* Por Paula Mendes
Chegou o dia de receber minha variável. Ao invés de ficar feliz, fiquei revoltada. (Até aí sem novidades no mercado financeiro – reino em que sua remuneração é sempre baixa o suficiente para não pagar pela sua performance, mas alta o suficiente para te pagar melhor que o resto do mundo.). Qual foi o problema então? Eu tinha a melhor nota do meu cargo na área, mas meu bônus foi bem inferior ao do meu colega homem. Quando reclamei a primeira vez ouvi: “mas Paula, ele depende desse salário e você não.” Se o banco fosse um programa de redistribuição de renda, eu não discutiria, mas teoricamente era uma instituição capitalista e meritocrática. Pois bem, fui ouvida. Quando fui receber a diferença do que me era devido, o chefe da área me disse: “pronto, agora você pode comprar mais duas bolsas.”
Fast-forward, o dia do primeiro pitch que fiz na vida. Foi péssimo, pitch não tinha começo, nem meio, nem fim. Financials malucos, visão inconsistente, inexistência de roadmap de produto. Eu nem sabia que o ponto mais importante deveria ser mapear uma dor e sugerir uma solução (risos). Obviamente, fomos esculachados – quem empreende sabe que isso é normal e necessário para o progresso. Nesse caso o esculacho tinha sido, além de tudo, merecido. Mas o que não foi legal é que depois de uma hora falando das nossas ideias, nosso trabalho, nosso esforço, a primeira pergunta para mim e para o meu sócio foi: “vocês são namorados?”. Na hora, fiquei em choque e meu primeiro instinto foi pensar que eu era tão ruim que o único motivo para eu estar lá era ser acessório do meu sócio homem. Mas depois pensei “será que essa pergunta teria surgido se fossem dois homens apresentando?”
Por que estou falando disso?
Os relatos como esse são muitos, e a discussão muitas vezes acaba em briga. Eu estou bem cansada de brigas entre pessoas que defendem os direitos das mulheres versus pessoas que continuam defendendo o status quo, como imagino que muitos também estejam.
Eu nunca tinha tido coragem ou vontade de falar sobre isso em público. Mas precisamos normalizar essas verdades para mudar a forma como falamos do machismo e finalmente caminhar para a solução do problema.
Eu acredito que dar voz a essas verdades de forma clara, objetiva e não agressiva é importante, não por que me coloca em posição de vítima, mas por que me dá poder de agência na discussão. Eu acredito que mostrar as vulnerabilidades humaniza a posição do locutor, e pode ser o primeiro dominó a cair numa fila imensa de várias verdades difíceis que podem ser ditas sem agressão.
Minha expectativa é que através da minha verdade eu consiga mostrar que sou uma feminista aberta ao verdadeiro diálogo, pois só ele traz progresso. Um diálogo onde aqueles que defendem os direitos das mulheres ouvem e tem paciência com aqueles que defendem o status quo, pois uma cultura de milênios (mesmo que errada) não se muda do dia para a noite. Um diálogo onde aqueles que defendem o status quo de fato se mostrem disponíveis para ouvir os que defendem o direito das mulheres. Pode não ser confortável para vocês agora, mas, como podem ver, não é confortável para nós há muito mais tempo. Por favor, conversem com a gente.
Paula Mendes Caldeira é cofundadora e CFO da Plugify, startup brasileira de HaaS – Hardware as a Service que simplifica TI para empresas. Com 30 anos, a executiva já ocupou posições de destaque em bancos de investimentos, como BTG Pactual, Merrill Lynch e Moelis.