão holística da produção e do produto. Além disso ele diminui a dependência de qualquer profissional individualmente, que pode ser um risco. O resultado é um time mais motivado e preparado, com mais senso de propriedade.
Em uma empresa de tecnologia, não é difícil imaginar o benefício de ter profissionais conhecendo mais sobre várias áreas da empresa por ter rodado por elas, não é?
6 – Focar nos Inputs
Em uma região que produz vinho há milhares de anos, parreiras centenárias oferecem uma combinação de uvas que é possível conhecer, mas não é praticável separar cada tipo durante a colheita.
Por isso os rótulos europeus costumam ter o percentual de composição de cada uva, mas não se identificam por uma ou outra.
Assim, para criar variações de sabor dos vinhos é necessário combinar a produção de partes diferentes da propriedade, além de manipular outros inputs, como o tempo de envelhecimento em barrica e as características da mesma. É sobre os inputs que se pode exercer mais controle para obter os outuputs desejados.
No mundo tech a Amazon é a empresa que mais pratica o foco nos inputs. Seu longevo sucesso demonstra a efetividade dessa estratégia. Pensar na analogia com os inputs de uma vinícola no entanto, me fez entender isso de um ângulo diferente.
Além de lições específicas, analogias como essa são de grande valor por trazer novas perspectivas de negócio.
Seja para reconhecer fundamentos imutáveis, seja para mudar a forma de pensar, é um exercício que vale muito a pena!
Fernando Taliberti é empreendedor, mentor, investidor, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, saúde mental, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital. Formado em Engenharia de Produção pela UFRJ, possui especialização em Product Growth Marketing pela Tera e mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.