* Por Leonardo Boz
A cena é clássica. Uma vez ao ano, os moradores que sempre se encontram pelos corredores, elevadores, garagens e outras áreas comuns dos condomínios se reúnem para aprovar as contas e deliberar sobre as pendências de seus pequenos ecossistemas sociais.
Para a frustração do síndico, salvo nos casos de assembleias que deliberam sobre vagas de garagem, o quórum e engajamento desses encontros são baixos e aquém do desejado por quem precisa de respaldo para tomar decisões que afetam a vida de várias pessoas.
Eis que chega a pandemia do coronavírus e coloca a rotina dos condomínios de pernas para o ar, trazendo, como todos sabem, diversos impactos negativos que temos vivido na pele nos últimos 60 dias. Porém, no caso específico do baixo engajamento dos moradores em assembleias e assuntos gerais dos condomínios, há uma luz no fim do túnel.
As assembleias virtuais viraram tema prioritário na administração de empresas, sobretudo nas companhias abertas, que têm o dever de prestar contas detalhadas aos seus acionistas. Até os poderes máximos da República, como o Legislativo e Judiciário, já se adaptaram ao novo formato de votações.
No caso dos condomínios, a pandemia chegou na alta temporada de assembleias anuais. Na maioria dos edifícios, as reuniões estão sendo postergadas. Mas os que decidiram levar a agenda de deliberações adiante têm se surpreendido positivamente. As razões para o otimismo: maior engajamento dos moradores e objetividade nas discussões das pautas.
Na prática, ao obter maior adesão e envolvimento dos moradores, o síndico é respaldado por um apoio dos moradores que em muitos condomínios não acontecia até então. A assembléia também coloca todos os vizinhos na mesma página sobre os assuntos prioritários.
Ou seja, ao ser feita no âmbito virtual e com maior participação, as chances de uma decisão ser contestada no futuro são minimizadas. Lembrando que a pandemia trouxe novos desafios aos condomínios, pois os mesmos passaram a operar com capacidade de ocupação elevada ininterruptamente. Leia-se: mais conflitos entre moradores, novas demandas e gargalos para a administração lidar.
Para quem é leigo na administração condominial, a questão do baixo engajamento pode não parecer tão crucial. Mas ela é. Uma pesquisa qualitativa recente realizada pela equipe da Lar.app, com o objetivo de entender os maiores desafios dos síndicos, mostra que a solidão à frente do cargo é a segunda principal angústia desses gestores. Fica atrás apenas da preocupação com a desvalorização do patrimônio, motivo que leva a grande maioria dos moradores a assumir a árdua tarefa de gerir uma comunidade.
Em geral, segundo a pesquisa, o síndico sente que os moradores do edifício onde atua não se interessam em saber no que o valor do condomínio é gasto. Porém, quando algo impacta diretamente a taxa mensal, iniciam-se conflitos. Nas palavras de uma jovem síndica de Curitiba, “o feedback geral dos moradores é para reclamar de pagar condomínio e pouco pensam na complexidade que é administrá-lo”. Por isso, levar conhecimento aos moradores é um grande desafio. E é aí que acende a luz das assembleias digitais.
Desde o início da pandemia, realizamos algumas assembleias digitais e os resultados foram bastante satisfatórios. Vencida a resistência inicial de alguns moradores, seja por pouco conhecimento das ferramentas de reuniões virtuais ou mesmo por ainda confiarem mais na assinatura física num livro de registros, a participação foi maior. Um fator que acelerou as tomadas de decisão que exigem maioria dos condôminos e garantem até um respaldo jurídico em eventuais contestações futuras de algum morador insatisfeito.
Há, claro, avanços a serem perseguidos. Garantir que todos tenham uma boa conexão de internet, que saibam usar as ferramentas, ter um bom mediador online e que o síndico e a administradora façam uma apresentação clara e objetiva são alguns deles. Modelos de votação também devem ser melhor explorados para dar agilidade às reuniões. Afinal, o sentimento da maioria antes de uma assembléia é de resistência.
Mas, no geral, a assembleia virtual tem tudo para ser o estopim de um início de processo acelerado de transformação digital nos condomínios. E quem sai ganhando são os moradores, que passam a viver em um ambiente onde a eficiência da gestão é maior e o ambiente de decisões é mais compartilhado. É um caminho sem volta.
* Leonardo Boz é cofundador e sócio da Lar.app, uma plataforma digital para administração de condomínios que atende a mais de 10 mil moradores e inova com práticas para reduzir a burocracia, os processos e os custos na gestão de edifícios.