* Por Ana Paula Prado
Um vídeo postado através da rede TikTok viralizou e popularizou uma expressão até então desconhecida, o “quiet quitting”. Mas afinal qual o significado do termo que expressa em português algo como “desistência silenciosa”?
No vídeo viral em questão, um jovem de Nova York explica o sentido: “você abandona a ideia de se superar no trabalho, continua a cumprir suas obrigações, mas sem aderir à cultura do burnout (esgotamento mental que acometeu a diversos profissionais durante a pandemia do Covid-19) que determina que o trabalho deve ser sua vida. O seu valor enquanto pessoa não é definido pelo seu trabalho”.
A prática seria então, cumprir suas funções, sem acumular novas ou fazer trabalho extra. O método seria uma tentativa de questionar os modelos de trabalhos e estruturas existentes e que foram ampliados no contexto de isolamento social – diluição das fronteiras entre o trabalho e vida pessoal, cobranças profissionais em horários diferentes da carga horária estabelecida e pressões para finalizar trabalhos após o expediente rotineiramente.
O impacto negativo dessas pátrias são confirmados aqui no Brasil, por exemplo, por uma pesquisa divulgada recentemente pelo Infojobs sobre o período pós pandemia, onde 69% dos entrevistados relatam que sentem exaustão física e/ou mental relacionada ao trabalho.
Com a polêmica, houve quem sugerisse um movimento das empresas de “quiet firing”, ou dispensa silenciosa, com congelamentos de promoções ou benefícios para funcionários, induzindo o próprio colaborador a pedir demissão. Por outro lado, há também o entendimento de que, se o profissional comparece todos os dias, cumpre as funções diárias, ele está fazendo seu trabalho. O trabalho extra que algumas pessoas entregam deve ser lido dessa maneira, como trabalho adicional, portanto, seria trabalhar além do acordado.
O cenário de quiet quitting é parte do fenômeno da “grande renúncia” e que levou diversos profissionais a uma demissão em massa em países como Estados Unidos, surtindo efeito também no Brasil. O número de pessoas que voluntariamente se demitiu, ampliou o questionamento sobre o que é prioridade na vida do profissional, aliado ao desejo por mais qualidade de vida, ou uma vida além do trabalho.
Em artigo publicado pelo Harvard Business Review convida gestores a pensarem: “É um problema dos meus funcionários ou da minha gestão ou liderança?” Se estamos falando de uma cultura que espera entregas além, desempenhos excepcionais como regra, enquanto sobram exigências e demandas que extrapolam o limite em que o profissional conseguirá executar com qualidade, essa cultura deve ser questionada, pois é parte do que tem causado ou agravado diversos problemas de saúde mental como ansiedade, pânico ou depressão.
Ao mesmo tempo em que vivemos em uma sociedade de alto desempenho, atribuição de valor à pessoa vinculada a sua capacidade produtiva, muitas vezes ainda faltam aos gestores práticas básicas como uma comunicação assertiva, humana e honesta, a empatia de se colocar no lugar do funcionário ou identificar e distribuir sobrecargas. Um funcionário pode até aguentar entregar atividades excepcionais no curto prazo, mas a longo prazo, o resultado é o que estamos assistindo: o esgotamento emocional dos trabalhadores e grande rotatividade nas empresas.
Mas quais os possíveis caminhos?
Conhecer o trabalho em que os funcionários executam e ter noção do que é possível entregar com qualidade ajuda o gestor a não extrapolar nos pedidos, a negociar prazos melhores com os clientes e na contratação de profissionias suficientes para não sobrecarregar os colaboradores.
É possível ocasionalmente surgir demandas extras, em que determinado funcionário pode ser decisivo para garantir o resultado, mas isso deve ser reconhecido, e até retribuído como hora extra (ainda que seja como banco de horas). O que o funcionário está fazendo a mais, deve ser tratado como algo “a mais” ou além do combinado, portanto, não deve ser usado como referência para um bom trabalho ou que esse trabalho extra seja visto como parte da obrigação do trabalhador.
Diversos países testaram formatos mais flexíveis com menos dias trabalhados (Islândia, França, Dinamarca e até Nova Zelândia para citar alguns exemplos) ou redução da carga horária, no caminho de aliar trabalho ao lazer, qualidade de vida e convívio familiar, tão importantes para o bem-estar do ser humano.
Testar modelos possíveis envolve conversar com a equipe, entender como os funcionários estão se sentindo, rever processos internos e ter um setor de RH ativo, que acompanha e pensa em soluções para as situações mais desafiadoras, pode ser parte do caminho para um trabalho mais saudável para todos.
* Ana Paula Prado é CEO da Infojobs