* Por Fernando Taliberti
A “inteligência artificial artificial criou” já é uma afirmação um tanto surpreendente. Não seria a habilidade criativa uma virtude humana insubstituível pela máquina?
E se a máquina de repente passou a criar também, isso poderia significar uma nova ameaça para uma categoria inteira de trabalhadores criativos?
Estávamos acostumados a enxergar a máquina como uma ameaça para quem exerce atividades mecânicas e repetitivas. Por isso cabe olhar esse potencial com uma atenção extra.
Pedi a uma IA, a MidJourney, para desenhar o futuro do trabalho. Apenas isso. Eis o que ela criou:
Para entendermos o que isso significa para o futuro do trabalho, é bom lembrar que o que nos diferencia dos outros animais é principalmente nossa capacidade de criar e usar tecnologia e ferramentas.
“Bicicletas para a mente” é uma famosa definição de Steve Jobs para seus computadores. As ferramentas nos potencializaram a fazer coisas incríveis, mas também nos limitaram. Como? No âmbito artístico que está em discussão, por exemplo, os sons que produzimos estão limitados pelos instrumentos que temos à disposição.
Será mesmo que não existem tons diferentes de “Dó” entre duas oitavas de um piano. O quanto a pintura de um quadro é viabilizada e o quanto ela é limitada pelo pincel, pela tela e pelas tintas?
A máquina está trazendo novas possibilidades, novas ferramentas com uma outra dimensão de potencial. É fácil ficar assustado e resistente, mas vale entender como funciona antes de tirar conclusões.
A MidJourney é invocada através de uma ferramenta de chat, o Discord. Isso por si só já chama atenção, pois ela está calcada em outra ferramenta e não foi preciso pensar em uma interface gráfica, que dirá dar a ela um corpo de “robô pintor”.
Para pedir uma imagem digita-se “/imagine prompt:” e o que essa imagem deve conter. No meu exemplo, “Future of Work”. Depois que ela gera um conjunto de quatro imagens é possível pedir uma ampliação de uma delas, um novo conjunto pensado do zero ou variações de uma das quatro.
Assim, estamos usando a ferramenta para gerar uma imagem como queremos. Para desenhar para a gente. E estamos dando feedback para o algoritmo aprender com seus erros e acertos.
Ou seja, a IA é um recurso para atingirmos nossos objetivos. É muito diferente de um motor mecânico, que deve fazer sempre exatamente o previsto, caso contrário está com defeito e deve ser reparado.
Também é diferente de animais, que foram usados como recursos de trabalho por muito tempo e ainda são. Pense em um porco que caça trufas ou um cão policial que fareja drogas. Eles são bem menos previsíveis e precisam ser motivados por reforço positivo.
A IA é uma nova categoria de ferramenta e usá-la será uma capacidade necessária para as empresas e seus profissionais se manterem competitivos daqui para a frente.
Mas elas vão substituir os trabalhadores? Inclusive trabalhadores criativos? Bem, o que a tecnologia fez até hoje através de inovações sucessivas, foi tornar o trabalho cada vez mais intelectual, menos manual e mais desafiador.
Com tantos livros e filmes apocalípticos sobre inteligência artificial somos provocados a pensar se essa é apenas mais uma tecnologia fazendo o trabalho evoluir.
Não me parece uma simples evolução incremental, mas sim uma mudança de paradigma. Porém quebrar as máquinas, como ludistas no século XVIII, não vai impedir essa mudança de acontecer.
Não adianta culpá-las, nem temê-las. O que adianta? Nos prepararmos para esse futuro. Isso passa por criar uma força de trabalho muito mais preparada.
Se hoje já existe desemprego entre as camadas menos educadas da população e inúmeras vagas abertas para as mais qualificadas, a grande questão é: como conseguiremos, como sociedade, nos preparar para o futuro do trabalho que a inteligência artificial está “criando”?
Certamente ele vai exigir muito mais qualificação dos trabalhadores. Qualquer que seja o caminho, passa por um grande investimento em educação.
Fernando Taliberti é cofundador e CEO da Pannacotta. É mentor de startups, escritor e palestrante com foco em futuro do trabalho e inovação na gestão. Formado em Engenharia de Produção pela UFRJ, possui mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.