Recentemente um artigo num blog gerou algum burburinho. Entitulado Eu queria tanto trabalhar na Apple, agora nem tanto, o artigo é um desabafo do autor do blog. O resumo de tudo é que, segundo sua opinião, seu chefe o tratava – e a sua equipe – muito mal, ao ponto dele simplesmente largar tudo e ir embora.
As discussões mais genéricas, obviamente, vão ao lado de como a Apple deve ser mesmo um lugar horrível de se trabalhar, que a hierarquia mais alta possivelmente ainda exercita o lendário “estilo Steve Jobs” de chutar as pessoas para obter resultado. Alguns até chegam a dizer “É por isso que a única saída é empreender, seguir seus próprios sonhos sem um chefe como esse pisando em você.”
E esse é o ponto deste artigo. Por causa do atual frenesi em torno de startups, essa é uma atitude que eu vejo com frequência cada vez maior.
Me deixe colocar em perspectiva a comum reclamação sobre chefes. Nenhum chefe que você já encontrou, o que você acha o pior dos piores, se equipararia a Henry Clay Frick, responsável pelas operações das empresas de aço do lendário Andrew Carnegie. As condições de trabalho no final do século XIX eram bem ruim. Talvez nem as piores condições atuais se equiparam ao pior daquela época. E, mais do que isso, muitos dos grandes magnatas industrialistas dessa época, incluindo Carnegie, Rockefeller, Vanderbilt e muitos outros exploraram ativamente os trabalhadores ao nível da miséria. Um exemplo de onde as coisas chegaram foi quando aconteceu a famosa Greve de Homestead. O resultado? Nove trabalhadores mortos e onze feridos.
Acredite, você não gostaria de ter alguém como Frick como seu chefe.
Obviamente esse foi um exemplo extremo e não quer dizer que não existam chefes realmente ruins hoje. Vou restringir o contexto somente ao mundo das tech startups de que somos parte hoje, não vou falar sobre serviços públicos, militares ou outras áreas periférias a esse contexto.
A grande diferença de hoje e da época de Carnegie é que hoje existem opções. Antigamente, ou você suportava péssimas condições de trabalho a péssimos pagamentos ou sua outra única escolha era viver na miséria, sem nenhum emprego. Hoje, qualquer bom profissional tem muitas opções. Pessoas entrando e saindo de empresas acontecem centenas de vezes, em centenas de empresas, diariamente. Basta ver a proliferação e comoditização de sites de emprego e recrutamento.
Se você é um estudante, ou recém-graduado, entenda uma verdade absoluta: você é igual a todas as centenas de pessoas que se formaram junto com você e ingressam no mercado do trabalho todos os dias. O primeiro emprego é sempre difícil. Não só o primeiro, mas o segundo, terceiro e talvez mais. O que você “acha” que tem capacidade para fazer não vale absolutamente nada até você ter uma sequência de resultados concretos para demonstrar isso. É o que chamamos de currículo.
Já ouvi muitos jovens dizerem coisas como “Preciso mudar de emprego, não estou aprendendo mais nada aqui.” Se você está na mesma empresa por 10 anos, certamente já passou da hora. No primeiro, segundo ano? É uma enorme bobagem. Não é a empresa que não tem nada a lhe ensinar, é você que não quer aprender. Um programador, por exemplo, não tem como única atribuição “programar”. Em agosto de 2013 escrevi que a coisa mais difícil para um Engenheiro de Software é entender que problemas de software muitas vezes não encontram soluções em software. Aprender a negociar, se comunicar de forma que os outros entendam, saber gerenciar expectativas, como trabalhar em equipes, como convencer os outros de que suas idéias são boas.
Ou seja, muitas coisas que nada tem a ver com código. E isso vale pra qualquer profissão, seja você um designer, um escritor, um cozinheiro, ou mesmo um piloto de corrida. Todos precisam aprender e praticar essas capacidades se quiserem crescer.
Existem algumas frases-feitas repetidas a esmo como “Não vale a pena viver o sonho de outros sendo funcionário em uma empresa”. De fato, se o pensamento é esse, melhor pedir demissão. Uma empresa não é uma caridade, ela existe para ter lucro, não para ser babá de funcionário. E a menos que estejamos falando de uma organização sem fins lucrativos, nenhum funcionário está trabalhando como voluntário não-remunerado. Entre empresa e funcionário existe um contrato de trabalho. Ambos concordaram com os termos, se não concorda, não aceite. Se aceitou, cumpra. Se acha que a situação mudou, renegocie. E renegociar significa uma opção: a empresa pode rejeitar. Se não está satisfeito, peça demissão, cumpra os termos até o fim e saia como qualquer bom profissional. Abandonar uma posição, como descrito no blog, é uma quebra de contrato unilateral. Está errado.
Você tem diversos motivos para estar num emprego: tem o salário para pagar suas contas no fim do mês – assumindo que já tomou vergonha na cara e parou de parasitar papai e mamãe. Mas tem o aprendizado: você tem a oportunidade de estar sendo pago não só para cumprir suas responsabilidades mas explorar muito mais que as empresas estabelecidas já aprenderam e você pode absorver “de graça”. Cada crítica negativa que você recebe, cada reclamação, é uma chance de aprimorar algo que você nem sabia que não tinha. “No pain, no gain.”
O próprio fato de você achar dificuldade em encontrar outra empresa que o contrate demonstra que ainda lhe falta capacidades. Outra frase comum de ouvir é “Eu faria mais, mas ninguém me dá uma chance (ou me paga mais).” Se já se ouviu dizendo isso, você ainda tem muito a aprender. E até mesmo para ser um empreendedor essa é a coisa mais básica: ninguém nunca vai lhe dar qualquer coisa de graça, tudo é uma troca voluntária para mútuo benefício. Se não há benefício, não tem negócio.
E vou lhes dizer qual é o pior lugar do mundo para se aprender tudo isso: na sua própria primeira empresa. O resultado mais comum quando alguém totalmente inexperiente resolve abrir sua própria empresa? É se tornar exatamente o tipo de chefe que foi descrito, segundo o autor do blog que trabalhou na Apple.
PS: existem diversas formas do autor do blog ter resolvido seu problema interno. Uma empresa do tamanho da Apple, com mais de 80 mil funcionários, certamente tem não um, mas diversos caminhos para resolver problemas. Não saber encontrá-los só demonstra que ainda falta muito a aprender. Afinal, quem tem boca vai a Roma.