*Por Pierre Schurmann
Venture Capital: “Ato de esperar se tornou uma virtude, quem diria”. Pierre Schurmann descreve essa tendência.
Tem uma frase do lendário Charlie Munger, parceiro de negócios de longa data de Warren Buffett, segundo a qual “o dinheiro de verdade não está na compra ou na venda, está na espera”. Mas o ato de esperar, quem diria, nessa nossa esfera conectada via redes de última geração, se tornou uma virtude. Vivemos a “um clique” de distância de tudo; não há como simplesmente pressionar um botão para desativar essa tendência.
No universo dos investimentos, essa inclinação fica evidente. Um estudo interessante feito pela Reuters nos EUA analisou dados históricos da NYSE, a Bolsa de Valores de Nova York, e detectou que os investidores em 2020 seguraram suas ações por uma média de 5,5 meses contra 8,5 meses em 2019. O levantamento fez uma série de comparações com outros momentos da história. Imagine você que esse tempo em 1950, por exemplo, era de 8 anos, e passou a 5 anos em 1970.
A transformação digital facilitou aos investidores deixar fluir seus ímpetos muito facilmente, impulsionados por plataformas de negociação cada vez mais arrojadas e tecnologias como a inteligência artificial encurtando o processo de decisão. Antes de elas existirem, comprar ou vender qualquer ativo demandava altíssima energia.
Nessa levada, a mentalidade do investidor sofreu uma profunda transformação. Esse perfil impulsivo, que favorece uma dinâmica especulativa e de curta duração, se estabelece como uma barreira não apenas para os participantes da Bolsa, mas também para os investidores que miram o mercado de startups, cuja natureza é intrinsecamente de longo prazo.
As startups não são ativos líquidos dispostos em um book de ofertas. O autêntico investidor desta classe entra no negócio geralmente para ajudar a erguer uma fundação para o futuro. Principalmente quem investe nos estágios iniciais de uma empresa de base tecnológica se compromete com o processo natural de uma estrutura incipiente: sedimentar, crescer e amadurecer para, assim, gerar resultados consistentes.
Estamos vivendo um momento de retração dos mercados como um todo e que tem afetado com força especial o setor de tecnologia. No primeiro semestre deste ano, de acordo com dados do Distrito, as startups brasileiras captaram US$ 2,92 bilhões em 327 transações, uma queda de 44% em relação ao mesmo período do ano passado. Essa desaceleração, por si, tem contribuído para expulsar os investidores com foco no curto prazo, em geral “turistas” inebriados com a fartura passada dos valuations. Para os resilientes, o momento é de reavaliação e reorganização.
Os turistas vão, mas os fundamentos permanecem. O Brasil tem um terço da população da América Latina, um mercado consumidor enorme com carência em diversos aspectos, como saúde, educação e serviços financeiros, lacunas que um ecossistema bem estruturado de inovações pode ajudar a suprir de forma bastante eficiente. Existem, inclusive, problemas com raízes profundas que requerem soluções mais robustas e que se tornam excelentes oportunidades para os negócios trabalharem em escala.
Estamos apenas na largada dessa jornada, portanto a capacidade de upside do Brasil no mercado de startups é enorme. Nós temos unicórnios e algumas companhias de tecnologia listadas em Bolsa, mas o segmento ainda representa muito pouco do Produto Interno Bruto brasileiro. De acordo com o relatório anual Latin America Digital Transformation Report, publicado pelo fundo de investimento Atlantico no fim do ano passado, o valor de mercado das empresas de tecnologia em solo nacional equivale atualmente a apenas 4,5% do nosso PIB.
Globalmente, mesmo antes da aceleração digital desencadeada pela covid, essa fatia já era muito grande, o que torna a América Latina e, principalmente, o Brasil, estabelecido como a maior economia da região, a menina dos olhos do venture capital estrangeiro. Só para se ter uma ideia, nos Estados Unidos as empresas de tecnologia representam 70% do PIB, enquanto na China já chegam a 30% e, na Índia, a cerca de 14%.
Como se vê, ainda há um extenso vale a atravessar. A conclusão a que chegamos é de que esta temporada desafiadora da economia global é, na verdade, uma oportunidade única para se investir em startups. Além de acesso a valores mais justos ou até mesmo descontados, os fundos têm agora à disposição uma seleção de empresas com real capacidade de adaptação a cenários adversos devido ao atual teste de estresse provocado pela crise. E o melhor é que toda a euforia foi drenada. Ou seja: o momento exige que os empreendedores se debrucem com mais força e seriedade sobre os seus projetos e propósitos se quiserem atrair capital.
Isso me traz um quê de nostalgia. É como se voltássemos às épocas de raiz em que as startups buscavam a disrupção com foco em resolver as dores do mercado e não em valuations – que nada mais são que decorrência natural de quanto valor as companhias geravam. Na ocasião da fundação da Bossa Nova, o mercado era do tamanho de uma rodada média do ano passado e eu, ao lado do João Kepler, meu sócio, resolvemos escalar porque entendemos que estávamos no começo de um ciclo. Naquele período, não podíamos prever que haveria uma aceleração tão grande do mercado. Ele cresceu mais do que qualquer um poderia sonhar.
Mesmo com toda a explosão do ano passado, podemos considerar que ainda estamos muito no início da curva. Na fase de plantio. Investidores com alvo no curto prazo se recolheram. Permanecem os que conhecem bem a dinâmica das startups e esperaram a correção do mercado silenciar os ruídos para atuar com mais tranquilidade.
A Lightspeed Venture Partners, por exemplo, é um desses players. A companhia anunciou ter segurado o capital no ano passado por conta dos altos preços na América Latina, mas, este ano, com o desaquecimento, voltou a campo com tudo. A gestora Headline foi outra que disse ter composto um fundo de US$ 170 milhões para investimentos na região.
Com olhar direcionado ao futuro, esses e outros membros do grupo remanescente estão interessados em apoiar startups ainda em início de jornada, startups de posicionamento mais pé no chão, imbuídas desde o início a edificar seus projetos de forma sustentável.
Um balanço do Distrito mostra que o maior crescimento nas captações na primeira metade de 2022 veio entre as startups com rodadas anjo, pré-seed e seed: um salto de 86%, passando de US$ 151 milhões entre janeiro e junho de 2021 para US$ 282 milhões no mesmo período de 2022. Nas séries A e B, o avanço foi de 14%, saindo de US$ 1,23 bilhão para US$ 1,39 bilhão.
No atual clima de fuga do risco, especialmente de negócios que ainda não conseguiram se provar e queimam caixa, os aportes em late stage, que representam as rodadas de série C em diante, encolheram 68%, para US$ 1,24 bilhão.
Os imediatistas não têm lugar nessa nova ordem. Ainda que o mercado de startups tenha oferecido rendimentos excepcionais no curtíssimo prazo, só é possível ver resultados consistentemente acima da média no longo prazo, como vem acontecendo no segmento de venture capital de 30 anos para cá, não somente nos últimos 10 ou 12. Por isso que grandes fundos de pensão e instituições que precisam de retorno de longo prazo investem em fundos de venture capital e private equity.
O Nubank é um grande exemplo de que a espera é recompensada. A fintech foi fundada em 2013 com a proposta de colaborar para a inclusão financeira de milhões de pessoas em meio a uma crise econômica e política que se desenrolava no Brasil na época. O crescimento da companhia se deu em um cenário não menos complexo até que se tornou um unicórnio em 2018, depois que a Tencent comprou uma participação de 5%. Hoje, mesmo com o encolhimento de seu valor de mercado, devido às complicações do quadro macroeconômico, o Nubank é uma das empresas mais valiosas da América Latina e segue sendo uma grande encorajadora de negócios transformadore
A chave não está em olhar para cima, mas para frente. E lembre-se: venture capital não é um sprint, é uma maratona.
* Pierre Schurmann é fundador e CEO da nuvini