Na última segunda-feira, o Presidente da República Jair Bolsonaro, assinou o Projeto de Lei Complementar 249/2020, que institui o Marco Legal das Startups. O projeto, aguardado há muito tempo pelo ecossistema, cria definições e regras que diferenciam as startups das pequenas empresas tradicionais, de forma a torná-las mais competitivas globalmente.
Além disso, o documento, que agora segue para aprovação no Congresso Nacional, traz pontos importantes para o setor como: o reconhecimento de startups como um modelo de negócio, fomento à pesquisa e contratações experimentais de soluções, regulação de compras públicas e licitações entre governos e startups, desburocratização de investimentos e o reconhecimento do investidor-anjo.
Entretanto, alguns pontos ficaram de fora, como:
– Equiparação de tratamento tributário no investimento em startups e políticas de estímulo;
– Questões trabalhistas, como a validação de contratos de opções de participação de ações, os stock-options, de forma que não sejam tributadas na sua concessão, somente no eventual ganho de capital;
– Possibilidade de enquadramento das Sociedades Anônimas (S/As) no Simples Nacional.
A Associação Brasileira de Startups (Abstartups) e outras organizações que representam o setor, como o Dínamo e Asteps, estiveram presentes nas reuniões e discussões do Marco, assim como membros do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Ministério da Economia (ME). Nos encontros, foram debatidas as propostas para o documento em quatro eixos principais: ambiente de negócios, facilitação de investimentos, compras públicas e relações de trabalho.
Para debater algumas questões do projeto, o Startupi convidou alguns especialistas do mercado. Confira!
Cássio Spina – Anjos do Brasil
Para o fundador da Anjos do Brasil, entidade criada para fomentar o investimento-anjo e apoiar o empreendedorismo de inovação brasileiro, o Marco Legal das Startups pode ser um importante instrumento para a aceleração do crescimento do ecossistema de inovação brasileiro, desde que ele crie condições e estímulos para que elas tenham os recursos humanos e financeiros necessários para seu desenvolvimento.
“Apesar dos avanços que tivemos no ecossistema de startups nos últimos anos, ainda estamos muito atrás do que deveríamos estar quando comparamos com as economias mais desenvolvidas e se não tomarmos medidas rapidamente e efetivas, perderemos uma grande oportunidade, agora que a SELIC está em seu menor patamar histórico”.
Logo depois da assinatura do projeto, uma carta de posicionamento feita pela Anjos do Brasil e assinada por mais de 20 organizações do ecossistema, dentre elas o Startupi, reforçou os pontos principais que devem ser revistos e, portanto, incluídos na lei. “Estamos articulando junto ao Congresso Nacional, em especial com o Deputado Vinicius Poit (NOVO-SP), relator do projeto de lei, para que os pontos sejam incluídos no projeto, pois entendemos serem essenciais para que tenhamos resultados efetivos”.
Marco Poli – ClosedGap
Para o investidor e CEO da ClosedGap, o projeto é extremamente bem-vindo e tem diversos efeitos positivos para o ecossistema de startups e do investimento inovador, apesar de que ainda há muito a ser feito. “Essa proposta de legislação vem como uma sinalização muito positiva de que o governo e o congresso finalmente começaram a se sensibilizar com o empreendedor e com as startups, mas ainda falta muito para colocar o Brasil na média internacional, o que é por si só um objetivo pequeno, já que deveríamos focar em chegar no topo do empreendedorismo mundial”.
Poli comentou sobre um dos pontos que ficaram de fora da PL, a alteração na face tributária do Simples Nacional. O texto, por sua vez, mexeu no Inova Simples, que já é lei em vigência, criado pela Lei Complementar 167/2019 e incorporado à Lei das Pequenas e Médias Empresas, que visa unicamente à facilidade para abertura de novas empresas, não tratando de temas tributários.
“A grande demanda – não atendida no texto – hoje em relação ao tópico Simples Nacional é a possibilidade de Sociedades Anônimas poderem optar por esse modelo tributário, já que as SAS são um veículo muito superior aos outros (apesar de ainda serem péssimos e inadequados) para se constituir e conduzir uma startup. Infelizmente, continuam excluídas”.
O projeto também criou a possibilidade de reduzir os requisitos de regulação para o desenvolvimento e teste de novos modelos de negócios, o chamado sandbox regulatório. Segundo Poli, isso já é praticado por alguns agentes de regulação, e os resultados dependem muito do empenho e da abrangência desses programas. “O texto do projeto é educacional, ao menos, em indicar que aqueles que já fazem estão certos em fazer, e os que não fazem, deveriam pelo menos avaliar. O texto não obriga nenhum dos incontáveis órgãos de regulação de mercado a implementar nada nesse sentido, infelizmente”.
Enquanto o sandbox permitirá às empresas começarem a operar em um mercado regulado com exigências reduzidas, por outro lado, Poli chama a atenção para a contratação pública, isto é, a capacidade de o Estado comprar soluções de startups. Segundo ele, menos de 80% dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) possuem algum tipo de previsão legal para compras inovadoras pelos entes públicos, algo que o Brasil nunca teve.
“Nossa legislação de compras públicas é disfuncional, não atinge seus objetivos, e mais uma vez fere de forma mortal a competição das startups, que quase nunca conseguem passar das barreiras, dos requisitos e das exigências da legislação. E, quando passam, param nas garantias. Uma excelente iniciativa, ainda carecendo de abrangência, mas um excelente primeiro passo”.
José Muritiba – Abstartups
Segundo o diretor executivo da Abstartups, o projeto de lei (PL) do Marco Legal das Startups é um documento importante para o segmento de inovação. “Vai definir uma regulamentação para o setor, contemplando um passo importante de personalidade jurídica, ditando regras e próximos passos, promovendo um maior incentivo para novos negócios e parcerias”.
Além disso, de acordo com Muritiba, o documento vai beneficiar diversos setores do ecossistema, não só as startups. “Como trabalhamos com quatro eixos, vão ser definidas algumas diretrizes fundamentais, como por exemplo: quais as funções de um investidor-anjo e qual papel ele pode desenvolver dentro da empresa investida, como tributar os ganhos de uma startup, qual será a relação de trabalho estabelecida com os colabores e as regras para uma sociedade. Além de tudo, o documento dará poder, reconhecimento, validação do mercado, e em consequência, autonomia para o setor”.
José também chamou a atenção para os pontos que não entraram na proposta, o que, de acordo com ele, seriam bastante favoráveis ao ecossistema. “Avançamos muito com o documento, mas alguns pontos de atenção que estavam nas discussões iniciais e que acabaram ficando de fora do PL foram os tópicos trabalhistas e tributários, que iriam favorecer ainda mais empreendedores e consequentemente, o setor”.
Para o Diretor, com um Marco Legal aprovado, será possível conseguir ter mais poder, reconhecimento, validação do mercado e, em consequência, autonomia. “Já temos exemplos disso em diversos países da América Latina e Europa, como Itália, Reino Unido e Argentina”.
Pedro Ramos e Juan Acosta – Baptista Luz Advogados
O Partner da Baptista Luz Advogados, Pedro Ramos, elencou o que segundo ele, sejam os principais benefícios do Marco Legal, como a facilitação de acesso a licitações, o incentivo a maiores investimentos de empresas em startups e a possibilidade de criar sandboxes em setores regulados. “A grande qualidade do Marco é uma lei complementar que reconhece a importância do empreendedorismo tecnológico para o desenvolvimento e estabelece princípios e diretrizes que devem ser levadas em conta por outras iniciativas regulatórias, seja do governo federal, seja dos Estados e Municípios”.
Ainda sobre a questão do sandboxes, Juan Acosta, Public law & Compliance da Baptista Luz Advogados, apontou que um debate importante para o funcionamento dessa medida envolve a sua natureza jurídica. “É um direito do empreendedor se valer de um ambiente experimental regulatório, de forma automática, ou é uma faculdade do órgão regulador em criar este ambiente e permitir a atuação dentro dele? A proposta gira em torno do último. Para o funcionamento e estímulo à inovação, parece-nos que a melhor opção seria estabelecer como direito de todo empreendedor se valer de um ambiente regulatório experimental, preenchidos determinados critérios de segurança para a saúde pública e o meio ambiente”.
O PL também considera as startups como empresas com modelos de negócio inovadores, que tenham até 6 anos de constituição e R$ 16 milhões de faturamento anual. Entretanto, conforme Pedro, nada deve mudar em relação aos termos atuais. “Agora, as empresas que se enquadram nessa definição podem usufruir dos benefícios da lei e de outras legislações”.
O Marco Legal também vai gerar uma mudança para os agentes do ecossistema, como aceleradoras, investidores e fundos de investimentos, o que de acordo com Ramos, é uma boa notícia. “A possibilidade de empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou delegações firmadas por meio de agências reguladoras, ficarão autorizadas a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de fundos. Ou seja, muito dinheiro que hoje vai para P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] pode começar a ir também para investimento em startups”, apontou.
Por fim, Pedro ressaltou que o fato de o governo, a partir de agora, também ter a permissão de contratar serviços de startups por meio de editais de licitação simplificados e específicos, “vai atrair bastante interesse de administrações”. Já em relação à fiscalização efetiva do cumprimento da lei, quando aprovada, o Partner declara que não há clareza ainda de como isso irá funcionar. “É possível que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha um papel importante”, finalizou.