* Por Vanessa Muglia
Iniciei minha jornada como empreendedora no início de 2020. Eu já vivia intensamente o ecossistema de startups e inovação por acompanhar de perto meu marido, que empreende há muitos anos, e achava que eu tinha uma boa noção do desafio à frente e dos obstáculos que estavam por vir. Hoje, vejo que foi muita ingenuidade. A verdade é que você só consegue entender e sentir na pele do que se trata quando entra no jogo e coloca a cara à tapa.
Decidi empreender aos 32 anos. Na época, tinha uma carreira bem sucedida e estável no mundo da advocacia. Largar tudo não foi uma decisão fácil, ainda mais considerando todo suor, energia e horas investidas ao longo de muitos anos. Mas, a possibilidade de criar algo que tivesse propósito, do jeito que eu acreditava ser certo, despertou uma sensação que eu não sentia há muito tempo.
A transição da “Vanessa advogada” para “Vanessa empreendedora”, no entanto, não foi nada fácil. Durante 11 anos, eu fui treinada para eliminar todos os riscos possíveis, a ser completamente obcecada pela perfeição e, acima de tudo, a evitar erros a qualquer custo. Nesse contexto, não preciso nem dizer o choque de realidade que eu tive ao começar uma empresa do zero: o caos é constante, existem sempre inúmeras pontas soltas, o trabalho é infinito e eu tinha pouquíssimo controle sobre diversas variáveis que determinariam o sucesso ou o “fracasso” do projeto, o que consumia as minhas energias de uma forma inusitada, difícil de colocar em palavras.
Logo de início, a síndrome de impostora, companheira de longa data, apareceu. Me questionava diariamente se eu era a pessoa ideal para liderar uma empresa. Eu não possuía experiência prévia alguma com tecnologia e gestão administrativa, tinha vícios de ambientes tradicionais extremamente engessados e ficava apavorada com a constante possibilidade de cometer um erro e/ou confessar que eu não conhecia grande parte das ferramentas e conceitos básicos desse meio – demonstrar essas vulnerabilidades nunca foi uma opção nos ambientes em que trabalhei.
Foi um intenso processo de desconstrução, extremamente doloroso, em que eu tive que mudar a minha maneira de pensar e de ver o mundo. Aprendi a olhar para o erro como um poderoso aliado (confesso que essa parte exige lembretes diários), que te traz aprendizados importantíssimos e que gera transformação e crescimento; fiz as pazes com o fato de que eu nunca vou me sentir pronta ou preparada o suficiente para assumir esse tipo de desafio e entendi que a minha capacidade e disposição para aprender rápido era o que a empresa mais precisava de mim. Podia não ser o ideal, mas muitas vezes se mostrou suficiente. Em suma, entendi que precisava abraçar a imperfeição e a vulnerabilidade com cada célula do meu corpo. Olhando para trás, entendo que esse foi o meu maior aprendizado até aqui.
Conversando uma vez com um querido amigo empreendedor, encontrei a melhor definição de empreendedorismo: “empreender é mergulhar de cabeça e peito aberto no meio do abismo”. Você acorda achando que descobriu a pólvora e que está criando a maior disrupção que já existiu e, 5 minutos depois, um sentimento de desespero toma conta de tudo e você começa a se perguntar como se meteu num buraco tão fundo, que parece não ter saída. É um processo quase inevitável, que faz você ir de 8 a 80 várias vezes num mesmo dia e que consome toda sua energia.
E mesmo sabendo de antemão e já tendo vivido isso tudo, porque começar de novo? A resposta é fácil: para uma pessoa que sempre foi movida por metas, empreender me ensinou (e continua me ensinando) a aproveitar a jornada e não só mirar na cenourinha que a vida parece balançar à nossa frente, o que não se aplica apenas à construção de um negócio, mas também às curveballs que vivemos no âmbito pessoal. Nos momentos difíceis, eu tento me apegar a um ensinamento que ouvi uma vez: “life is like jazz / Much of it is improvised / we cannot control all the variables / we must Live it with panache and flair, / regardless of what it throws at us.” *
Adotar essa mentalidade é bem mais simples na teoria do que na prática e admito que, durante alguns dos tornados que vivi, lembrar dessa máxima não foi fácil. Por isso, escolher bem as pessoas que estarão ao seu lado – na vida e ao longo dessa jornada empreendedora – é tão importante. Serão elas que te mostrarão a luz no fim do túnel, te darão um colo naqueles dias em que tudo der errado e, principalmente, que não te deixarão parar de acreditar em si mesma.
* “A vida é como o jazz / Muito dela é improvisada / não podemos controlar todas as variáveis / devemos vivê-la com brio e talento, / independentemente do que nos jogue”
Formada em Direito pela PUC-RJ, com LL.M na NYU e MBA em Finanças pelo Insper, Vanessa Muglia é Chief Legal Officer (CLO) e cofundadora da BHub, uma startup membro do Cubo Itaú, a primeira empresa de gestão por assinatura da América Latina. São mais de 10 anos na advocacia privada, com passagens pelos escritórios Veirano Advogados e Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados. Em 2020, decidiu se aventurar como empreendedora, co-fundando a Civi e atuando como Head de Business Operations da empresa por cerca de 2 anos.