O tradicional mercado da construção civil e imobiliário, sempre cheio de ciclos de alta e baixa, tem vivido uma grande transformação nos últimos 10 anos, pelo menos. De forma lenta e consistente, esses dois segmentos viram na tecnologia uma forma de se remodelar e fortalecer, o que se provou muito útil durante a pandemia.
Os recentes movimentos, como o aporte de US$ 425 milhões na Loft, a compra da Fix pela Tempo Assist por R$ 210 milhões e o aporte na CondoConta de R$ 6,6 milhões, reforçam a tese de aquecimento do mercado. Segundo Marcus Anselmo, managing partner da Terracotta Ventures, empresa de venture capital especializada em startups voltadas à cadeia da construção civil e ao mercado imobiliário, há seis anos o movimento de inovação das construtechs e proptechs começaram a surgir e a transformar esses segmentos.
“Estamos prestes a viver, pela primeira vez, um ciclo de alta com adoção de uma transformação digital. Novas tecnologias e modelos de negócio podem ampliar margens, que reinvestidas, reforçam o crescimento. Isso pode mudar definitivamente a estrutura de ciclos destes mercados”, afirma.
Atualmente, o ecossistema de inovação na construção civil e no mercado imobiliário reúne mais de 800 startups no Brasil, com um crescimento de 281% nos últimos três anos, segundo o Mapa das Construtechs e Proptechs 2020. Trata-se do mais completo levantamento do país sobre o segmento, produzido anualmente pela própria Terracotta Ventures. “A multiplicação do número de startups e de recursos destinados a elas são um termômetro do interesse que o setor desperta. Há uma visão muito clara de que é possível fazer mais, melhor e com maior eficiência no setor, que, em muitos casos, preserva um mindset tradicional”, avalia.
Prestes a completar dois anos de operação, a empresa atraiu investidores como a Gerdau, Cyrela e companhias de várias regiões do país, além de “family offices”, interessada na tese de investimento focada em tecnologia no setor de construção e mercado imobiliário.
“Nossa missão é apoiar empreendedores capazes de desenvolver negócios escaláveis que transformem a indústria da construção, ainda repleta de ineficiências e, justamente por isso, também cheia de possibilidades”, diz Bruno Loreto, Managing Partner da Terracotta Ventures.
Nos próximos quatro anos, a Terracotta investirá R$ 100 milhões em até 20 startups por meio do Terracotta Warriors I, veículo que realizará os aportes em construtechs e proptechs.
O que pode ser esperar para 2021
Segundo Marcus Anselmo, o mercado internacional é sempre um bom parâmetro para o que podemos esperar no Brasil. O universo das construtechs e proptechs no exterior está iniciando um estágio de crescimento exponencial que vai impactar o setor nos próximos anos. “No Brasil, estamos ao menos oito anos atrás nesse processo, em relação a cenários como o americano, isso mostra que o por aqui o jogo está só começando, não só no que diz respeito aos investimentos, mas também no surgimento de novas teses e oportunidades”, afirma.
Bruno Loreto destaca que, a cada semana, novas empresas avançam em suas rodadas séries C, D, E, ou mesmo abertura de capital. “A onda dos SPACs (Special-Purpose Acquisition Company – empresa de aquisição de propósito específico) também chegou a esse mercado, já são ao menos cinco veículos criados focados em tecnologia para o setor de construção e imobiliário”, diz.
Loreto ressalta que o mercado ainda terá a movimentação das Corporate Ventures Capital, onde mais empresas tradicionais irão lançar seus fundos de investimento ou ingressar em veículos como da Terracotta. Além das operações de M&A (Fusões e Aquisições) que devem se tornar cada vez mais frequentes, como já vem acontecendo desde o ano passado.
Com as proptechs, o executivo afirma que este ano é esperado o fortalecimento do segmento de real estate as a service, empresas que desenvolvem o ativo imobiliário com foco na renda, e oferecem experiência e serviço agregado, buscando tornar o acesso a moradia fácil e flexível. “Devemos ainda ver mais empresas se tornando Real Estate Fintechs. Algumas com negócios inovadores e disruptivos, outras seguindo a tendência de “fintechzação”, que já vimos em outros setores”, completa.
Já no mercado de transação imobiliária, a expectativa é ver startups expandindo nacionalmente e desenvolvendo modelos alternativos para competir com empresas já estabelecidas como Loft e Quinto Andar, algumas delas talvez focando em segmentos específicos do mercado imobiliário e tipos de produtos.
Maturidade e novas soluções
Olhando para o lado das construtechs, Marcus Anselmo destaca que um movimento curioso está acontecendo. Plataformas de softwares, que vão desde a concepção do empreendimento até a assistência técnica, já podem ser vistas no Brasil. “Se você olhar para o Mapa das Construtechs e Proptechs de 2020, temos empresas especializadas em diversas categorias dos segmentos, para cada etapa de trabalho”. Essas startups possuem níveis diferentes de maturidade, mas entregam soluções inovadoras para um mercado com constante demanda.
Uma construtech que está presente neste levantamento é a Prevision, plataforma para gestão eficiente em obras. A Startup foi fundada em 2017 por Paula Lunardelli (CEO), Yan Bedin (COO) e Thiago Senhorinha (CTO), com o objetivo de resolver as dores de gestão enfrentadas por construtoras, como constantes interferências nos planejamentos e cenários de crise. A empresa foi protagonista na aplicação de conceitos Lean Construction no planejamento de obras e a eficiência trazida para as construtoras tem sido a base de desenvolvimento da solução.
A ideia nasceu do canteiro de obras e logo conquistou um espaço no ecossistema de startups de Santa Catarina. Em dois anos após a criação de um Produto Mínimo Viável (MVP), os fundadores mergulharam no universo de startups e a Prevision fez uma captação da Rede de Investidores Anjo (RIA) do estado e da Vedacit Soluções Tecnológicas (TRUTEC). Além disso, integrou o programa Scale-up Endeavor Construtech, grupo que compõe as empresas de mais alto crescimento do segmento.
Atualmente, a empresa está presente em mais de 600 obras espalhadas em 16 estados brasileiros, além de um projeto internacional. Paula Lunardelli acredita que esse crescimento e constante sucesso da startup não aconteceram por acaso: “O mercado da construção civil tem muita ineficiência, baixo nível de maturidade e de digitalização. Mas também há crescimento de demanda, que foi consolidado na pandemia. O movimento da construção enxuta está cada vez mais forte e a Prevision já se posiciona como líder de mercado com tecnologias alinhadas aos métodos mais eficientes de gestão. É preciso focar em retorno sobre investimento e em soluções escaláveis e necessárias para o setor”.
Sendo CEO de uma dentre as mais de 700 construtechs e proptechs existentes no Brasil, Paula Lunardelli acredita que a maturidade da maioria das startups é o que as separam de serem reconhecidas por investidores internacionais e de viabilizar suas tecnologias, além de poucas conexões entre os dois grupos. “Eu sempre digo que precisamos ensinar e aprender uns com os outros, em busca de desenvolvimento e conexões. Como exemplo, posso citar a Vertical Construtech, uma iniciativa da ACATE (Associação Catarinense de Tecnologia), que fortalece empresas de tecnologia no setor da construção civil no estado, para atender o mercado brasileiro. O grupo foi criado em 2018 com a direção do Marcus Anselmo e, desde 2019, sou a diretora”, conta.
Das mais de 12 mil empresas da ACATE, a Vertical Construtech representa 30 construtechs e é um exemplo de ecossistema com troca de conhecimentos e desenvolvimentos. Esse tipo de hub ajuda novos empreendedores a transformarem ideias em soluções inovadoras e escaláveis. O setor da construção civil é muito conservador e, mesmo assim, as startups estão reinventando o mercado. Esse movimento pode ser percebido pelo volume de startups que surgem no setor, mas também, como a tecnologia é vista pelas corporações mais tradicionais.
Em uma visão global, os investimentos em construtechs reduziram aproximadamente 25% no ano passado, mas as perspectivas para 2021 são positivas. A construção tem se mostrado mais resiliente do que em crises anteriores e crescido mesmo com as adversidades, e isto se soma ao momento de extrema atratividade da tecnologia nas estratégias das corporações. Este cenário se aplica ao mercado de Venture Capital mas também às oportunidades de Corporate Venture Capital que tem dado os primeiros passos certos no segmento no Brasil. “As soluções tecnológicas que nós, startups, criamos, podem ser uma resposta para fortalecer e abrir novos caminhos inimagináveis pelos olhos de corporações tradicionais”, complementa Paula.
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