A covid-19 impactou todos os mercados e o ecossistema de startups certamente não será o mesmo pós-pandemia. Nos últimos anos ele passou por um amadurecimento muito relevante. Dados da Associação Brasileira de Startups apontam que o número de startups vem crescendo 20% ao ano, isso reflete no amadurecimento também dos empreendedores, que estão mais cientes de como funciona uma startup e estão mais preparados para a gestão do negócio, desde a captação de recursos até a atração e manutenção de um time qualificado.
Além disso, o ambiente evoluiu muito com coworkings, hubs de inovação e diversos eventos que dão suporte e oferecem o ambiente ideal para o desenvolvimento de novas startups.
Em entrevista ao Startupi, Juliano Tubino, VP de estratégias e negócios da TOTVS, uma das maiores empresas de tecnologia do Brasill, destacou que em 2019, tivemos muitos novos unicórnios, grandes empresas comprando startups, chegadas de fundos estrangeiros no Brasil e foi um ano de grande consolidação do mercado. E este ano não seria diferente.
“A expectativa para 2020 era que o crescimento continuasse e se consolidasse. Mas com a crise, o que observamos é que alguns setores, que demandaram investimentos e acabaram acelerando o processo de digitalização justamente por causa do isolamento social e da quarentena, como logística, educação e saúde, são os que mais devem apresentar crescimento em 2020”.
Impactos no ecossistema
Com mais de vinte anos de experiência nas áreas de gestão, marketing e vendas de gigantes de tecnologia e e-commerce, o executivo afirma que todos segmentos que envolviam ambientes físicos, foram os mais afetados com a covid-19, como é o caso do mercado de eventos, turismo e varejo físico. Porém, para ele, existe uma oportunidade de sair dessa história com um novo patamar de produtividade e aprender com processos que precisaram ser reinventados nesse momento de crise.
“O varejo online é um setor que pode servir de exemplo como um negócio que sobreviveu a crise com processos de digitalização, integração de sistemas de logística e gestão de estoque e entrega. O futuro do varejo, talvez esteja justamente no atendimento multicanal, com integração do físico com o online. Outro segmento que pode servir como exemplo aqui é o de Educação, que precisou passar por um processo de digitalização emergencial e que pode ser o futuro de agora em diante”, comenta.
Vítor Andrade, diretor-geral do iDEXO, braço de inovação aberta da TOTVS, também conversou com o Startupi e contou que uma das primeiras iniciativas da companhia ao se deparar com a covid-19 foi preparar o ambiente para o time iDEXO trabalhar remotamente.
Eles também iniciaram uma série de eventos com a sua comunidade de startups para entender como elas estavam, dividir experiências e apoiá-las nesta fase desafiadora. Além disso, intensificaram a conexão com a TOTVS para mapear desafios internos e dos clientes da empresa que possam ser solucionados por startups.
Ele conta ainda que esse contato mais constante com a comunidade motivou a realização de uma pesquisa sobre o impacto da COVID-19 nas startups brasileiras. Segundo o levantamento, 33% das startups acreditam que o caixa vai durar até 3 meses e 60% até 6 meses. Além disso, 60% das startups reduziram os custos com escritório; 52% renegociaram contratos e fornecedores e 46% cancelaram ou reduziram custos com marketing e vendas.
“Quem depende de investimento deve reduzir custo acima de tudo. Especialmente para aquelas startups que são acostumadas a lidar com maiores investimentos. As reduções de custos de escritório e marketing provavelmente não serão suficientes para manter os negócios de pé, é hora de continuar buscando novos nichos de atuação para tentar gerar novas receitas e continuar operando. O foco deve ser na retenção dos clientes para que o impacto seja reduzido após a quarentena”, destaca Vítor.
Segundo ele, o mercado de investimentos em startups também foi impactado. No primeiro momento os investidores se voltaram para o seu portfólio atual e de startups investidas, apoiando-as nesse momento de turbulência, mas os investimentos voltarão a crescer.
“É natural que depois de alguns meses novos investimentos voltem a acontecer, especialmente no early stage (seed e Series A), mas é de se esperar maior exigência por parte dos investidores na avaliação das startups e no uso do capital investido (aportando o capital em etapas, por exemplo). Os aportes Séries B em diante, por outro lado, devem diminuir em volume e tamanho dos cheques”.
Pós-pandemia
Quando questionado sobre o pós-pandemia, Vítor destaca que o impacto negativo provocado pelo coronavírus em muitos setores associado à redução do volume aportado em rodadas de investimento pós Serie B, deve impactar no valuation das startups e por isso, é de se esperar que não tenhamos novos Unicórnios em 2020 no Brasil.
“Olhando essa crise pelo lado positivo, acredito numa digitalização maior da cadeia de valor, permitindo que diversas atividades antes realizadas apenas de forma presencial possam ser realizadas no todo ou em parte de online, afinal esse período em quarentena demonstrou que muitas atividades podem ser digitalizadas e realizadas de forma remota. É bem provável que vejamos um aumento do trabalho remoto entre as startups brasileiras e que espaços físicos passem a investir em plataformas digitais de conexão”.
Quais são as startups que irão sobreviver após a crise?
Vítor destaca que temos um cenário desafiador em que as startups foram obrigadas a repensar estratégias, tomar decisões rápidas e adaptar seus negócios para uma nova realidade.
“A covid-19 colocou a inovação à prova e, ao mesmo tempo, a tornou ainda mais necessária. Sem dúvida irão sobreviver as startups que tenham definido um problema muito claro e relevante do seu cliente, seja ele para pessoa física ou jurídica. Como regra geral, devem sobreviver especialmente startups que melhorem a eficiência e reduzam o custo da operação dos seus clientes e que consigam demonstrar de forma clara o ROI (retorno sobre o investimento) do seu produto. Redução de custos vai ser essencial para a retomada. Além disso, tem um movimento muito grande de digitalização da jornada do cliente. Startups que contribuam para a digitalização dos seus mercados vão tirar muito proveito nesse momento, por exemplo, telemedicina e educação a distância. Acredito também que startups de RH devam aproveitar a oportunidade para se reinventar para atender às novas demandas das empresas. Os processos de RH, do recrutamento e seleção, ao treinamento e desenvolvimento, vão precisar se tornar mais digitais, e ferramentas de colaboração e produtividade vão se tornar ainda mais necessárias”.
Juliano Tubino finaliza dizendo que nesse momentos os CEOS devem focar em revisar os processos e torná-los automatizados. Também é válido buscar mentores online que possam avaliar mais de perto seu negócio e ajudar a criar mais oportunidades. “Existe agora uma oportunidade de reinvenção, coisa que o brasileiro é especialista”.