*Por Lilian Natal
O termo Ambidestria está no hype. Embora tenha ganhado notoriedade em 2004, após a publicação de papers como o “Building Ambidexterity Into an Organization”, do MIT Sloan Management Review, ele foi cunhado pela primeira vez no contexto organizacional em 1976 por Robert Duncan, descrevendo a capacidade das organizações de serem eficientes em suas operações atuais enquanto exploram novas oportunidades. Mais tarde, o conceito foi expandido por James March em “Exploration and Exploitation in Organizational Learning”, publicado em 1991, destacando a importância dessa habilidade para a adaptação contínua em um ambiente de negócios dinâmico e para as empresas se manterem competitivas a longo prazo.
Trata-se, basicamente, de cuidar do negócio e da estrutura atual da organização enquanto também trabalha na busca e experimentação de novos negócios que podem emergir naquela empresa. É uma questão de sobrevivência da empresa no médio e longo prazos.
Com o perdão do trocadilho, dado o título desse artigo, mas parece MÚSICA para os ouvidos de empreendedores, empresários e CEOs, certo? Mas será que a maioria das companhias está conseguindo progredir nesse conceito e, mesmo em um ambiente de crise econômica, ele tem se mantido entre as prioridades estratégicas?
No atual cenário global de negócios, a inovação e a transformação digital não são apenas palavras da moda, mas imperativos estratégicos para manter uma empresa viva. A ambidestria corporativa – ou seja, fazer o core atual funcionar enquanto fortalece a experimentação e a inovação – emerge como um fator crucial para ter um negócio perene.
Mas o que isso tem a ver com a Anitta? Bom, outro dia, um streaming de música que comecei a usar recentemente me sugeriu um novo single da artista. Claramente ele ainda não conhece meus gostos o suficiente para fortalecer seu algoritmo – e não que eu não goste dela, acho divertido ouvir em festas e no carnaval, só não é meu estilo do dia a dia. Porém me despertou para analisar o que a cantora estaria produzindo agora, já que ela já havia internacionalizado a carreira, vinha cantando em inglês e espanhol e tinha em boa medida migrado para o pop, flertado com o reggaeton e outros estilos. E qual foi a minha surpresa quando vi que ela estava fazendo uma nova turnê com o nome “Baile Funk Experience”? Ou seja, voltando às origens.
Parei para refletir que o notável gerenciamento dos seus negócios pode ser um exemplo interessante do conceito de Ambidestria, já que ela equilibra o lançamento de músicas de funk, seu estilo consagrado e que consolidou sua carreira, com experimentações em outros gêneros, desta forma reciclando o próprio portfólio para abastecer seu público fiel e, ao mesmo tempo, alcançando outros públicos e mercados. Nessa jornada, que começou com o primeiro contrato em 2010, lá se vão 14 anos de negócios bem-sucedidos e que estão longe de começar o declínio – vide sua recente turnê internacional pela Europa e EUA com shows absolutamente lotados, apresentações em festivais gringos como o Coachella, parcerias com cantores internacionais renomados e recordes conquistados há pouco tempo em streamings de música e vídeo.
Quantos cantores brasileiros – sobretudo em gêneros populares – tiveram esse tamanho de alcance nacional e internacionalmente, mantendo o nível de sucesso muito alto sem declínio por tanto tempo?
Assim como empresas ambidestras – que não perdem de vista suas operações principais otimizando processos, melhorando a eficiência e maximizando os resultados das unidades de negócios existentes enquanto investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D), exploram novos mercados, conectam-se com startups e adotam tecnologias emergentes – da mesma forma, Anitta tem essa versatilidade na sua estratégia. Possivelmente tem na equipe de sua empresa pessoas pensando com ela no presente, focando na vaca leiteira do core business, juntamente com a colaboração de alguma espécie de “gestor(a) de inovação e P&D”, olhando para tendências, procurando boas ideias, buscando oportunidades e experimentações que possam agregar e tornar seu negócio longevo – e quem sabe até future-proof.
Fico pensando se ela também faz lá com o time o exercício de olhar para futuros emergentes e pós-emergentes, buscar padrões e tendências de consumo das próximas gerações e disrupções em outras áreas para abastecer seu funil com iniciativas nos três horizontes de inovação: H1, H2 e H3. De alguma maneira, parece que sim, já que até se tornou sócia de uma fintech, o Nubank, no modelo media for equity, e também investiu na Fazenda do Futuro. Seria uma espécie de CVC (Corporate Venture Capital) atuando em H2 e H3? Será que vem aí um Hambúrguer Vegano das Poderosas ou uma nova Not Meat From Rio? Desculpe pelo irresistível jogo de palavras.
Não sei se o processo lá é tão formal, mas o que vale é aprender com o bom exemplo. Muitas empresas brasileiras ainda lutam com estruturas organizacionais rígidas, hierarquias conservadoras e culturas corporativas que dificultam a implementação de inovações. Quando comparado ao cenário global, o Brasil apresenta um desempenho em termos de inovação corporativa que merece melhorar bastante. De acordo com o Global Innovation Index 2023, o país ocupa a 57ª posição entre 132 países. Isso o coloca à frente de outras economias emergentes, mas ainda distante dos líderes globais em inovação. Alguns setores se destacam mais em território brasileiro – não à toa, um deles é o de mídia e entretenimento.
Aliás, como Anitta já faz, a colaboração internacional é uma área onde o Brasil tem potencial para crescer. Parcerias com empresas estrangeiras, universidades e centros de pesquisa podem trazer novas perspectivas e tecnologias que acelerem a inovação.
Outro aspecto crucial é o investimento em novas tecnologias, trazendo por exemplo, equipes híbridas que possam trabalhar a inteligência individual e social juntamente com a inteligência artificial, formando o que chamamos de inteligência digital.
Por fim, a gestão do talento é outro aspecto crucial – e não é segredo para ninguém que a Anitta investe em buscar os melhores profissionais e também em treinar bastante seu time. A ambidestria requer uma força de trabalho que seja tanto especializada quanto adaptável. Da mesma forma, as empresas brasileiras precisam ter programas de desenvolvimento de talentos que incentivem a aprendizagem contínua, melhoria constante e a adaptabilidade, além de hard skills relacionadas às novas tecnologias.
O futuro da ambidestria no Brasil parece promissor, mas depende da capacidade das empresas de superar as barreiras culturais, tecnológicas e estratégicas. A adoção de uma mentalidade de inovação contínua, investimentos em tecnologia e o desenvolvimento de talentos adaptáveis são os pilares para alcançar essa meta.
Empresas que conseguem equilibrar a exploração de novas oportunidades com a otimização de suas operações existentes estarão melhor posicionadas para prosperar em um ambiente de negócios cada vez mais competitivo e em rápida mudança. A jornada para a ambidestria é desafiadora, assim como a manutenção da carreira de um artista mainstream, mas com as estratégias certas, as empresas brasileiras podem liderar o caminho da eficiência e da inovação.
*Lilian Natal é executiva com mais de 20 anos de experiência entre as áreas de Gestão de Marketing, Inovação Corporativa, Negócios, Growth, Startups, Produto e Venture Capital, com passagens por empresas de Investimentos, Open Innovation, Startups e ainda setores como Turismo & Eventos, Varejo e Educação.
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