*Por Karina Almeida
O Brasil está testemunhando o crescimento acelerado do ecossistema de scale-ups. Isso se deve, em grande medida, à dissociação entre capital e geografia, lógica vigente durante décadas e que concentrou investimentos de venture capital em países como os Estados Unidos, por exemplo. Para compreender os movimentos realizados pelos grandes investidores, é preciso analisar o cenário de maneira global: em 20 anos o uso de capital de risco para impulsionar empresas fora do país norte-americano passou de 20% para 62%.
A percepção do mercado sobre as iniciativas inovadoras tem levado capital para regiões vistas anteriormente como menos interessantes, como é o caso da América Latina, Sudeste Asiático e Oriente Médio. Esse comportamento é fruto do entendimento do potencial de crescimento das empresas em mercados ainda pouco atendidos e explorados. Na América Latina, desde 2016 esse tipo de investimento dobra de tamanho anualmente. Apenas no Brasil, em 2020, foram US$ 3,5 bilhões para estimular o desenvolvimento de scale-ups, segundo dados do Distrito.
O mercado de venture capital tem identificado em países emergentes oportunidades de investimento, principalmente, em setores como educação e serviços financeiros. Essas brechas foram expostas com o avanço da pandemia e chamam a atenção de investidores pela possibilidade de crescimento. A chegada desses fundos globais em regiões em pleno desenvolvimento tecnológico provoca alto impacto na digitalização da população e um aquecimento econômico mais capilarizado do que era possível perceber até os últimos anos.
Nesse cenário o Brasil se destaca novamente. Apesar das incertezas que rondam a política e economia nacional, o país é um farol para a América Latina. Com um setor tecnológico mais maduro e robusto, surgem daqui empresas com capacidade de fazerem frente ao mercado internacional e competirem globalmente. É o caso da Méliuz, empresa de Belo Horizonte que realizou IPO no ano passado e, desde então, registrou crescimento superior a 150%.
Porém, mesmo que os ventos soprem favoravelmente, é preciso destacar que a disparidade no volume de investimentos ainda é aguda. Enquanto os investimentos de venture capital no Brasil chegam a apenas 0,12%, se comparado com o Produto Interno Bruto (PIB), nos Estados Unidos esse montante é de 0,6%. Em que pese a diferença inegável da presença desses investimentos nos dois países, é preciso um olhar otimista para reconhecer o quanto ainda podemos crescer.
É justamente essa expectativa de desenvolvimento acelerado de startups e scale-ups, somada à demanda do mercado e à chegada de grandes investimentos, que tem motivado um ambiente competitivo no setor. Com isso, esses negócios têm atingido em tempo reduzido um crescimento que antes levaria décadas. Prova disso é a eclosão de unicórnios, empresas de tecnologia avaliadas em US$ 1 bilhão. Atualmente são mais de 500 negócios desse porte ao redor do mundo, 16 deles no Brasil. Além disso, a abertura de capital de startups na Bolsa de Valores vem aumentando. No último ano, 28 empresas fizeram ofertas iniciais e outras 40 aguardam uma oportunidade em 2021. A expansão do número de organizações listadas atrai novos investidores e amplia as opções de acesso a capital.
O impulsionamento financeiro permite que as scale-ups, empresas maduras, de alto crescimento e com modelo de negócios validados pelo mercado, contratem funcionários e invistam em estratégias de inovação e internacionalização que permitirão seu crescimento e, acima de tudo, abrirão caminhos para que novas companhias possam trilhar uma trajetória de sucesso.
Esse efeito multiplicador beneficia a sociedade com o surgimento de soluções inovadoras para os principais problemas de governos e pessoas e estímulo para economias em desenvolvimento, com a geração de milhares de empregos e fortalecimento dessas empresas. Sendo assim, precisamos estar atentos para que o acesso a capital seja ampliado e se torne mais acessível aos empreendedores e em escala nacional. Isso porque, tendo em vista as dimensões de um país como o Brasil, por exemplo, há a tendência desse capital ser concentrado em determinadas regiões, formando bolsões de desenvolvimento, em contraste com regiões de enorme potencial, mas sem acesso a capital para prosperarem. Este é um grande desafio.
Outro desafio é o fato de o ecossistema de venture capital ainda ser de difícil compreensão. Empreendedores e empreendedoras muitas vezes não sabem como acessar fundos de investimento, quais são os critérios para receber um investimento e quais são os mecanismos de governança necessários para essa sociedade. A baixa compreensão desse ecossistema dificulta o acesso a capital pelas scale-ups e aumenta as chances de erros, traduzidas em diluição excessiva e problemas de governança, em especial em suas fases iniciais e de expansão, o que compromete seu crescimento de longo prazo.
Há ainda um longo caminho pela frente, mas que se mostra completamente possível de ser percorrido com investimentos constantes e saudáveis, apoio aos empreendedores e construção de um ambiente propício ao desenvolvimento de soluções e compartilhamento de conhecimento.
*Karina Almeida é coordenadora de Advocacy e especialista em acesso a capital na Endeavor Brasil.