Casa virou sinônimo de academia, escola e até escritório durante a pandemia do coronavírus. As pessoas e as empresas tiveram que se adaptar para esse novo momento e grande parte das operações tiveram a possibilidade de se manter firmes graças à tecnologia.
A Coworking Brasil, plataforma que reúne mais de 600 espaços de coworking no País, realizou uma pesquisa dentro dos espaços que fazem parte da sua comunidade, que contou com 178 coworkings, distribuídos por 15 estados brasileiros.
No início de abril, 68% dos espaços já estavam fechados ao público. No total, 42,4% estão completamente fechados e 26% alegam estar fechados, mas eventualmente recebem a visita de algum coworker. 18% dos espaços permaneceram abertos apenas para membros fixos, sem acesso de visitantes ou eventos.
Quando questionados sobre perspectivas futuras, grande parte dos gestores demonstra empolgação. 35,4% dizem estar ligeiramente otimistas, enquanto 16,3% garantem se sentir muito otimista para o futuro do mercado de coworking. Dentre os motivos, muita gente tem apontado a recente descoberta do trabalho remoto por muitas empresas, o que deve levar a um aumento na demanda por coworkings no futuro.
Para Daniel Schwebel, gerente nacional da Workana no Brasil, a construção da carreira e conceito de ter um emprego deixou de ser o local para onde vamos. Acordar todos os dias, passar 2 horas no trânsito para se deslocar até o escritório, inserir a impressão digital com tolerância máxima de 5 minutos e trabalhar 8 horas consecutivas com 1 hora de almoço, deixou de fazer sentido para muitas pessoas, mesmo que essa descrição de rotina seja o verdadeiro significado de “ir ao trabalho” para muitos.
Com isso, os coworkings, espaços de trabalho compartilhado que ganharam força nos últimos anos, estão sofrendo as consequências e tendo que adaptar seus negócios. Fomos conversar com representantes de diversos coworkings para entender quais foram as principais mudanças e como eles estão se preparando para a retomada.
WeWork
A WeWork é a maior plataforma de espaços de trabalho como serviço do mundo, com clientes em mais de 800 locais, em 140 cidades e 37 países. Seus mais de 660 mil membros representam empresas globais em vários setores, incluindo 38% das 500 empresas da Global Fortune 500.
No Brasil desde 2017, a empresa possui mais de 20 mil membros e unidades em São Paulo (São Paulo, Alphaville, São Bernardo do Campo, Osasco e São José dos Campos), Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Em entrevista ao Startupi, Lucas Mendes, diretor-geral da WeWork no Brasil, conta que a empresa vem monitorando de perto a disseminação do novo coronavírus e implementou uma série de medidas em todas as suas unidades ao longo deste período – desde rotinas de limpezas reforçadas à suspensão de eventos em todas as suas unidades e uma política de trabalho remoto para todos os seus colaboradores, já no início de março.
Em abril, a empresa lançou globalmente a campanha WeWork for Good, que busca contribuir com espaço de trabalho para organizações sem fins lucrativos e entidades governamentais elegíveis que estejam desempenhando um papel ativo no suporte à saúde pública – sejam elas membros ou não da WeWork.
“Como será o futuro quando as pessoas regressarem ao trabalho é algo em que a WeWork vem pensando já há algum tempo. Acreditamos que quando as empresas regressarem ao trabalho, certamente buscarão formas, tanto de ajudar os seus colaboradores a lidar com esse período de transição, quanto de proteger seu ambiente profissional”, destaca.
Inclusive, a WeWork desenvolveu um plano de retorno para o trabalho, com implementação prevista em todas as suas unidades à medida que os governos de cada país iniciarem as ações de retomada das atividades econômicas. Para tanto, a empresa tem adequado as áreas comuns e espaços privativos de seus prédios, buscando garantir padrões elevados de saúde e segurança, alinhados às orientações fornecidas pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos – CDC, pela Organização Mundial da Saúde – OMS e pelas organizações locais de saúde.
A iniciativa foca em três pilares principais: distanciamento profissional, limpeza e sinalização indicativa. No pilar de distanciamento profissional, a WeWork realizou ajustes no design dos os espaços compartilhados, com assentos escalonados e áreas vazias, a fim de manter uma distância física saudável entre membros e colegas de equipe.
Além disso, os novos protocolos de capacidade serão reforçados com sinalizações estrategicamente posicionadas a fim de evitar aglomerações em corredores e áreas comuns. Espaços como cafeterias e recepções, que possuem uma grande movimentação, contarão com sinalizações nas paredes e pisos para que todos mantenham uma distância segura.
“A WeWork é uma empresa global, com mais de 800 unidades globalmente e mais de 100 na China. Por conta disso, pudemos usar muito do que aprendemos com a forma como nossos times locais lidaram com a pandemia para estabelecer nossos novos padrões para quando for possível voltarmos ao escritório nos outros lugares do mundo – entre os quais incluímos o que temos chamado de “distanciamento profissional”, conta Lucas.
Além disso, segundo o executivo, o fator flexibilidade se tornará um valor cada vez mais importante no que diz respeito a espaços de trabalho, incluindo a questão da distribuição geográfica, de forma que empresas não fiquem presas a apenas um edifício e funcionários possam trabalhar mais próximos de suas casas.
“Neste momento, sem nenhuma dúvida, caminhamos para uma nova era dos espaços de trabalho em geral. A proposta de valor da WeWork em termos de espaço de trabalho, especialmente comparada ao restante do mercado de Real Estate corporativo, sempre teve como diferencial a flexibilidade em diversos sentidos – em termos de variedade e possibilidade de espaço, localização, tempo mínimo de contrato, entre outros. Não temos dúvidas de que haverá mudanças permanentes na forma como empresas e profissionais se relacionarão com os espaços de trabalho no mundo pós pandemia, mas enxergamos um grande potencial”.
State
Um dos coworkings pioneiros no Brasil é a Plug.co, fundada por Jorge Pacheco e seus sócios em 2012. O negócio acompanhou todas as mudanças do mercado e hoje está focada somente em São Paulo com duas unidades, uma em Pinheiros e outra na Consolação. Segundo Jorge, eles permanecem com uma comunidade composta 90% por startups e um bom engajamento.
Em entrevista ao Startupi, ele conta que um dos maiores ensinamentos que teve trabalhando nesse mercado é que “o sucesso de um coworking está nas pessoas que nele habitam e em uma operação bem gerida para proporcionar a melhor experiência a elas”.
O que leva para seu trabalho hoje como CEO do State, hub de inovação, empreendedorismo e economia criativa, recém-inaugurado em São Paulo, na Vila Leopoldina.
O projeto tem como inspirações os hubs Station F (Paris), New Lab (NY), AHA FActory (Berlim) e La Nave (Madri) e está inserido em um contexto de desenvolvimento urbano da região, fora dos eixos principais de São Paulo como Avenida Paulista, Faria Lima e Berrini.
O objetivo é abrigar as áreas de inovação das grandes empresas de diversos segmentos e setores, inclusive com maquinários de prototipagem de novos produtos e também startups com soluções para indústria criativa, mobilidade urbana, ciência (deep tech/hard science).
“Com certeza todos os modelos de negócios foram pegos de surpresa e afetados por esta pandemia. De modo geral, todos estamos aprendendo a nos adaptar a uma nova realidade e, por isso, mais do que um coworking, montar ecossistemas de desenvolvimento fazem mais sentido”, destaca.
Jorge conta que desde março o espaço está fechado, mas estão produzindo uma série de lives de interesse dos residentes. Eles também adotaram novas medidas aumentando o espaçamento entre as pessoas e instalaram pias para lavar as mãos e mais estações de álcool em gel em todo o espaço.
Além disso, as catracas do espaço são totalmente automatizadas e controladas pelo celular, assim não é necessário encostar em nada para sair ou entrar do State. Para entrar no toilette, por exemplo, não há a necessidade de abrir e fechar a porta, uma vez que as entradas foram construídas no modelo labirinto.
Jorge também acredita que com a existência de uma vacina contra o vírus, existirá um aumento na procura por coworkings, visto que os gestores estão percebendo que se têm 500 funcionários, não há a necessidade de ter 500 posições efetivas. Eles podem ter 300 de modo rotativo. E os coworkings entram nessa parte de oferecer toda a infraestrutura por um valor mais baixo e em locais de fácil acesso.
“Acredito que estamos longe de falar “o escritório ou coworking perdeu o sentido. Há diferentes tipos de empresas, diferentes áreas nas empresas e diferentes pessoas. Algumas vão preferir home office, outras não veem a hora de voltar a ter uma rotina em escritório. O mesmo com empresas, algumas talvez não voltem a ter sede; outras voltarão ao “normal”; outras reduzirão a presença física; e assim segue. Passada a pandemia e com a existência de uma vacina para o Covid-19, acredito que teremos um aumento na procura por coworkings, visto que é uma solução flexível para empresas manterem um hub para encontros e estações de trabalho para os colaboradores que querem d precisam. Acredito que a maioria das empresas adotará um mix e dará mais liberdade para que as pessoas escolham, de acordo com as limitações por área, a necessidade de presença física”, comenta.
Co.W. Coworking Space
Um estudo da FGV aponta que o home office deve crescer 30% após a crise do coronavírus e é fundamental que os líderes de negócios pensem, testem e compreendam que a tecnologia é, cada vez mais, um ativo humano. O especialista cita como exemplos, o e-commerce e o ensino a distância, que em geral, devem crescer 30% e 100%, respectivamente.
Para Renato Auriemo, sócio-diretor do Co.W. Coworking Space, ainda que esse percentual continue realizando trabalho a distância e não mais alocados nas empresas, os coworkings permanecem sendo uma boa opção para aqueles que não conseguem trabalhar em casa, seja por questões de infraestrutura, concentração, ou por preferir um ambiente mais interativo, onde circulam outras pessoas.
“A pandemia também desenha um cenário no qual, talvez, empresas que ainda não pensavam em migrar para espaços de coworking, comecem a considerar essa possibilidade a partir de agora. Se esses espaços souberem aproveitar essas novas conjunturas, continuarão firmes no mercado”, comenta.
Reanto destaca outro ponto importante: a monetização, uma vez que a base dos coworkings ainda são os aluguéis dos espaços. Segundo ele, é importante se diferenciar dos demais, tanto em relação a um espaço físico que seja inovador, mas também em relação a outros serviços, eventos e ações que venham a agregar para a vida e para o negócio dos residentes.
Nos Co.W., por exemplo, eles promovem diversos eventos para discutir temas atuais do ecossistema. Através da Rede Milkway, os residentes têm acesso a descontos em serviços e produtos de empresas parceiras e eles também oferecem o Built To Suit, serviço que ajuda outras empresas com tudo que ela precisa em termos de imóvel, infraestrutura, mobiliário, além de toda a gestão de facilities como fornecimento de equipes para recepção, limpeza, técnicos em TI, gestão, manutenção ou melhoria da operação.
Durante a pandemia eles criaram um comitê para tratar exclusivamente sobre o tema do coronavírus, e intensificaram as medidas de higiene, com produtos hospitalares trazendo uma limpeza mais eficiente e criaram uma série de informes para conscientizar e alertar a importância das medidas de higiene e distanciamento social.
Eles também incluíram adesivos no chão para que as pessoas mantenham o distanciamento; álcool em gel em todas as portas com controle de acesso e nas áreas comuns; marcaram cada assento das salas de reunião onde não será permitido sentar para evitar aglomeração; as áreas comuns e todos os dispensers foram sinalizados sobre como higienizar as mãos e avisos para evitar aglomerações. Eles também irão disponibilizar máscaras de acrílico e tecido para quem precisar, pois será de uso obrigatório dentro do espaço.
Home office
Uma pesquisa feita pelo OTRS Group, que englobou profissionais da Alemanha, Brasil, Cingapura, EUA, e México, revelou que a grande maioria dos entrevistados (80%) gosta de trabalhar em casa. Apesar disso, 68% disseram que trabalhar em casa era uma situação desconhecida para eles.
A razão mais citada para preferir o home office é salvar o tempo gasto com translado para ter mais tempo para com lazer, 20% no geral e 27% no Brasil. A segunda razão mais citada é a proximidade da família durante o trabalho, 19% no geral e 27% no Brasil .
No geral, os entrevistados que se sentem desconfortáveis trabalhando em casa citaram várias razões para isso: 12% simplesmente preferem ver seus colegas pessoalmente; 11% acham difícil ver em que seus colegas estão trabalhando em home office; 9% perdem os meios apropriados de comunicação e 7% afirmam que sua tecnologia não funciona corretamente. Mas, ao analisar as respostas dos entrevistados brasileiros os números são diferentes: 24% afirmam não ter as ferramentas de comunicação corretas, 21% indicaram problemas com a tecnologia e 16% sentem dificuldade em acompanhar suas próprias tarefas.
A maioria acredita em uma tendência clara para mais digitalização e mais home office
Parece que a maioria dos funcionários não apenas gosta de trabalhar em home office, mas também está convencida de que isso continuará sendo possível no futuro. A maioria dos entrevistados (83%) acredita que a crise do coronavírus abriu uma nova tendência corporativa em direção a mais digitalização e trabalho no escritório doméstico. Uma clara maioria (61%) também é a favor de uma lei que estabeleça o direito ao trabalho em home office, como está sendo discutido atualmente na Alemanha.
Outra pesquisa realizada pelo Capterra, software da consultoria Gartner, detectou que, para 70% dos gerentes, as empresas poderiam funcionar em seu pleno potencial com uma equipe totalmente remota.
O trabalho em home office poderá alcançar 22,8% dos cargos existentes no Brasil, número que corresponde a mais de 20 milhões de pessoas, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Se esse dado se confirmar, o Brasil se torna o 45º em um ranking de 86 países que adotam o trabalho remoto elaborado por estudiosos da Universidade de Chicago e que usou a mesma metodologia do Ipea. Ao considerar os países da América Latina, o Brasil ficaria em segundo lugar.
A pesquisa analisou cerca de 434 ocupações existentes no mercado de trabalho brasileiro e concluiu que 25% dessas atividades poderiam ser realizadas de casa.
“Temos convicção de que nada substitui o contato e interações que acontecem nos espaços físicos, que inclusive já renderam muitas parcerias e negócios, mas sem dúvida, quando pudermos voltar aos escritórios, teremos condições de maximizar nosso impacto contando também com as novas ferramentas que desenvolvemos nesse período”, finaliza Lucas Mendes, diretor-geral da WeWork no Brasil.