* Por Sérgio Roque
Um executivo foi contratado para carimbar papéis. Era o último emprego do universo ou, pelo menos, ele achava que era.
Assim ele passava a maior parte do tempo da sua vida, pegava uma folha de papel e carimbava, às vezes mudava o papel, às vezes o carimbo, às vezes a cor da tinta, mas era sempre a mesma coisa.
No começo, empolgado com a oportunidade, ele carimbava com muita velocidade os papéis e por isso nem os lia, mas ninguém parecia se importar.
Ele era imaginativo! Sempre pensava em uma maneira de melhorar as coisas que fazia e o mundo a sua volta. Mas a pilha de papéis parecia aumentar a cada dia e não lhe deixava tempo para pensar em outras maneiras de melhorar seu trabalho. E ninguém parecia se importar com isso também.
Depois de certo tempo, ele carimbava automaticamente, sempre na mesma velocidade, sem ler nada, nem sentir a textura do papel ou o cheiro da tinta.
Um dia ele percebeu que os papéis eram infinitos, que ele poderia carimbar na velocidade da luz, dia e noite, e mesmo assim, eles nunca deixariam de vir à sua mesa.
E, naturalmente, seu trabalho entrou em uma velocidade de cruzeiro. Nunca veio alguém em sua mesa para lhe dar parabéns, contudo a pressão aumentava a cada dia por todos os caminhos possíveis.
Um dia recebeu um pombo correio, pois sua produtividade estava muito baixa. Era um aviso! E o aviso veio em forma de oportunidade.
A última chance da sua vida, pois aquele era o último emprego do mundo e era simples. Ou ele aumentava a produtividade para o dobro ou estava fora.
“Caraca o dobro? Como o dobro?” ele pensou, mas eles foram gentis e lhe deram dois assistentes carimbadores e toda uma série de aparelhos eletrônicos para controlar os assistentes e comunicar com seus superiores.
Ele se sentiu importante.
A pressão, porém, aumentou mais ainda. Às vezes ele sentia como se estivesse a 5000 metros de profundidade no mar, vestindo um escafandro e se movimentando com um enorme esforço.
Ele também sentia como se fosse o dono do tempo porque não via o dia passar de tão rápido, nem as estações porque não tinha janela, nem a vida daqueles que amava, pois eles cresciam e mudavam e ele também não tinha janela para isso.
Logo os dois assistentes viraram duzentos, mas ainda assim, ele não tinha tempo de pensar em como melhorar as coisas e também tinha coisas mais importantes para pensar, tais como sua saúde, que estava um caco, sua família, que desmoronava e seus amigos que sumiram etc.
Em um sábado, voltando do trabalho, o que não era raro, começou uma chuva torrencial e seus limpadores de pára-brisa não funcionaram. Ele parou o carro, viu um templo à sua frente e resolveu entrar para descansar. Estava cansado, isso era fato, e não poderia sair enquanto chovesse.
Depois que se sentou, deixou se relaxar, não tinha pressa mesmo. Sentiu os diversos aromas dos incensórios, os sons dos sinos e o sussurrar das orações. Contemplou todas as imagens, tocou a água abençoada na fonte e então ouviu a música mais maravilhosa que já havia ouvido. Ela lhe atingia cada vez mais profundamente.
Veio uma paz, paz de criança, e ele começou a se perguntar e, se perguntar. “Por que os papéis nunca acabavam?” “Por que tinham que ser carimbados?” “Por que mudava a tinta?” “Por que mudava o papel?” “Por que tinha que ser papel?” “Por que seus amigos sumiram?” “Por que o amor sumiu da sua família?” “Por que às vezes, se sentia tão vazio?” “Por que tudo tinha que ser tão depressa?”
Quando retornou ao trabalho notou que havia pessoas diferentes andando para lá e para cá carregando seus papéis carimbados, separando-os, dividindo-os em pilhas maiores e outras menores.
Aquilo não o incomodou, apesar de seus assistentes estarem aterrorizados. Aquelas pessoas trabalhavam em uma empresa contratada para fazer perguntas.
Perguntas. Eles já as tinha feito. E já tinha muitas respostas também.
Depois de algum tempo foi chamado por seu superior. Todos seriam dispensados, não haveria mais papel a ser carimbado. Um sistema foi programado e tudo agora seria automático.
Ele passou em sua mesa, pegou o carimbo de lembrança e foi para casa.
Ele estava pronto para tornar o mundo um lugar melhor e agora tinha tempo para isso.
Sergio Eduardo Roque é coach executivo e de vida com foco em processos de autoconhecimento na SerOQue Desenvolvendo Pessoas. Com formação em engenharia (FAAP) e marketing (ESPM) atua há mais de 25 anos no mercado como executivo e empreendedor.