Nas últimas semanas, um dos assuntos mais comentados no meio financeiro foi a respeito do lançamento do PIX, um novo sistema de pagamento instantâneo criado e gerido pelo Banco Central do Brasil (BC) que vai permitir transações bancárias de forma rápida, segura e digital. O lançamento desta nova modalidade está previsto para acontecer em novembro, porém, cogitou-se que ele poderia ocorrer dois meses antes, em setembro.
Uma das empresas de tecnologia que está desenvolvendo soluções para conectar bancos tradicionais e digitais ao PIX é a Matera. Além de oferecer uma plataforma para que as instituições financeiras possam se conectar à novidade, a empresa acompanha desde o início as discussões do BC sobre o projeto, o que de acordo com o diretor de inovações e novos negócios da empresa, Alexandre Pinto, se tornou bastante positivo.
“Acho que agregou muito ao resultado final, não só para a Matera, mas de outros players de tecnologia, dos bancos, fintechs terem oportunidades de contribuírem com diversos aspectos do projeto”, afirmou. Segundo ele, quase mil instituições aderiram às soluções da Matera, sejam participantes diretos ou indiretos.
De um modo geral, muitas dúvidas ainda permanecem sobre o PIX: como se dará seu funcionamento? Qual o retorno que vai oferecer para estabelecimentos e consumidores? Vamos à algumas delas:
PIX: mudança de hábitos?
Um ponto importante da regulamentação do projeto é que, além de exigir que os principais bancos brasileiros participem do PIX, todas as instituições financeiras com mais de 500 mil contas são obrigadas a participar do novo sistema. Além disso, há a necessidade de que todas as soluções, em seus canais digitais como aplicativos móveis ou celulares, deem destaque à funcionalidade do PIX. “Não pode ser uma opção escondida, num caminho de difícil acesso ou pouco intuitivo. Isso vai ajudar muito na adoção”, apontou o diretor.
Segundo ele, o PIX vai facilitar certas mudanças de hábito, mesmo nas situações mais corriqueiras do dia a dia. “A transferência entre pessoas, como rachar uma despesa de consumo da casa ou quando voltar a ter os happy hours, vai ser mais fácil e barato. Você não precisa saber agência, conta, CPF, nome completo do seu amigo, informações necessárias para se fazer uma TED. Só com o número do celular ou e-mail a gente já vai conseguir fazer as transferências”, destacou.
Novos modelos de negócio devem surgir com o PIX?
Para Alexandre, dada a característica bastante disruptiva dessa nova rede de pagamentos e pelo fato de possuir um baixo custo, é difícil prever quais modelos de negócios vão surgir a partir dessa mudança. “Depois do PIX, mandar dinheiro vai ser tão simples e barato quanto mandarem e-mail, um áudio pelo WhatsApp, uma foto, etc. Acredito que novos modelos de negócios que antes não eram viáveis por causa do custo financeiro, tudo isso com o PIX é superado e contornado e novos modelos devem surgir com certeza”.
Já em relação aos novos players, como as fintechs e as novas instituições de pagamento, o diretor acredita que o impacto será bastante positivo, já que elas terão a oportunidade de se conectar junto aos grandes bancos sem o custo alto da TED. “Isso era uma barreira de entrada grande para as fintechs menores quando você precisava mandar dinheiro para a conta de um banco. O PIX vai beneficiar bastante esses novos players, principalmente os menores. É uma oportunidade bacana porque elas vão entrar dentro de um ecossistema e a transferências serão gratuitas”.
O PIX será impactado pelo novo coronavírus?
A previsão é de que o PIX surja em um contexto de pós-coronavírus, herança de um período no qual muitos hábitos, como ir à agência bancária, lotérica ou usar o caixa eletrônico para serviços, tiveram que ser alterados por conta do isolamento social. De acordo com Alexandre, isso não só incentivou o uso dos apps de bancos tradicionais como também levou muitas pessoas a abrirem contas em fintechs, algo que para a nova geração, é mais comum de ser visto.
“Com essa pandemia, existe uma força moldando esses novos hábitos. Os novos comportamentos estão sendo praticados ‘na marra’ por aquele público que era mais resistente. Quando você considera as novas gerações, para elas, é mais natural fazer tudo por celular, já usam Nubank, Picpay, C6. Entretanto, ainda existe uma parcela da população que não tinha entrado nesse mundo. Seja por desconhecimento, por não confiar ou não acreditar na segurança, mas que agora precisa e está sendo levada a usar canais digitais”.
Ele acredita que a pandemia acelerou esse novo comportamento que deve permanecer por muito tempo. “A maioria das pessoas não vai voltar a frequentar uma agência bancária ou usar dinheiro em espécie no dia a dia, pois terão descoberto um novo meio de relacionamento com serviços financeiros, muito mais barato, conveniente e seguro. Este tipo de mudança, que costuma levar anos ou mesmo gerações, certamente foi bastante acelerada pela pandemia”.
Como os bancos tradicionais e o varejo vão lidar com a mudança?
Alexandre acredita que, pelo menos de início, os bancos tradicionais devem sentir um impacto nas receitas dos serviços com o PIX. “Os correntistas vão deixar de usar alguns serviços dos bancos, como o TED e o boleto, e começar a usar o PIX pelas diversas vantagens, a questão do pagamento ser 24×7, em tempo real, e a um custo muito baixo. Os bancos obviamente tem uma receita muito relevante com relação às TEDs, uma margem razoável com os boletos, então isso será um impacto inicial para os bancos”.
Contudo, ele acredita que ainda vão desempenhar um papel importante na economia, uma vez que, além do serviço de pagamento, os bancos tradicionais oferecem opções que não podem ser atendidas pelas fintechs, como os créditos e diversos tipos de financiamento.
“Mesmo que novas empresas e instituições de pagamento procurem a autorização para oferecer crédito, os grandes bancos, principalmente, são bastante eficientes, tanto na análise do crédito, na captação do dinheiro, emprestar mais dinheiro. São vantagens competitivas que elas não vão sumir em curto ou médio prazo. Vai haver uma mudança de posicionamento, nossa interação com eles deve ficar mais pontual – quando precisar de crédito – e no dia a dia dos serviços financeiros, aí sim, provavelmente vamos usar o PIX e acabar migrando para instituições de pagamento”, destacou. Ele também apontou que a parceria dos bancos tradicionais com as fintechs não deve acabar.
No caso do varejo, o diretor da Matera disse que o PIX será interessante em vários aspectos, principalmente por ser mais barato do que o cartão de débito e de crédito.
“Há também a possibilidade de receber o dinheiro na hora. Mesmo o cartão de débito é só no dia seguinte. No caso do e-commerce, o boleto também demora 1 ou 2 dias para o lojista receber o pagamento, então vai haver esse movimento dos varejistas do mundo físico e do online para incentivar o uso do PIX, algum tipo de incentivo como um desconto, um cashback, programas de fidelidade. Tudo isso vai acontecer porque é muito positivo para o varejo, principalmente para aqueles que trabalham com margens de lucro muito pequenas como supermercado, postos de gasolina, etc. Esses tendem migrar rápido para o PIX porque a diferença de resultado será grande”, ressaltou.
Apesar do lançamento oficial do PIX ser em novembro, é considerado pelo mercado que dois meses antes haveria a liberação do BR Code, o QR Code que será adotado como padrão no Brasil, tanto pelo PIX quanto por outros aplicativos de pagamento. “Acho que seria mais interessante e facilita o trabalho das empresas que fazem o software de automação comercial, as frentes de caixa do supermercado, lojas, postos, etc”, destacou Alexandre.
Com relação ao lançamento do PIX propriamente dito, ele acredita que o cronograma não deve mudar. “A previsão é que meados de novembro comece a funcionar para todos, e já é uma data bem desafiadora para bancos, fintechs, empresas de tecnologia e não creio que seja adiantada neste sentido”, finalizou.
Como garantir a segurança de consumidores e empreendedores com o PIX?
De um modo geral, o PIX vai exigir que as instituições financeiras façam investimentos e adaptações em segurança, a fim de proteger dados, processos e clientes. Para Armando Santos, gerente comercial da Kryptus, empresa especializada em criptografia e segurança da informação, as instituições estão adaptando ou ampliando sua infraestrutura para atender à nova demanda de pagamento, em virtude dos diversos desafios que o modelo traz, como “assinar milhares de transações por segundo, segurança das chaves privadas e disponibilidade 24×7, além da integração do sistema atual ao novo”.
A empresa tem identificado um aumento expressivo de golpes cibernéticos globais desde que a quarentena intensificou as atividades online. “Como consequência, também temos percebido o aumento da procura por serviços de consultoria em cibersegurança, que é o recomendado para essas questões. É importante se antecipar aos ataques, através de análises completas de segurança, desde pessoas, passando por processos e chegando às tecnologias, além da manutenção de avaliações periódicas, como testes de intrusão, por exemplo”.
De acordo com Armando, uma das maiores ameaças para o PIX são os roubos de chaves privadas, o que pode prejudicar a estratégia de proteção das transações. “A posse destas chaves permite, por exemplo, que uma pessoa mal intencionada desvie recursos financeiros, realize pagamentos, cometa fraudes, entre outros crimes cibernéticos. Fraudes com QR Codes, vazamento de dados e invasão em dispositivos móveis também podem prejudicar a estratégia de proteção das transações.
Já para os clientes, um vazamento de dados, por exemplo, pode causar desde um constrangimento até prejuízos financeiros de fato. “Estamos falando de um novo sistema de pagamento, e as instituições que aderirem devem ter em mente que a proteção das chaves privadas e boas práticas de segurança devem estar em primeiro lugar nesse momento de planejamento da arquitetura do PIX”, ressaltou.
Para garantir a segurança dos clientes, Armando recomenda às instituições bancárias o uso de um Hardware Security Module (HSM, na sigla em inglês), que são os módulos criptográficos para proteção e assinatura das transações. “Desta forma, além de estar em compliance com os requisitos do BC, a instituição [financeira] também poderá utilizá-los para outros fins, como criptografar uma base de dados de clientes e elevar o nível de segurança. Ter um segundo fator de autenticação é altamente recomendável. O segundo ponto é escolher e/ou desenhar soluções que passem por análise de vulnerabilidades por consultorias competentes e que tenham profissionais certificados para tal serviço”.
IUGU: fintech é uma das instituições que adotará o PIX
A iugu, startup de meios de pagamento, é uma das empresas cadastradas para a adesão do PIX. Segundo o fundador, Patrick Negri, a empresa estará pronta para que os clientes façam a integração e executem seus testes bem antes disso.
“Esperamos que o lançamento possa representar um grande passo para a diversificação do nosso portfólio de produtos. Assim, conseguiremos nos manter alinhados com as mais recentes tecnologias do setor, entregando segurança e agilidade nas compras online”, destacou. Ele afirmou que a equipe já se prepara caso o lançamento seja antecipado. “Queremos que o produto esteja finalizado o mais rápido possível para não perdermos a competitividade”.
Sobre a questão da segurança dos clientes, Negri afirma que a empresa sempre utiliza altos padrões de segurança em todos os produtos lançados e com o PIX, não seria diferente. “Seguimos altos padrões exigidos pelo Banco Central para garantir a confiança e integridade de cada operação financeira que realizamos”. Para ele, a adaptação deles à nova função ocorrerá de forma progressiva. “Acredito que a adoção será gradativa. Mudar o comportamento das pessoas leva algum tempo.
Ainda de acordo com o fundador, o PIX vai trazer uma velocidade muito grande na transferência de valores, com toda a segurança da nova tecnologia. “Muitas das transações que ainda são feitas em dinheiro devem ser substituídas pelo PIX. Esse sistema vai reduzir o custo para enviar e receber dinheiro, além de permitir que a gente insira informações de quem é o cliente e o número de venda dele para identificar transferências. O boleto faz isso, mas é muito devagar”.
Sobre o impacto da chegada em um contexto de pós-coronavírus, ele acredita que o novo sistema será lançado em um momento em que as pessoas precisaram reinventar seus negócios, migrando mais rapidamente para o mundo digital. “Acho que os pequenos negócios devem acabar usando o pagamento instantâneo para acelerar o recebimento de recursos nas vendas e assim melhorar sua posição de caixa”, disse.
Conforme Patrick, com o PIX na plataforma da iugu, o cliente terá toda a velocidade do pagamento instantâneo agregado a todas as automações que a plataforma tem. “Além de permitir que os estabelecimentos aceitem o pagamento via QR code, a iugu, como participante direta no PIX, poderá oferecer a infraestrutura para que outras fintechs ofereçam o serviço para terceiros”. E completa. “A iugu prevê triplicar de tamanho até 2021 e tem em mente que o futuro sistema de pagamentos do BC será um novo e forte aliado para este crescimento”.
O fundador acredita que o Banco Central promova mais inovações nos próximos meses, assim como ocorreu com o Open Banking e o PIX. “O Banco Central tem feito um bom trabalho ao tentar aumentar a competitividade no setor. Acredito que devem continuar fomentando novas tecnologias de forma a aumentar a qualidade dos produtos financeiros. A iugu sempre estará atenta às mudanças e preparada para abraçar as melhorias propostas, com o objetivo de sempre oferecer aos nossos clientes a melhor experiência”, finalizou.
O que diz o Banco Central (BC)
Em nota, o Banco Central do Brasil reforçou que o PIX estará disponível para a população brasileira apenas a partir de novembro de 2020. Além disso, disse que o novo sistema vai “aumentar a velocidade em que pagamentos ou transferências são feitos e recebidos e promover a inclusão financeira e preencher uma série de lacunas existentes na cesta de instrumentos de pagamentos disponíveis atualmente à população”. O BC afirmou ainda que o PIX vai possibilitar “a inovação e o surgimento de novos modelos de negócio e a redução do custo social relacionada ao uso de instrumentos baseados em papel”.
Sobre a posição da instituição em relação ao lançamento em um contexto de pós-pandemia, o órgão afirmou que “o PIX é uma ação que está sendo desenvolvida antes mesmo da pandemia. De qualquer forma, vem a favor da necessidade de eletronização e digitalização dos meios de pagamento que as circunstâncias do vírus têm acelerado”.
Já à respeito da segurança de clientes, estabelecimentos e bancos, o BC disse que “as informações pessoais trafegadas nas transações PIX, assim como nas transações de TEDs e DOCs, estão protegidas pelo sigilo bancário, de que trata a Lei Complementar nº 105, e pelas disposições da Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor. As mesmas medidas de segurança, tais como formas de autenticação e criptografia, adotadas na realização de outros meios de pagamento, como TEDs e DOCs, serão adotadas pelas instituições para o tratamento das transações via PIX”.
Por fim, disse que “o mercado participa e colabora com a construção do PIX por meio do Fórum Pagamentos Instantâneos, ambiente de discussões e de coordenação dos diversos agentes de mercado” e que o objetivo deste Fórum é “subsidiar o BC no papel de definidor das regras de funcionamento do ecossistema de pagamentos instantâneos”, finalizou.