* Por Renata Horta
O ambiente em que a inovação acontece no atual contexto é amplamente diferente do que gerou os modelos científicos de gestão da inovação. Com uma mudança tão significativa dessa variável, é de se esperar que esses modelos demandem ajustes profundos, e que muitos não façam mais sentido. Da mesma forma, precisamos de novos conceitos e novas práticas de gestão. Hoje estamos em um momento onde os executivos não têm tempo para se formar academicamente para o que já enfrentam no mercado. Afinal, as boas práticas que agora estão sendo construídas e estudadas, ainda demorarão algum tempo até que sejam sistematizadas e se transformem em livros e aulas do MBA.
O desafio se torna ainda maior ao considerar a missão que vem sendo dada à inovação, em um processo de transformação digital profundo, que envolve projetar novos produtos e serviços com modelos de negócio diferenciados; digitalizar processos; desenvolver formas ágeis de trabalho; e, no meio de tudo isso, entender as mudanças perenes nas quais a inovação deve ancorar. Mudanças essas que estão embaraçadas à volatilidade, incertezas, ambiguidades e ansiedades do mundo.
A inovação radical é definida como um tipo de inovação de produto ou processo com performance sem precedentes ou com funcionalidades semelhantes a produtos existentes, mas com potencial de melhorar a performance em 5, 10 ou mais vezes, ou 30, 50 ou mais o percentual de redução de custo. Para alcançar o que é necessário na transformação digital, precisamos desse tipo de performance não somente nos produtos ou serviços, mas também na organização e desempenho humano nas empresas. Isso não envolve somente a digitalização de processos visando a melhora de performance, mas também o desenvolvimento de uma nova forma de pensamento e comportamento sem precedentes.
Quem trabalha na área sabe muito bem que o calcanhar de Aquiles em qualquer processo de inovação é o comportamento humano, uma vez que todo processo é também um processo comportamental. A Psicologia não tem sido generosa ao abordar esse tema, que na maioria das vezes é tratado por engenheiros. Neste momento, estamos sendo colocados frente a frente com esse problema.
Empresas que adotam processos ágeis e o design thinking, por exemplo, têm conseguido desenvolver novas práticas em sua cultura. Certamente, essa é uma pista importante sobre a eficácia desse método, mas talvez os resultados alcançados ainda não tenham atingido uma intensidade suficiente para ser considerada uma mudança ‘radical’ como descrita acima.
Esses processos também têm o mérito de mostrar o uso e desenvolvimento de partes importantes do “pacote comportamental” necessário, entre elas a colaboração, descentralização, surgimento de novos tipos de liderança, estruturação, etc. Mas ainda assim, essa transformação é uma aposta e, na maioria das vezes, não tem sido conduzida com a sistemática e mensuração de resultados que sua importância requer.
Na gestão da inovação, por exemplo, muitos processos podem ser repensados sob esse viés. Temos feito experiências de descrever as habilidades necessárias para diferentes etapas do processo de inovação e criar protocolos para desenvolvê-las, além de desenhar processos de ideação radical a partir de modelagem comportamental. Tudo isso ainda é incipiente, mas já vemos alguns resultados positivos no dia a dia.
A verdade é que precisamos trazer uma abordagem mais sistemática do comportamento às organizações para ajudar as pessoas no desenvolvimento de novas habilidades. A ONU já indicou as “habilidades do futuro do trabalho”. As empresas e governos têm o desafio de desenvolver competências completamente novas e que estão em falta no mercado, mudando a carreira ou melhorando intensamente o desempenho dela – processo chamado de reskilling. Mas como desenvolver de forma sistemática e na velocidade necessária, sem gerar mal estar humano no processo? O desafio tem escala global e é tão urgente quanto a necessidade das empresas se transformarem.
Quando aprofundamos a forma como a inovação está sendo gerada, induzida e gerida, realmente parece que ela também precisa de uma inovação radical. Entendo que essa inovação irá ocorrer por meio da incorporação da ciência do comportamento aos processos e ferramentas de inovação, assim como em outros processos organizacionais. Daqui para frente, lideranças da área de inovação precisam buscar processos que façam dar primeiro esse salto, questionando a aplicabilidade das soluções ao contexto atual, entendendo se as premissas são válidas e, com isso, procurar novas zonas de oportunidade para gerar valor por meio da inovação na sua empresa.
* Renata Horta é Diretora de Inovação e Conhecimento da Troposlab, empresa especialista em inovação e intraempreendedorismo.