* Por Sofia Gancedo
Entre as múltiplas consequências da pandemia, uma passou um pouco despercebida: o freio no avanço da igualdade de gênero. O Fórum Econômico Mundial divulgou um relatório afirmando que a lacuna global de gênero aumentou em uma geração e que levará cerca de 276 anos para ser fechada. Isso se deve basicamente ao fato de as mulheres ocuparem os setores mais afetados pelos fechamentos e medidas de restrição que, embora existam profissionais mais qualificados, há, ainda, um desequilíbrio em cargos de chefia.
Em termos de gênero, o documento mostra um crescimento muito lento em alguns mercados. Um exemplo claro é o da tecnologia, no qual as mulheres constituem apenas 14% da força de trabalho.
A tecnologia já é uma pedra angular em diferentes indústrias e setores e pode se tornar um aliado muito valioso no esforço de resolver o problema da disparidade de gênero. “Se queremos uma economia futura dinâmica, é vital que as mulheres estejam representadas nos empregos de amanhã”, disse Sadia Saahiri, diretora-geral do Fórum Econômico Mundial, quando o relatório foi apresentado.
O caminho para a incorporação das mulheres no setor tem seus desafios. Na Argentina, por exemplo, uma das poucas indústrias que gera empregos genuínos é a da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC): de fato, faltam talentos para atender a demanda. O problema é que entre os perfis profissionais, apenas 23% são de mulheres, de acordo com especialistas no programa Equal ICT da Huawei.
No Brasil, somente 26% das vagas no setor são ocupadas por elas, segundo levantamento feito pelo InfoJobs. De todas as mulheres que trabalham com tecnologia, apenas 2% estão em cargos de diretoria – a maior parte, 66%, não ultrapassa o cargo de analista.
A oportunidade perdida para nós pode ser agravada se levarmos em conta que, segundo a International Data Corporation, que 65% do PIB mundial será digitalizado em 2022 e que a indústria de TIC crescerá 7,7% em dólares na América Latina durante 2021 .
Por isso é fundamental buscar alternativas, e uma luz de esperança surge com as Fintechs, empresas do setor financeiro que usam a tecnologia para inovar. Na América Latina, de acordo com um estudo da Finnovista e do BID, as mulheres que lideram ou fazem parte da equipe de gestão representam 35%. Número que ganha relevância se o compararmos com a média global, que indica que apenas 7% dos empresários financeiros são mulheres.
Dados da Fintech Deep Dive, em parceria com a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), corroboram com essa realidade e apontam que apenas 7% das fintechs brasileiras foram fundadas por mulheres, sendo que 93% dessas novas empresas de tecnologia e serviços financeiros estão nas regiões sul e sudeste do País.
Isso, sem dúvida, reforça que é uma das indústrias de tecnologia com maior potencial na região para promover a igualdade de gênero no âmbito profissional. Não apenas para o presente, mas para a projeção: as empresas fintech se tornaram um boom diante das restrições de mobilidade e estão ansiosas por recrutar talentos.
Por sua vez, essas tecnologias financeiras geram externalidades positivas para as mulheres. Segundo o Banco Mundial, 51% deles têm conta em banco, apenas 12% economizam e 20% têm crédito. Na Argentina, o número é mais chocante: apenas 5% economizam e 2,9% acessam microcréditos. A partir daí, ter ferramentas ágeis e acessíveis de independência financeira e inclusão passa a ser fundamental.
Em um contexto de tantas incertezas, em que a pandemia atinge as indústrias, a tecnologia se apresenta como uma das poucas certezas. E pode ser a maneira de diminuir alguns dos outros danos transcendentais que a Covid-19 nos trouxe, como o freio no processo rumo à igualdade de gênero.
As fintechs revelam números que projetam um futuro encorajador, desde que sejam levadas ao próximo nível. Dessa forma, podem ser uma alternativa para uma economia mais diversificada e inclusiva.
* Sofia Gancedo é COO de Bricksave e licenciada em Administração de Empresas pela Universidade de San Andrés e mestre em Economia pela Eseade.