* Por André Zogbi
A expressão “o mercado sofre uma recessão a cada dez anos” talvez seja uma das mais recorrentes em momentos de volatilidade de mercado. Independentemente de crises econômicas ocorrerem a cada dez anos, oito anos, ou seja lá a frequência que for, os investidores devem estar preparados não somente para navegar de forma resiliente por esses cenários, mas também para se aproveitarem das oportunidades que eles podem oferecer.
Desde o segundo semestre de 2022, temos vivido um cenário que, apesar de ter afugentado aqueles que não o previram, tem oferecido oportunidades únicas àqueles que haviam se preparado para aproveitá-las assim que os primeiros sinais de ajustes vieram à tona.
Com isso em mente, gostaríamos de compartilhar nossas perspectivas para este ano e as oportunidades com as quais os investidores de venture capital devem se deparar ao longo de 2023.
Volume de captação deve exceder o de investimento
O ajuste no valuation pelo qual o mercado de venture capital passou no ano passado (e pelo qual ainda está passando, até certo ponto, principalmente para empresas em estágio mais maduro) foi visto por muitos fundos de venture capital muito mais como uma oportunidade de investimento do que como má notícia.
A dificuldade que as empresas enfrentaram em captar recursos em 2022 não se refletiu na captação por parte dos fundos. Pelo contrário, investidores se tornaram mais cautelosos com os valuations e desaceleraram a alocação em mais de 20% ao redor do mundo, ao mesmo tempo acelerando a captação para aproveitar os valuations corrigidos (um movimento que também observamos durante a pandemia).
De fato, a atividade de captação do mercado de venture capital nos EUA alcançou um novo recorde em 2022, excedendo o total de recursos levantados em 2021 em quase 6% e ultrapassando a marca de US$ 160 bilhões captados apenas nos EUA, de acordo com o Pitchbook.
Contudo, também é verdade que a aceleração da atividade de captação e a desaceleração na atividade de investimento causam, em conjunto, o aumento do dry powder (recursos disponíveis para investimento), que em algum momento invariavelmente será investido na medida em que os fundos esgotam seu período de investimento.
Para se ter uma noção das proporções, enquanto em 2015 os fundos de venture capital americanos acumulavam aproximadamente US$ 93 bilhões em dry powder, em 2020 o número já ultrapassava US$ 200 bilhões e chegava a beirar os US$ 300 bilhões no final de 2022.
Parece ser consenso que o volume de investimentos não atingirá um novo recorde em 2023, mas é difícil determinar ao certo quando o ritmo de alocação será retomado, o que provavelmente causará outro aumento dos valuations.
Em nossa opinião, alocar capital em empresas sólidas enquanto as condições de investimento já são vantajosas é um movimento mais inteligente do que tomar o risco de aguardar desvalorizações ainda maiores e possivelmente perder um bom ponto de entrada, consequentemente tendo de lidar com valuations novamente exagerados quando o mercado voltar à normalidade.
O upside adicional garantido ao se investir em valuations potencialmente mais baixos é mínimo comparado ao que já pode ser garantido nas condições de mercado atuais e não justifica o risco de se perder o atual ponto de entrada. Por conta disso, já demos início aos investimentos do nosso quarto fundo e continuamos participando de rodadas de follow-on através do nosso terceiro fundo.
No entanto, nem todos os fundos de venture capital foram capazes de atrair a atenção de investidores. Apesar do momento oportuno para investimentos, os LPs têm se mostrado aversos ao risco adicional inerente a novos gestores, um movimento que já havia sido observado durante a pandemia, mas em menor escala.
Em 2022, os tais conhecidos first-time-funds de venture capital americanos captaram um total de US$ 10,3 bilhões, não chegando nem à metade dos US$ 21,6 bilhões que a categoria levantou em 2021, mal se aproximando do volume de US$1 0,7 bilhões captado em 2020.
Este movimento reforça as tendências que temos observado desde o início dos ajustes de valuation em 2022: investidores de venture capital (fundos e LPs) continuam a observar oportunidades surgindo. Contudo, eles têm se comportado de forma mais cautelosa com a alocação de recursos, uma tendência que deve persistir ao longo deste ano e que tem favorecido os investidores na negociação de condições de investimento em rodadas de venture capital.
Recentemente, o Pitchbook criou um índice que mede o quão favoráveis os termos do investimento estão para os investidores ou empreendedores, considerando a frequência com a qual proteções contra antidiluição, preferências de liquidez e outros termos de investimento aparecem nos contratos de investimento.
Nos últimos 12 meses, a velocidade de variação do índice a favor dos investidores nunca foi a maior observada até então, indicando condições de negociação próximas àquelas observadas durante o período de escassez de capital durante a pandemia.
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Análise fundamentalista retomará importância
Quanto mais próxima uma empresa está de abrir capital, mais rapidamente ela reage às correções de mercado. Startups late-stage tendem a sofrer ajustes mais rapidamente que as startups early-stage frente à volatilidade de valuations, enquanto empresas em estágio seed tendem a sofrer correções ainda posteriormente, contanto que haja espaço para isso.
Algumas semanas após o chacoalho nas bolsas em 2022, observamos diversas startups late-stage sofrendo cortes de valuation, um efeito que tomou mais alguns meses até afetar também as empresas early-stage.
Quando o mercado está performando bem e certas indústrias viram febre, muitos investidores se deixam influenciar e passam a se comportar de forma menos cuidadosa na condução de análises das startups, negligenciando características que poderiam outrora levá-los a recusar o investimento.
Mas, quando o mercado descarrila, profissionais de venture capital costumam relembrar do quão crucial a análise fundamentalista se faz para que a resiliência dos investimentos seja mantida, principalmente durante momentos turbulentos.
Durante esses períodos, o histórico dos fundadores, o potencial de mercado, a consistência da solução e diversos outros aspectos são levados em consideração nas discussões de investimento.
Por sorte, temos adotado a análise fundamentalista como um dogma desde nosso primeiro fundo, o que fez grande diferença para nossa entrega de resultados, se provando essencial para que possamos navegar por momentos turbulentos.
Isso não significa que não somos tentados a investir em segmentos em plena ascensão e que posteriormente se mostram pouco promissores, mas ao seguirmos rigorosamente nosso processo de investimento robusto com mais de 70 critérios a serem avaliados, as chances de cairmos em armadilhas se tornam muito baixas. Como resultado, nossos fundos continuam a performar de forma resiliente, mesmo em momentos voláteis.
As mudanças que surgem quando turbulências tomam forma não ocorrem somente no lado dos investidores, mas no dos fundadores também.
Quando o capital se torna escasso, somente as empresas com soluções para problemas primordiais e com planos operacionais sólidos são capazes de levantar recursos, o que acaba criando uma seleção natural e, consequentemente, transforma a maneira da qual os fundadores criam e operam suas empresas, visando à geração de resultados reais e ao alcance da lucratividade o mais rápido possível, ao invés de simplesmente dependerem de rodadas de financiamento subsequentes para cobrirem despesas desnecessárias geradas pela política de crescimento a qualquer custo.
De acordo com a Startups Magazine, metade das empresas Fortune 500 atuais foi criada durante recessões, o que complementa perfeitamente o ponto de que crises tendem a ser benéficas para aqueles dispostos a alocar recursos.
Alguns dos nomes incluem Procter & Gamble (pânico de 1837), Standard Oil (guerra civil de 1865), Coors (depressão de 1873), General Motors (pânico de 1907), Walt Disney Company (crise de 1929), Revlon (grande depressão de 1932), FedEx (crise do petróleo de 1973), Microsoft (recessão de 1973) e LinkedIn (2002, pós bolha .com), entre inúmeros outros.
Eleições em Israel e Brasil não afetarão nossas atividades
Em uma questão de poucos meses, passamos por mudanças governamentais tanto no Brasil quanto em Israel. Coincidentemente, as eleições em ambos os países geraram muito atrito e ambos os candidatos eleitos já haviam governando suas respectivas nações por anos a fio no passado.
No Brasil, protestos contra os resultados ainda têm ocorrido em menor escala e, em Israel, cerca de 80 mil pessoas protestaram contra os planos do governo algumas semanas atrás. Na prática, mesmo que o atrito tenha sido gerado a partir dos primeiros sinais dados pelo presidente e pelo primeiro-ministro, estes episódios não devem afetar significativamente o mercado de venture capital no médio e longo prazo e, consequentemente, nossa atividade.
Considerando a importância do mercado de venture capital para a economia israelense, é difícil acreditar que decisões que comprometam o segmento serão tomadas em algum momento no país. Ademais, a indústria de venture capital não sofreu nenhum efeito negativo das medidas tomadas pelo governo quando Benjamin Netanyahu governou o país de 1996 a 1999 e de 2009 a 2021, o que nos faz acreditar que nenhuma surpresa surgirá em seu governo atual.
No Brasil, o novo governo parece mais aberto ao mercado internacional, o que pode facilitar a entrada de empresas estrangeiras no Brasil. Uma vez que parte dos nossos esforços em criação de valor envolve auxiliar as empresas a expandirem suas operações internacionalmente, este movimento pode até vir a nos beneficiar.
Comparativamente, em 2020 as eleições presidenciais dos EUA tiveram um efeito muito mais relevante na indústria de tecnologia do que as dos outros dois países, uma vez que as Big Techs passaram a enfrentar desafios importantes relacionados à transparência e à privacidade de dados pessoais.
Os segmentos de venture capital mais promissores
Com o avanço constante da tecnologia e o amadurecimento contínuo do mercado de venture capital, novos nichos tecnológicos surgem ano após ano. Alguns não deixam de ser apenas moda e desaparecem rapidamente após não entregarem nenhum valor real para a indústria.
Outros geram valor real para usos específicos e são absorvidos por segmentos maiores e mais maduros. Finalmente, existem aqueles capazes de transformar completamente a indústria e se tornar um novo segmento por si só. Entre os três segmentos de venture capital mais promissores para este ano, o primeiro já começou a revolucionar nosso mercado de uma maneira nunca antes vista.
IA generativa: Há décadas temos usado a inteligência artificial para nos ajudar com atividades operacionais que demandariam muito esforço e que estão sujeitas a falhas humanas. Independentemente do quão úteis as soluções de IA sejam para nós (e todos nós já estamos acostumados a usá-las diariamente), nossa interação com elas tende a ser um tanto robótica devido às limitações de compreensão por trás dos algoritmos.
Mais recentemente, tais limitações começaram a diminuir drasticamente, por vezes se tornando quase impossível sabermos se estamos lidando com uma pessoa ou um robô do outro lado da tela.
A inteligência artificial generativa consiste no uso de inteligência artificial para a criação de novos conteúdos utilizando como base conteúdos previamente disponíveis, e não somente na execução de tarefas para as quais a solução foi especificamente projetada.
Em outras palavras, a IA generativa acaba sendo um enorme atalho para a automação de atividades criativas, podendo se tornar uma das conquistas mais significativas da humanidade quanto ao quão próximos estamos de fazer com que softwares trabalhem quase como humanos.
Dado o sucesso que algumas soluções de IA generativa têm tido nos últimos meses e seu poder disruptivo em relação à inteligência artificial como um todo, é difícil não acreditar que diversas outras soluções baseadas nessa tecnologia surgirão ao longo deste ano, servindo como base para sua evolução e para que diversos outros usos surjam nos próximos anos.
Não há maneira melhor de entender o real potencial por trás da IA generativa do que testá-la na prática. O ChatGPT é uma plataforma de uso gratuito, intuitivo, e uma ferramenta poderosa que representa muito bem o quão longe a inteligência artificial pode ir.
Web3: No ano passado, escrevemos um artigo sobre os principais conceitos e perspectivas por trás da Web3, o qual pode ser acessado aqui. Em resumo, Web3 é uma evolução natural da internet, permitindo que usuários preservem sua privacidade mais eficientemente enquanto navegam na internet e dificultando para empresas a captura ou aquisição de informações pessoais para utilização em campanhas de marketing.
Enquanto a Web2 é basicamente gerenciada por poucas grandes empresas que possuem acesso às informações presentes na web, a Web3 permite a interação entre usuários mantendo o direito individual sobre suas informações de forma que não se sujeitem às determinações de grandes organizações.
A migração da Web2 para a Web3 já vem ocorrendo, apesar de ainda levar algum tempo para que a segunda passe a ser predominante sobre a primeira. A quantidade de empresas Web3 surgindo diariamente é impressionante, tendência que devemos continuar a observar ao longo dos próximos anos.
Software as a Service: Temos investido em empresas B2B SaaS há muito tempo, mas o segmento tem se tornado cada vez mais representativo em nossos fundos. Isso ocorre não porque os outros segmentos têm se tornado menos representativos em nosso deal flow, mas porque a qualidade e variedade das empresas do tipo SaaS têm evoluído substancialmente, assim como nosso conhecimento e conforto em investir neste tipo de startup.
Até o fim do ano, as empresas SaaS permanecerão tão importantes quanto já são para nossa atividade e continuarão representando uma parte relevante do nosso deal flow.
Para concluir
Em suma, o mercado de venture capital deve se comportar em 2023 de maneira similar à com a qual terminou em 2022. Não prevemos grandes guinadas econômicas na indústria de venture capital, nem uma aceleração abrupta da alocação de capital.
Em nossa opinião, os valuations devem permanecer ajustados por meses a fio (possivelmente até o final do ano) até que surjam os primeiros sinais de recuperação de atividade de investimento, o que deve nos conferir uma oferta extensiva de oportunidades de investimento a valuations razoáveis e condições favoráveis de investimento.
Desde o início deste período volátil, rodadas ponte ou extensões têm se tornado cada vez mais populares, visto que as startups têm evitado cortes de valuation prováveis em rodadas de equity.
No entanto, estes instrumentos de captação requerem investidores ágeis e flexíveis, que tomem decisões de investimento rapidamente e que aceitem investir através de notas conversíveis, SAFEs, ou instrumentos similares, que nem sempre são triviais para fundos maiores. Este acaba sendo o cenário perfeito para nós, dada a diminuição da competição, o quanto as condições de investimento estão a nosso favor e a contínua intensidade do deal flow.
Enquanto parte do mercado prefere esperar até que os valuations atinjam o menor nível possível, preferimos garantir o ótimo momento para investimentos e já começamos a aproveitar as excelentes oportunidades que têm surgido nos últimos meses. Desse modo, replicamos a estratégia que adotamos durante a pandemia e que já se provou bem-sucedida, exponencializando o ganho potencial para investidores sem cessarmos nossa atividade de investimento e usando o fator tempo a nosso favor.
André Zogbi é responsável pela atividade de relações com investidores da Mindset Ventures. Formado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Zogbi possui experiência em empreendedorismo e nos mercados financeiro e de investimentos alternativos, tendo passado por instituições como Banco Plural, Pátria Investimentos e XP Investimentos.
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