Um dos temas mais quentes neste feriadão de Páscoa é a possibilidade de governos usarem os dados de celular para controlar a movimentação de moradores. A pauta ganhou força com o anúncio de uma parceria do governo de São Paulo com a operadora Vivo – alvo de crescentes críticas nas redes sociais. Alguns perfis de influenciadores digitais, como o empreendedor Tallis Gomes, convocaram seus seguidores com a frase “Doria, quem te autorizou a monitorar meu celular?”.
Em entrevista ao Jornal Nacional, Luiz Eduardo Médici, vice-presidente da Vivo, afirmou que o governo faz uso de dados agregados, mas que não consegue identificar indivíduos. Esse tipo de informação permite ao governo de São Paulo saber, por exemplo, que o isolamento no estado caiu para 47% na sexta-feira, ante uma meta de 70%. No Rio, dados da operadora TIM mostraram, segundo o jornal O Globo, que comunidades como a Rocinha abandonaram o isolamento na sexta-feira.
A discussão sobre o monitoramento em meio à pandemia é uma pauta global, como mostra reportagem da última edição da revista EXAME. A reportagem mostra, por exemplo, como o governo de Taiwan, um dos países mais bem sucedidos no controle do coronavírus, usa de inúmeras armas de monitoramento como a que tem causado polêmica no Brasil.
No começo do ano, o governo de Taiwan, uma ilha a 130 quilômetros da China, determinou uma série de medidas extremas para controlar a propagação da doença. As cinco principais companhias telefônicas de Taiwan foram convocadas a quebrar o sigilo dos usuários em nome da saúde pública. O governo passou a ter acesso a nomes e números de telefone de quase todos os 24 milhões de moradores da ilha, cujos aparelhos devem estar com a geolocalização ativada. A polícia e o Ministério da Saúde recebem, em tempo real, informações sobre o paradeiro das pessoas. Quem infringir as regras da quarentena poderá ser multado em milhares de dólares e corre o risco de ser preso.
China, Coreia do Sul, Israel, Rússia e outros países também têm usado um leque de tecnologias de monitoramento da população diante da ameaça à saúde pública. Uma questão que se coloca para todos os governantes: é legítimo invadir a privacidade dos cidadãos para enfrentar uma pandemia? “Combater o coronavírus exige medidas de guerra, mas não podemos deixar de lado a reflexão sobre valores como a liberdade e a confidencialidade de nossos dados”, diz Albert Fox Cahn, professor de direito na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos.
Em países em que o Estado já ocupa um papel gigante, não houve a menor dúvida de qual seria o caminho a seguir. Na supervigilante China, foi fácil confinar quase 60 milhões de pessoas na província de Hubei, epicentro da covid-19. Mas e no Brasil? “Embora funcione para conter a pandemia, é um sistema de vigilância total”, diz o coreano Jung Won Sonn, professor de desenvolvimento econômico regional na Universidade de Londres, no Reino Unido.
O uso de dados agregados e de forma anônima és uma preocupação generalizada entre as empresas de telefonia para que não corram o risco de infringir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018 e que entrará em vigor em agosto (se não houver adiamento). Com base na legislação análoga europeia, a LGPD prevê multas significativas em casos de vazamento de dados e restringe a captação de informações, que deve ter finalidades justificadas.
No Brasil o tratamento de dados também é citado na recente Lei do Coronavírus, sancionada em fevereiro, que obriga o compartilhamento, entre órgãos públicos, de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou sob suspeita de infecção pelo vírus. Empresas privadas são obrigadas a fornecer dados caso sejam solicitados por uma autoridade sanitária. Ao final desse período, é quase certo que os governos saibam muito mais sobre seus cidadãos do que eles são capazes hoje em dia.