Artigo de Márcio Cyrillo, diretor executivo da CI&T
Há cerca de um ano e meio, eu estava para lá de animado com o aplicativo Siri e as possibilidades que a Apple poderia explorar com esse assistente pessoal. Escrevi um artigo em que argumentava como o Siri passou a ter uma abordagem mais pessoal e, por isso, poderia se envolver e aprender mais do que nunca sobre o usuário.
Até me arrisquei a dizer que os serviços de busca poderiam mudar com um serviço como o Siri; e que o software poderia aprender sobre você de uma forma única e, em seguida, começaria a antecipar resultados que fossem mais relevantes.
Lembro-me claramente de uma noite, em que o Siri me surpreendeu de uma forma sem precedentes. Eu estava acostumado a pedir-lhe para me acordar de manhã. Eu me sentia melhor, psicologicamente, ao dizer “me acorde às 7 horas” em vez de acionar manualmente o aplicativo de alarme.
Uma noite, estava indo para a cama bem mais tarde que de costume e proferi a mesma ordem. Para minha surpresa, ela acrescentou à mensagem padrão a frase: “não se preocupe, não vou esquecer”. Não é essa a mensagem tranquilizadora que você quer ouvir quando tem medo que o alarme não funcione e você perca a hora por causa da curta noite de sono? Achei que era um toque incrível, um sinal de que alguma camada de inteligência estava, de fato, sendo adicionada ao Siri.
Mas, infelizmente, esse foi o único momento de felicidade no meu relacionamento com o Siri.
Continuo a usar o serviço de vez em quando, mas na maioria das vezes, fico irritado com a demora do aplicativo em simplesmente entender o que estou dizendo. Uma gravação da minha voz precisa chegar até à nuvem para ser traduzida para texto antes que o Siri me responda. O software também não aprendeu até mesmo uma única coisa sobre mim ou minha personalidade. Em geral, parece que suas habilidades só crescem quando a Apple decide que é hora de fazer isso.
Uma noite, em Nova York, eu estava fazendo as malas para uma viagem ao Brasil e perguntei ao Siri como estava o tempo em São Paulo. Para meu espanto, ela respondeu: “Aqui está o tempo em Brasília, Brasil, na quarta-feira da próxima semana.” Bem, Brasília fica mais de mil quilômetros distante de São Paulo, e seu clima é tão diferente que poderíamos até dizer que se trata de outro país.
Então, decidi testar o novo mecanismo de pesquisa por voz do Google com a mesma pergunta.
“Ok Google, como está o tempo em São Paulo?” – Consegui ver as palavras sendo interpretadas pelo Google da maneira como eu falei, o que é ótimo. Um instante depois, eu ouvi de volta:
“Aqui está a previsão do tempo para São Paulo, Brasil, para a noite de domingo.” Ou seja, o software sabe que eu estou viajando no voo da manhã e que vou chegar à noite? Igualmente impressionante, o Google usou um serviço da web para corrigir o que havia entendido errado da minha pergunta para uma frase que fazia completo sentido. O Siri geralmente pede desculpas por não conseguir entender o que eu disse.
A melhor resposta do Google para o Siri veio na forma de um serviço móvel chamado “Google Now”, que tem uma versão iOS e, claro, outra mais poderosa do Android. Ambas as versões podem proporcionar uma busca por conversação mais significativa como a que me referi acima.
Enquanto a Apple ainda faz um melhor trabalho posicionando o Siri como um assistente pessoal, o Google Now parece considerar o contexto com muito mais propriedade do que o Siri. Por exemplo, há alguns dias, eu estava na minha sala com a TV ligada quando eu chequei o Google Now em meu novo telefone Android. Na tela apareceu um cartão com a pergunta: “Você está assistindo TV ao vivo?” Com essa funcionalidade, o Google Now poderia me apresentar mais informações sobre o programa que eu estava assistindo, apenas ouvindo a TV por alguns segundos.
Porém, quando tentei mostrar esse recurso para um amigo que me visitou durante o dia, ele não funcionou. Mas continuava a trabalhar à noite. Sei que o Google pode detectar se a minha TV está conectada à mesma rede Wi-Fi que o meu telefone, mas o Google agora está considerando também o fato de que eu não costumo assistir TV durante o dia? Eu acho possível.
Outro exemplo de contexto e aprendizagem aconteceu na manhã do meu último voo para o Brasil. Depois de várias viagens, o Google Now “sabe” que eu costumo pegar o trem para o aeroporto, e me enviou uma notificação sobre a hora em que deveria seguir para o Aeroporto JFK de Nova York, considerando os horários das linhas de trem que ficam próximas de onde eu estava. O assistente pessoal do Google também me mantém informado até sobre mudanças de portão de embarque, antes mesmo da American Airlines.
Google Now é definitivamente uma ótima resposta ao Siri. Até mesmo a abordagem impessoal encontrada nas versões anteriores do Google Voice Search mudou com comandos como “OK Google”, “OK Google Now” ou “OK Glass”. Google, Glass e outras “entidades” vão se tornar nossos assistentes pessoais do jeito que imaginamos que o Siri seria.
Entre as principais vantagens competitivas do Google está a evolução de seus serviços em nuvem, que estão progredindo muito mais rapidamente do que os de seus concorrentes. Além disso, o Google está adicionando camadas de inteligência para a maioria de seus serviços que podem utilizar padrões encontrados nos comportamentos das pessoas.
Seja qual for o futuro dos assistentes digitais, está claro que o software deve compreender o contexto, ser supersensível e, o mais importante, ser capaz de aprender mais sobre o usuário. Se a Apple não munir o Siri com um verdadeiro cérebro digital, o serviço em breve se tornará uma piada quando comparado com as melhorias significativas do Google Now.
Mal posso esperar para ver o que vem a seguir, quando a Apple resolver sanar as deficiências do Siri e o Google continuar melhorando os algoritmos do seu mecanismo de busca. A camada de inteligência foi o ponto mais significativo de minha experiência com os assistentes pessoais. Como todas as relações centradas no ser humano, vamos continuar a cair de amor pelos assistentes pessoais da Apple ou do Google à medida que encontrarem novas maneiras de se conectar conosco em um nível pessoal e emocional.
Conexões emocionais se tornam mais fortes ao passo que se conhecem mais e convivem mais tempo com o outro. Talvez o caso de amor seja mais avassalador se eles continuarem a encontrar novas maneiras de nos surpreender. Ok Google Now, você me conquistou.
Artigo de Márcio Cyrillo, diretor executivo da CI&T, sediado nos EUA.