* Por Sérgio Fernandes
O mercado dos games está sofrendo uma constante mudança no que diz respeito à interação das empresas com o seu consumidor. Antigamente, o mercado era ditado pelo conceito de Pay To Play, que transmutou por 3 momentos. No primeiro, o consumidor fazia a aquisição da mídia física do jogo e o “zerava”. Após isso, o consumidor passava a procurar um novo produto que fosse gerar uma nova experiência para atender ao seu desejo de jogar. Mesmo no caso de um blockbuster como o 007 GoldenEye (lançado pela desenvolvedora Rare em 1997 para Nintendo 64), a empresa que fabricava o jogo ficava refém de uma história com começo, meio e fim, o que não gerava nenhum tipo de conexão mais forte entre a marca e o seu usuário.
Surge, então, o segundo momento desse mercado, em que as empresas desenvolvedoras passaram a buscar um modo de interagir mais com seus jogadores. Com isso, quem ganhou os holofotes foram os MMO’s (Massively Multiplayer Online Game). Foi o início das experiências online e, assim, os jogadores puderam adentrar uma experiência de conquistar mundos e viver um desafio novo a cada dia, rompendo com o paradigma de “zerar” um jogo e posteriormente abandoná-lo.
O surgimento desse novo cenário permitiu com que jogos como Ragnarok fossem planejados, de modo com que o usuário passasse a adquirir o jogo de forma gratuita, mas tendo de pagar uma mensalidade para jogá-lo. O jogo se passava em um mundo com diversos mapas e possibilidades, com locais onde o jogador poderia ir sozinho e procurar por itens que o deixariam mais “fortes”, assim como localidades para ir em grupo. Conforme o jogador se tornava mais forte, ele conseguia transitar em novas áreas, o que fazia com que o jogo oferecesse uma experiência nova a cada dia.
Em 2006, um ano após seu lançamento, Ragnarok era considerado uma febre nacional no Brasil. Somava-se um total de 350 mil jogadores e 30 mil usuários ativos, que pagavam uma mensalidade de 15 reais. A conquista do nível 99 representava a força máxima de seu personagem, sendo que mesmo usuários com mais de 10 horas diárias levariam mais de um ano para atingir este nível. E, mesmo após essa conquista, o jogo seguiu propondo inovações e interações, como guerras entre clãs e até casamento entre os personagens.
Mesmo com o sucesso dos jogos de MMO, as empresas queriam buscar novas formas de rentabilizar ainda mais seus jogos. Surgiu, então, o termo que seria o fim dessa onda. O Pay To Win gerou uma revolta na comunidade dos gamers, pois um jogador comum com muitas horas de dedicação, geralmente perdia para um jogador que usufruiu de dinheiro para pegar um atalho e passar na frente dos outros. Não foi necessário muito para que a modalidade fosse engolida pelas críticas dos usuários, que pouco a pouco abandonavam as plataformas online com essa característica. De uma forma quase intencional, o mercado lançou um desafio de desenvolver jogos que conseguissem estar sempre inovando e gerando conteúdo, mas sem fazer com que os jogadores pudessem ter vantagens financeiras. Aqui vale um paralelo com algo difundido na época por Dave Grohl, líder da banda Foo Fighters.
Ao ser questionado sobre ter suas músicas divulgadas de forma gratuita, Grohl trouxe o relato de que uma vez que sua música ganhe capilaridade, ele conseguiria aumentar sua base de fãs, resultando em um aumento de público nos shows (que custam 5 vezes mais o valor de um CD). Os desenvolvedores compartilharam deste conceito, surgindo, então, uma estratégia que dominou o mercado moderno do universo gamer. O Free To Play chegou para ficar e, de forma avassaladora, conquistou grande parte da fatia do mercado sem cobrar 1 real para que seus consumidores tivessem acesso aos jogos – e sem cometer o erro do Pay To Win. Mas como essas empresas e seus jogos apresentam faturamentos que chegam na casa de bilhões de dólares?
A exemplo de jogos como Free Fire (US$ 2,13 bilhões de receita em 2020) ou League Of Legends (US$ 1,75 bilhões), a estratégia foi criar um ambiente em que o jogador pudesse criar um diferencial estético. Para o leigo no assunto, podemos dizer que a “moda” tomou conta dos games, e inclusive se tornou motivo de piada para os não entendedores. “Você gasta dinheiro com roupa para esse boneco?” foi um tipo de questionamento muito ouvido por gamers. Pois então, essa tal “roupa” é a chamada Skin, e foi o que tornou possível a um jogo gratuito faturar US$ 1,75 bilhões em 2020. O LOL (League Of Legends) tem grande parte do seu faturamento atrelado à venda de uma moeda virtual, em que seu usuário pode usufruir de seus RPs (RiotPoints) para comprar Skins de seu personagem. Quanto maior a raridade da Skin, maior o seu preço na loja, e chegam a custar R$ 80, aproximadamente.
Essa iniciativa conquistou o mercado, e hoje diversos modelos de jogos aderiram a essa customização. Os jogos de FPS (First-Person Shooters) expandiram essa customização não só para os personagens, mas também para alterações gráficas em armas, veículos e efeitos sonoros. A franquia Call of Duty lançou em março de 2020 o jogo Warzone, surfando a onda da popularidade da modalidade de Battle Royale que dominou o mercado com jogos como FreeFire e PUBG. O Warzone foi lançado no mercado com o conceito de free to play, contando apenas com as micro transações dentro do jogo. Após um ano de seu lançamento, a empresa revela um faturamento que chega na casa dos US$ 3 bilhões, que também incluem o faturamento na plataforma Mobile e o aumento das vendas do jogo Modern Warfare. A empresa detentora dos diretos do jogo relatou que mais de 200 milhões de pessoas jogaram algum jogo da franquia nesse período.
Com isso concluímos que as empresas conseguiram encontrar uma forma de monetizar o “gamer” sem lhe oferecer nenhum tipo de vantagem durante os jogos. O diferencial fica pela oportunidade que ele tem de customizar seu personagem, armas, veículos e outros artigos. A interação se tornou uma forma de fidelizar o usuário com o jogo, que se sente parte daquele universo, com seus personagens customizados e “Skins” raras, que chegam a ser leiloadas por R$ 100 mil.
Hoje conseguimos identificar como esse mercado é volátil e exigente. Desde seu começo, o gamer sempre buscou uma forma de se conectar com os desenvolvedores dos jogos e se mostrou um consumidor com forte poder de opinião, a ponto de acabar com um jogo blockbuster ou redirecionar o mercado para suas vontades. É possível afirmar que a tendência de ofertar um produto (game) gratuito, com adicionais dentro do jogo e com alta capacidade de customização veio para ficar. Prova disso está no modo Battle Royale gratuito no novo BattleField desenvolvido pela EA Sports, historicamente uma empresa com postura contrária aos modos free to play. Mas a aparente harmonia momentânea entre consumidores e desenvolvedoras segue enquanto o cenário não for atropelado por um novo movimento disruptivo e inesperado.
* Sérgio Fernandes é executivo comercial da OutField Consulting