*Por Arthur Buzatto
O Brasil é um país repleto de desafios sociais e, justamente por isso, há um mar de oportunidades para empreendedores que buscam soluções inovadoras para transformar realidades. Desde a educação, moradia, até a saúde, temos espaço de sobra para iniciativas que realmente podem mudar o cenário nacional. No entanto, se essas oportunidades são tão evidentes, por que negócios de impacto social enfrentam tantas barreiras para acessar capital? Na minha experiência como gestor no setor educacional, existe uma série de entraves para tanto.
Vamos começar pela situação macroeconômica. No Brasil, estamos lidando com uma taxa Selic nas alturas, de dois dígitos, que deve permanecer assim por algum tempo. Importante esclarecer que a taxa de juros é um remédio contra a inflação e se estabelece por diversas razões, de modo que ela é uma ferramenta de proteção da economia como um todo. Mas, como tudo na vida, há consequências. Qualquer investidor, seja uma pessoa física ou um family office, está mais inclinado – por exemplo – a optar por investimentos conservadores ancorados no CDI em um cenário como este. Não faz sentido aplicar o capital em um negócio de risco (incluindo os de impacto social), se ele pode investir em algo com muito menos risco e retornos garantidos.
Mesmo assim, operações com capital de risco continuam acontecendo em nosso país e (teoricamente) existe uma série de caminhos que podem conectar o negócio de impacto social ao capital. Vamos começar pelo óbvio: Fundos de Impacto Social. A verdade é que, no papel, eles parecem ser os mais adequados, mas na prática, acabam usando os mesmos critérios que um fundo de Venture Capital comum – que busca o perfil clássico de startups em estágio inicial com alto potencial de escala, asset light, pautado em tecnologia e com um quadro de acionistas enxuto, centrado na figura do founder. Operações de economia real com de retorno de longo prazo estão fora do radar deles (ao menos, prioritariamente).
Analisando mais a fundo, é importante destacar que, via de regra, empreendedores do mundo Venture Capital estão olhando para soluções da borda, colaterais, até porque, para os problemas centrais, já tem gente boa, inteligente, grande, pensando e fazendo. De fato, as melhores oportunidades estão no entorno mesmo. No entanto, quando falamos de problemas sociais, os problemas são centrais, são os problemas grandes. Mas, muitas vezes, os empreendedores referendados pelo acesso ao capital estão focando, mesmo em áreas de problemas sociais, em soluções colaterais, em problemas de borda. E isso não faz sentido (novamente, ao menos, não de forma prioritária).
Ou seja, o impacto social, que deveria ser o diferencial, não pesa tanto quanto deveria na hora de investir. O fato é que há uma concorrência com iniciativas que afirmam ter relevância social, mas que, na prática, não têm. Por exemplo, plataformas de tecnologia ou de gestão financeira que otimizam a
gestão de escolas, ou outras operações B2B que, embora não impactem direto no aluno, vendem a ideia de que estão promovendo o desenvolvimento educacional, desafogando a escola e deixando seus profissionais focados no seu core business. Narrativa é tudo, não é mesmo? Resumo: ao invés de investir na escola de fato, estes fundos investem em um meio de pagamento para imprimir o boleto da mensalidade da escola. Ou seja, fundos VC e fundos de impacto social, em tese, são quase a mesma coisa.
Passemos para as próximas alternativas, então.
Fundos de Private Equity, por sua vez, geralmente trabalham com investimentos na casa de 50 milhões de dólares para cima, geralmente, uma proporção muito grande para um negócio de impacto social estruturante em fase de captação.
Vale lembrar, ainda, que iniciativas de impacto social estruturante concorrem diretamente com a filantropia, uma confusão que não deveria existir, mas existe. Isso porque o capital filantrópico está muito mais focado em iniciativas voltadas para a extrema pobreza e projetos humanitários imediatos. Algo na linha “deixa eu ajudar quem está precisando agora” – ainda que, muitas vezes, com um foco estruturante. É claro que devemos apoiar a filantropia, mas se apenas dedicarmos recursos para apagar o incêndio, não vamos evitar que ele aconteça. Mas não só: uma coisa é doação, outra coisa – igualmente valiosa num contexto de Brasil – são projetos de retorno com capacidade de impacto. Precisamos de escolas de qualidade, hospitais de qualidade, de incentivo concreto e constante ao esporte. Isso vai ajudar a sanar os problemas de forma concreta.
Desse modo, voltamos para o início: investidores pessoas físicas e family offices. Eles são os únicos com alguma possibilidade de compreender a engrenagem necessária para a construção de um verdadeiro negócio de impacto social, ainda que com todas as adversidades inerentes ao cenário macroeconômico. Investidores estratégicos entendem o que estamos fazendo e sabem o valor que estamos gerando. Eles estão dispostos a apostar em iniciativas que o mercado ainda não enxerga como altamente lucrativas. É importante reconhecer a relevância dessas pessoas, como o Roberto Klabin, que praticamente banca o combate ao fogo no Pantanal e ainda tem dificuldade em encontrar recursos de terceiros e parceiros para continuar seu trabalho de conservação.
Para que negócios de impacto social no Brasil possam acessar capital de forma mais fluida, precisamos de investidores que vejam além do retorno financeiro imediato e que estejam dispostos a apostar em um crescimento sustentável e de longo prazo. Além disso, é crucial que o setor de fundos voltados a esse tipo de iniciativa no país amadureça e comece a valorizar, de fato, os projetos que fazem a diferença na vida das pessoas.
*Arthur Buzatto é formado em Direito pela Fundação Getúlio Vargas, Membro da Diretoria e do Conselho de Administração da Associação Umane e presidente e mantenedor da Vereda.
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