* Por Anna Maria Buccino
Houve um tempo em que as pessoas não podiam rir no ambiente de trabalho, sonhar, planejar ou até chorar. Não podiam se emocionar, nem mesmo criar. Um tempo em que o ser humano era, muitas vezes, levado a agir como autômato, à base do comando e controle.
Era um tempo em que demonstrar emoções poderia ser considerado um sinônimo de fraqueza. Um tempo em que as pessoas não podiam se expressar autenticamente, onde tinha até um jargão: “Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha”, o que, analisando bem, faz sentido, não pensando no animal burro; mas pensando como o modelo de trabalho era direcionado para o não uso do intelecto, incentivando os funcionários a somente existir e cumprir o programado, ao invés de estimular o aprendizado, o desenvolvimento, a colaboração.
O curioso é que ao passo em que a tecnologia avança, se torna mais necessário deixarmos esse formato operacional, meio máquina, de lado e fazer com que floresça nossa humanidade. A conexão com nossa inteligência, com nossos talentos, com nossas habilidades, precisa avançar na mesma medida.
Se, por um lado, as máquinas estão ocupando um espaço cada vez maior no cotidiano das organizações, por outro, surgem oportunidades para que os seres humanos possam exercer todo o seu potencial.
Surge, desse modo, a necessidade das organizações realizarem transformações em prol da humanização no ambiente de trabalho. Um movimento necessário que pode colaborar para que o mundo corporativo trilhe um novo caminho de renovação constante. Sim, o uso da tecnologia traz enormes vantagens competitivas, mas a humanização corporativa traz a inspiração e a criatividade necessárias para que a inovação aconteça.
No livro Humanocracia: Criando organizações tão incríveis quanto as pessoas que as formam, os autores Gary Hamel e Michele Zanini abordam como as organizações focadas na maximização do potencial humano estão construindo, ou reconstruindo, seus negócios, de modo a se tornarem grandes e eficientes, estimulando o aprendizado, o crescimento e a contribuição e desenvolvendo colaboradores com foco no cliente, com visão e atitude empreendedora.
Assim, os temas que antes eram tabus nas organizações, como a felicidade, por exemplo, começam a ocupar um espaço importante na agenda da liderança. Hoje, já existe até uma função específica para gerenciar projetos de felicidade: Chief Happiness Officer (CHO), ou Diretoria da Felicidade, em português, com o objetivo de desenvolver programas específicos, que resultem em ambientes saudáveis, colaborativos; que elevem o índice de bem-estar dos colaboradores e levem ao aumento da criatividade, da produtividade e dos resultados sustentáveis.
Empresas como Heineken, Google, Salesforce e Microsoft são algumas que já possuem uma diretoria para a felicidade, porém ainda há muito o que se realizar em tantas organizações do Brasil e do mundo.
O tempo pede urgência nas ações uma vez que, com a velocidade das transformações e o crescimento de doenças psicológicas relacionadas ao ambiente de trabalho como burnout e depressão, além de movimentos como a “grande resignação”, não há como deixar de dar o foco necessário ao tema.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com maior índice de pessoas com ansiedade no mundo e o quinto país com maior incidência de casos de depressão. Quando o assunto é burnout, de acordo com a International Stress Management Association (ISMA), o Brasil ocupa a segunda posição.
De acordo com publicação no site da Associação Médica Brasileira, os temas estão ganhando maior visibilidade e maiores debates, porém pouco é efetivamente realizado para tratar os transtornos que podem trazer riscos tanto ao país e à vida dos cidadãos quanto à produtividade das organizações. Ainda de acordo com a AMB, o Relatório Mundial da Felicidade, elaborado anualmente pelo Instituto Gallup em parceria com a ONU, indica uma piora da saúde mental brasileira.
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Mas como é possível iniciar esse movimento dentro de uma organização? Por onde começar?
Mesmo a organização que ainda não possui uma pessoa específica para desenvolver projetos de felicidade, existem consultorias e profissionais especializados que podem colaborar nessa construção. Um exemplo é o projeto “Felicidade nas Organizações”, que elaborei em parceria com a Vetor Editora Serviços, que é desenvolvido e customizado a partir de um diagnóstico organizacional e contempla palestras, workshops, práticas e intervenções, tendo como base os conceitos da Psicologia Positiva.
O programa é apoiado por seis pilares, inspirados no modelo PERMA de Martin Seligman, onde o “P” se refere às Emoções Positivas (Positive Emotion), o “E” ao Engajamento (Engajament), o “R” aos Relacionamentos Positivos (Relationships), o “M” ao Sentido (Meaning) e o “A” a Realização (Accomplishment), e, também, incluímos o “V” que refere-se à Vitalidade (Vitality).
O programa tem como objetivo promover as qualidades psicológicas positivas da autoeficácia, otimismo, esperança e resiliência, colaborando para elevar os índices de bem-estar, felicidade e crescimento sustentável nas organizações; trazendo a visão sobre como as pessoas e a empresa podem realizar ações significativas que transformam o ambiente organizacional em um espaço de colaboração, participação e inovação.
A felicidade não é algo que acontece como mágica, somente com a força do pensamento positivo; demanda atitude deliberada, tempo, paciência, disciplina, foco. E, antes de tudo, é preciso iniciativa, definir o que é felicidade para cada organização, para cada indivíduo e agir em prol dessa construção.
Afinal, conforme Gary Hamel e Michele Zanini, “Somos definidos pelas causas que servimos. A nossa identidade descobre-se nos desafios que abraçamos. Por mais modestos que sejam nossos meios e finitas nossas capacidades, podemos nos presentear com a alegria de uma nobre busca. Felizmente, há muitos problemas dignos de serem resolvidos.”
Anna Maria Buccino é consultora organizacional e gerente das áreas comercial e de serviços na Vetor Editora Psicopedagógica
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