* Por Fernando Taliberti
Quantas vezes será que tive uma conversa mais ou menos assim quando um de meus desenvolvedores resolveu deixar minha startup?
– Estou saindo da empresa, aceitei uma proposta para trabalhar para uma startup de fora.
– Tem algo que eu possa oferecer que te faria ficar?
– Acho que não. Vou ganhar três vezes o que eu ganho aqui…
Com o crescimento dos investimentos de capital de risco e a proliferação de startups nos últimos anos, a oferta de profissionais de desenvolvimento não acompanhou a demanda e eles começaram a ser disputados a tapas. Muito antes do COVID, quem já trabalhava remoto e sabia inglês, já podia trabalhar para empresas de qualquer parte do mundo. E as empresas que contratavam talentos remotamente também tinham uma vantagem, podiam encontrá-los em qualquer canto.
Com a pandemia, essa possibilidade ficou evidente e hoje quem contrata desenvolvedor sem oferecer trabalho remoto está nadando contra a corrente. Assim, as fronteiras de contratação foram derrubadas. Até mesmo a língua está deixando de ser uma barreira e muitas startups estrangeiras estão aceitando candidatos que não falam inglês e ajudando-os a aprender. Com a vantagem de estar a poucos fuso horários de distância dos Estados Unidos, os “devs” brasileiros têm uma vantagem que faz com que muitos hoje ganhem mais trabalhando para fora que diretores de multinacionais no Brasil.
Mas algumas tendências podem reverter essa enorme seca de talentos de tecnologia e fazer chover na horta de outras carreiras. A primeira delas é o aumento da oferta. Como a procura está tão alta, diversas startups estão surgindo justamente para formar talentos de tech. Esse é um movimento que muito me empolga, pois pode tornar o Brasil um celeiro de bons profissionais “para exportação” e, considerando que a carreira de tecnologia não necessariamente precisa de uma educação universitária, rapidamente contribui para a redução da desigualdade social.
A segunda é a ascensão de ferramentas de “programação sem código”, as chamadas de No Code, ou sua variante com pouco código, Low Code. São ferramentas que vão desde geradores de formulários cada vez mais sofisticados e inteligentes, passando por bancos de dados simples como uma planilha, até ferramentas que integram APIs, bancos de dados e outras ferramentas Low Code. Com elas é possível, literalmente, construir software sem precisar de um desenvolvedor. Para o usuário atento é possível reconhecer startups e grandes empresas usando esse tipo de ferramenta para ganhar velocidade em diversos processos.
Em terceiro lugar, a máquina está aprendendo a programar. OpenAI, um dos mais ambiciosos laboratórios de pesquisa de inteligência artificial criou uma tecnologia chamada Codex, capaz de desenvolver software. Ela já pode criar quase instantaneamente programas capazes, por exemplo, de validar um CEP. Pode ser que essa tecnologia nunca chegue ao ponto de substituir um desenvolvedor completamente, mas certamente ela aumentará sua capacidade e produtividade, ou a de um outro ser humano que consiga dizer a ela o que precisa ser programado.
Aí entra a nova carreira de ouro. Todas essas tendências além de diminuir a escassez de capacidade de construção de software aumentam a importância de uma outra competência: a de definir o que precisa ser desenvolvido. Esta é a competência de um profissional de produto.
“Produteiro” é aquele profissional capaz de ligar a estratégia da empresa ao que precisa ser feito para ela acontecer, até o nível de código. Complexo. Precisa entender de estratégia, de negócios, de métricas de uso, de modelo de negócio, de API, de engajamento, ciência comportamental, um pouquinho de arquitetura de software e lógica de programação. Claro que é impossível achar uma pessoa forte em todas essas áreas, mas não dá para estar entre os melhores sem ser multidisciplinar. Nessa carreira tem oportunidade de formação para uma vida de estudos.
Agora, se você que está lendo isso está nessa carreira, mas olha para um código SQL ou para um JSON e tem urticária, ou acha que está vendo a tela preta com letrinhas verdes caindo, como no filme Matrix, a notícia não é boa. O sucesso na carreira de produto está em ser um pouco mais técnico que isso. Ser capaz de distinguir para qual demanda é necessário um desenvolvedor e ter a capacidade de fazer o resto comandando ferramentas No Code, melhor ainda, Low Code, (ou que tal um Codex da vida), bom, essas sim são competências que fazem o profissional de produto valer seu peso em ouro.
Essa é a carreira do futuro. Ferramentas para construir software serão cada vez mais abundantes. Significa que seu filho não deve fazer aula de programação? Não. Entender a lógica por trás de uma máquina é um importante passo para se tornar um produteiro completo. Mas não basta. Vai ter que aprender sobre negócios, matemática, economia, estratégia, de tudo um pouco. Aí é que será o tesouro de que toda empresa estará atrás.
Fernando Taliberti é empreendedor brasileiro, fundador, mentor e investidor de startup, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, saúde mental, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também possui especialização em Product Growth Marketing pela Tera e mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.