* Por Marcelo Lombardo
Agora, os dias correm em outra velocidade. Decisões são urgentes e pivotagens não podem esperar. Em 5 dias, nasceu uma nova empresa.
Steve Blank definiu uma startup como sendo “uma organização temporária em busca de um modelo de negócios repetitivo”. Isso pode dar a entender que as chamadas “pivotadas” ou mudanças de rumo na incansável busca pelo Product/Market Fit sejam reservadas aos primeiros passos da jornada das startups.
Na prática, não é só isso. Pivotadas, mesmo que suaves, acontecem também quando muda a magnitude do crescimento de uma scale-up. Quando a técnica que a levou do ponto A ao ponto B, muito provavelmente, não é a mesma que vai levá-la do ponto C ao D muitas mudanças estruturais precisam acontecer. E acabou, ponto final, sem mais pivotadas. Depois disso é IPO, falência, ou uma aquisição, às vezes dolorida, por um player estratégico.
Aí vem a crise do vírus como o Black Swan de 2020, e todos aqueles planos fantásticos de crescimento que fizemos entre dezembro e janeiro se derretem rapidamente. O nosso pitch deck, que já circulava entre investidores, virou pó. Ouvimos que agora Cash is King , que agora é guerra pela sobrevivência, que agora tudo é negociável.
A ordem é cortar despesas com um critério agressivo: tudo que não é essencial para a sobrevivência mínima, deve ser eliminado, estendendo ao máximo o cash runaway, a quantidade de meses de suprimento de caixa que a empresa tem.
Não quero aqui dizer que os ajustes são desnecessários. O ponto é que eles são apenas o primeiro passo. Depois de pensar na defesa, temos que pensar no ataque. Cortes de despesas, de marketing, de eventos, e principalmente de pessoas machucam muito, só que a etapa seguinte… também machuca!
É fácil falar que a loja fechada do shopping tem que se reinventar no digital, ou que o restaurante do bairro precisa se adaptar ao delivery. É fácil falar que, na choradeira geral, as empresas têm que vender lenço. Em suma, mudança sempre é bom… para os outros.
Mas, na prática, investidores sabem que a coisa mais complicada para alguém que é completamente apaixonado por uma ideia e funda uma startup é conseguir ser realista: enxergar as coisas como elas são de verdade, e não pela nossa lente tendenciosa de empreendedor. Isso é difícil porque certamente não vamos gostar dessa nova fotografia.
A dura realidade é que, de repente, o que fazíamos até ontem não funciona mais hoje – e não vai funcionar por um longo tempo. Aliás, o mundo vai sair dessa crise diferente do que entrou, e isso quer dizer que talvez o que funcionava antes nunca mais funcionará. Os hábitos de consumo de pessoas e empresas irão mudar.
Da mesma forma, aquela frase que a gente vinha polindo há anos, o nosso intocável mission statement (declaração da missão) talvez precise de um upgrade no momento atual. No nosso caso, nossa missão sempre foi “reduzir o gap de eficiência das PMEs brasileiras, tornando-as mais eficientes, competitivas e destravando seu potencial de crescimento”. Nosso lema é “viva seu pleno potencial empreendedor”.
Mas, fazendo força para ser realista, a verdade é que agora as empresas irão priorizar outras coisas por um bom tempo. As PMEs estão entrando em modo de sobrevivência, no qual a receita está caindo muito, e a revisão das despesas é o mais importante. Nesse contexto, o que faz sentido no momento, no mundo B2B, é a redução de custos.
Então a pergunta mágica que formulamos foi: para quem o Omie pode representar, de forma clara, objetiva e mensurável, uma significativa redução de custos?
Te convido a fazer essa mesma reflexão. Como seu produto conversa com as necessidades mais básicas de quem você pode atender? Sejam elas redução de custo, migração para o digital ou renegociação de dívidas, como você contribui com a sobrevivência – e retomada – dos seus clientes?
As respostas aparecem facilmente quando fazemos as perguntas certas. O Omie, por ser um ERP com alta profundidade funcional vinha, no ano passado, conquistando também clientes de grande porte, empresas que faturam mais de R$ 50 milhões, substituindo antigos ERPs tradicionais – algo que nunca planejamos e nunca corremos atrás.
Nosso foco sempre foi no atendimento aos pequenos e médios negócios, 90% dos quais não usavam nenhum software antes de assinar o Omie. O crescimento dessa base Enterprise foi tão significativo que, em janeiro deste ano, publicamos uma nova tabela de preços incluindo, pela primeira vez, empresas maiores, cobrando valores mais altos – mas ainda sem grandes pretensões.
De repente, a resposta estava ali. O segmento que crescia em paralelo ao core business poderia ser o nosso novo foco. O Omie pode atender aos desafios das empresas de maior porte que hoje têm boa parte do orçamento alocado em ERPs tradicionais.
Segundo a pesquisa anual da FGV, essas empresas gastam, em média, incríveis 7.9% do faturamento líquido em TI. Apesar disso, até então, nossos potenciais clientes mantiveram esses softwares, sem mexer na ferida, focando em outras prioridades. Até que a crise chegou. As prioridades mudaram. Redução de custo é o novo foco – custe o que custar, com o perdão do trocadilho.
Então chegou o momento de nos reestruturarmos. Nessa hora, percebemos a importância de ter um time executivo ao nosso lado. Diante de tudo, meu sócio e cofundador, o Rafael Olmos, me falou a seguinte frase: “A gente conseguiu ir de 0 a 35 mil clientes”.
Chegamos em um índice de satisfação que o mercado de ERP nunca tinha visto. Se precisar, nós vamos fazer tudo de novo. Simples assim.” Com isso em mente, todos os diretores se uniram com o objetivo de repensar a empresa por completo, olhando para o objetivo comum antes de seus interesses pessoais e – o mais importante – oferecendo zero resistência à mudança (love you people!).
O exercício foi o seguinte. Primeiro de tudo, garantir e reforçar o compromisso com a pequena empresa. Nosso suporte continua intacto: não realizamos nenhuma demissão nessa área e ainda estamos contratando. Como a PME não tem como adquirir a nossa assinatura neste momento, liberamos o Omie gratuitamente para toda e qualquer micro empresa do país, sem limites de quantidades de usuários, notas fiscais ou boletos, e com atendimento humano – sem chatbots.
E também oferecemos acesso irrestrito e gratuito à nossa plataforma educacional, a Omie.Academy, pois entendemos que as PMEs são os grandes geradores de emprego nesse país e são as empresas que mais precisam de socorro.
Com isso, desde o início do período de isolamento social, em apenas 3 semanas, já ativamos mais de 2.500 empresas gratuitamente, um investimento equivalente a R$ 450 mil por mês, e já atendemos mais de 8 mil profissionais na Omie.Academy , o que significa abrir mão de uma receita próxima a R$ 1,6 milhão.
Em seguida, pegamos um papel em branco e repensamos como a empresa precisaria ser para incluir este novo cliente, de maior porte, com intenção e como parte do nosso core. Foi necessário repensar não apenas a área de Vendas, mas também toda a área de Comunicação e Marketing, o roadmap de Produto, o C.S., ou seja, tudo. Até o intocável mission statement foi ajustado.
Depois de redesenhado, chegamos em um novo modelo organizacional. Infelizmente, depois disso, várias atividades que fazíamos antes deixariam de existir – e isso culminou em uma onda de desligamentos. Entre reduções e reestruturação, foram, no total, dolorosas 138 demissões. Aliás, muita atenção: essas pessoas passaram por um funil de contratação bem detalhado e estruturado e foram mega bem treinadas.
Investimos muito nessa turma, e agora o nosso RH está trabalhando silenciosamente para tentar recolocá-los. Portanto, se você receber o currículo de alguém que estava na Omie até março de 2020, eu e meu time de diretores estamos pessoalmente disponíveis para dar referências.
Pessoas sempre foram e continuam sendo nosso maior ativo: somos a empresa de tecnologia que usa tecnologia como meio e não fim; as pessoas é que são o grande segredo do nosso sucesso, e este realinhamento que estamos fazendo será a chave para a retomada das nossas contratações.
Todo esse movimento aconteceu em apenas uma semana, entre os dias 31 de março e o dia 5 de abril de 2020, com 100% do time trabalhando remotamente, sem nenhum encontro presencial. Tivemos várias reuniões extraordinárias com o nosso Conselho, que colaborou com diversas ideias e nos apoiou irrestritamente, e pelos quais sou imensamente grato.
Estou muito orgulhoso desse time que trabalhou 20 horas por dia para que, na segunda-feira, dia 6 de março, pudéssemos, enfim, reinaugurar a Omie.
Novo modelo, nova estrutura e um novo plano de crescimento. Um reboot completo em apenas uma semana.
E isso vai dar certo? Bom, de um jeito ou de outro, vai! Todo o time de gestão da Omie e a maioria de suas 87 franquias já passou por experiências em empresas de ERP focando em grandes contas, inclusive eu – quem conhece a história da Omie sabe que ela nasceu como um spin-off de uma dessas empresas de “ERP Dinossauro”, e conhecemos bem a fundo esse jogo. E como o Rafa disse com uma naturalidade assustadora: “fica tranquilo, Marcelo. Já fizemos antes, faremos novamente – só que ainda mais rápido e melhor”.
Então pronto: nossa nova missão agora inclui também empresas grandes, e a Omie agora também concorre com players maiores, em adição aos que já concorria, pois, nesta nova fase de mercado, quem só tem casca e não tem produto será mais exposto. Como disse Warren Buffet, na crise de 2001, “você só descobre quem estava nadando pelado quando a maré baixa”.
Navegará por essa crise quem souber se adaptar rápido, pivotando se necessário, e tomando decisões que não podem esperar o dia de amanhã. Nosso papel, como empreendedores, não é nos transformarmos em ursos assustados que correm para hibernar, esperando o inverno passar. É preciso mexer nas estruturas de forma profunda e corajosa.