* Por Paulo Lazári
Para sair do papel, os projetos das jovens empresas de base tecnológica – as startups – muitas vezes dependem do apoio de investidores-anjos. Recebem esse nome porque é exatamente isso o que representam para os empreendedores nessa fase: são pessoas (normalmente profissionais maduros e experientes nas suas áreas de atuação) que acreditam no potencial do negócio. E que, por isso, intercederão por ele no que estiver ao alcance da sua expertise, de seu círculo de relacionamento e da sua capacidade financeira.
A crise desencadeada pela pandemia do coronavírus, no entanto, trouxe à tona o papel de outra figura importante dentro do ecossistema de inovação: o cliente-anjo. É como ficaram conhecidas as grandes empresas que firmam parcerias com startups para desenvolver um projeto-piloto, para testar uma nova solução ou para criar algo do zero, sob demanda.
Em alguns casos, esse tipo de iniciativa é desenhada na forma de um programa estruturado e recorrente de corporate venture, como já fizeram a petroquímica Braskem, o banco Santander ou o gigante da tecnologia Google. Em outros, acontece de maneira orgânica, conforme as necessidades das organizações encontram respaldo nas ofertas das startups com as quais mantém relacionamento de alguma maneira.
Enxergo os clientes-anjos, de forma geral, como grandes aliados das empresas nascentes. Normalmente, as parcerias preveem benefícios mútuos. Destacam-se os arranjos em que as grandes corporações adiantam os recursos de que as startups precisam para desenvolver os produtos e serviços, assegurando a sua capacidade operacional e financeira por alguns meses ou até anos. Nos tempos “normais”, isso representa um fluxo de caixa recorrente e previsível, o que é um ativo e tanto para quem está começando.
Já em tempos de pandemia, parcerias desse tipo podem marcar a diferença entre uma startup continuar viva ou simplesmente deixar de operar. A instabilidade gerada pelo alastramento do coronavírus afastou os consumidores de modo geral, sejam eles finais ou corporativos. Investidores-anjos, na sua maioria, também aguardam o desenrolar da crise para tomar novas decisões em um terreno menos pantanoso.
Os clientes-anjos, por sua vez, com a devida calibragem nos acordos que mantêm com as startups, são um arrimo que se manteve – e que é indispensável neste momento. Elas seguem fornecendo um palco em que é possível testar a pertinência, a usabilidade e a eficiência dos produtos ou serviços que estão sendo desenvolvidos. Em alguma medida, oferecem a segurança e o feedback de que os empreendedores precisam para poderem se dedicar ao desenvolvimento com afinco. Mais tarde, quando a situação estabilizar, certamente chegarão ao mercado com uma solução muito mais madura e mais preparados para engrenar as operações.
Existem, é claro, desafios nesse modelo de relacionamento. Em certas situações, a presença de um cliente-anjo pode minar o que há de mais especial em um novo negócio: a capacidade criativa, a disposição para arriscar e a vontade de ganhar o mundo. Em outras, o apoio financeiro pode virar dependência, o que mais atrapalha do que ajuda. Arranjos em que só um lado (o mais forte) se beneficia também não são raros, embora não exatamente os mais abundantes. Acredito que, no balanço entre prós e contras, perceberemos no futuro que muitos clientes-anjos foram fundamentais para que a inovação seguisse o seu curso mesmo durante esta pandemia. E esse é um legado que o ecossistema há de reconhecer.
* Paulo Lazári é cofundador e CEO da Recrutei, startup que desenvolve uma plataforma de recrutamento e seleção.