* Por Rodrigo Miranda
Para boa parte dos empreendedores, a empresa que criaram é uma filha. Você cuida, se dedica, faz com que ela cresça, alcança resultados e reconhecimento. E então alguém bate na porta e faz uma proposta que pode mudar tudo.
Você provavelmente estava esperando por isso. Pode sentir que é mesmo hora de vender e enxerga um potencial enorme no futuro da sua bebê e, por isso, decide assinar o contrato.
Às vezes, tudo dá certo e o acordo realmente prospera, junto com todos os sócios e equipes envolvidas. Outras vezes, a realidade destrói o sonho.
No mundo dos M&As não faltam histórias de parcerias que viraram um verdadeiro inferno — earn-out impossível de alcançar, falta de comunicação e alinhamento, choques de cultura, conflitos judiciais e daí para baixo. Tem gente que vendeu por milhões e saiu com poucos milhares, tem quem foi demitido da própria companhia, tem processos acontecendo há anos para tentar resolver pelo menos alguma parte do problema.
Pode haver más intenções envolvidas? Pode. Mas, de qualquer forma, alguns cuidados durante o período antes do fechamento do acordo poderiam evitar toda a dor de cabeça, nem que fosse deixando a venda de lado.
O fato é que a empresa não é sua filha: é um negócio, e isso significa que é preciso ter uma visão fria e afiada sobre o que você espera e o que está disposto a ceder para que ele se fortaleça.
Quer aprender a construir esse olhar? Então continue lendo.
M&A 101: primeiros passos
O seu trabalho começa antes mesmo de algum comprador se mostrar interessado. Antes de tudo, é imprescindível definir metas. Como você vai saber se uma oferta é boa se não houver nenhum parâmetro para pesá-la?
Essa meta é inteiramente variável de acordo com seus próprios objetivos. Mesmo o valor não pode ser determinado por mais ninguém, porque o que é muito dinheiro para um não é para outro. E o que vem atrelado a ele também possui pesos diferentes. Por exemplo, se você quer continuar à frente do negócio, se esse é seu propósito de vida, e o acordo não contempla isso, será que compensa? No fim, o dinheiro tem que valer a pena.
As contas a serem feitas colocam tudo isso na balança, bem como os números em si, em toda sua volatilidade. Em outras palavras, o risco também tem um peso, e dos grandes. Será que vem mais dinheiro na venda agora ou se você continuar como acionista e vivendo do fluxo de caixa? Será que as previsões de crescimento são acertadas o bastante para negar um M&A neste momento e esperar algo melhor no futuro? É arriscado e faz parte do jogo.
Por isso, definir metas ajuda a ter foco e a não se perder na loucura da indecisão. Elas podem ser totalmente pessoais, aliás. Quer chegar aos 35 anos com X no banco, e a proposta contempla isso? Tudo bem. Quer aumentar seu patrimônio ao longo do tempo, indefinidamente? Então a análise é outra — e por aí vai.
Além disso, quando o comprador chega, ainda há mais uma coisa a fazer antes mesmo de agendar a reunião: pesquisar a reputação. Se for uma companhia que já comprou outras empresas, procure saber como foi, conversar com empreendedores que passaram pelo processo. Não fique apenas nas percepções que o site e o LinkedIn te transmitem; pode ter certeza que eles vão contar todas as vantagens, mas só. Busque pelo que acontece na prática. Aí, sim, é hora de se preparar para negociar.
Todas as partes envolvidas são burras
Não tem orientação mais importante para uma negociação dessa magnitude do que essa: tenha uma assessoria. Todas as partes interessadas no acordo são burras — com o perdão da palavra — porque têm visões limitadas das possibilidades e dos desafios. Portanto, ter alguém de fora assessorando o processo vai ajudar muito a garantir as melhores condições e a evitar erros.
Mesmo com o assessor, não esqueça que a negociação é uma sedução (dos dois lados). Você vai ouvir e fazer promessas, se gabar e ouvir um monte sobre as conquistas do comprador, e pode até receber presentes e mimos, como jantares pagos e experiências caras. Não é nenhum problema, mas não deixe a guarda abaixar. Tenha consciência do que está acontecendo e aproveite o processo com atenção.
Ao negociar, ainda que todos os detalhes exijam prudência, alguns critérios merecem uma discussão mais aprofundada:
- Preço e formato de pagamento
O valor oferecido é o ponto principal, claro, mas além de bater esse número com suas metas, também é preciso considerar a forma de pagamento. Pode ser até mais importante, na verdade. Imagine, por exemplo, que você teve a escolha de vender seu negócio para a Magalu anos atrás. Teria sido melhor vender por R$ 500 mil diretamente, ou aceitar R$ 10 milhões em ações? Não dá para prever o futuro, mas considere todos os caminhos que se abrem (e fecham) com o formato proposto. Procure também deixar a menor quantidade possível para ser recebida depois.
- Earn-out
O modelo mais comum de pagamento a prazo nos M&As é o earn-out, que consiste no estabelecimento de metas ao longo de um certo período, e o pagamento vem em partes de acordo com o alcance desses objetivos. Aqui, é importantíssimo analisar a viabilidade das metas, o tempo hábil que seu negócio terá para cumpri-las, o que será preciso para chegar lá e o quanto disso depende de recursos que o comprador terá que providenciar. Você tem que garantir que o earn-out não se volte contra você.
- Potencial de crescimento dentro da empresa
O quanto você poderia continuar crescendo, como empreendedor e líder, dentro da nova ordem das coisas? Muitos compradores dirão que haverá espaço garantido para você lá dentro, mas é uma boa ideia ter exemplos concretos. No caso de um histórico de M&As da parte deles, verifique o que aconteceu com os outros empresários. Converse sobre a criação de um plano, um caminho certo a ser seguido. Nunca é demais ter mais segurança no futuro.
- Período e detalhes da integração
A integração da sua empresa com o comprador leva tempo. São diferentes equipes, processos e culturas se mesclando, e é bem possível que um jeito de fazer as coisas se sobreponha a outro. É importante saber onde ceder e onde bater o pé — considerando que o maior sempre tem vantagem. Mais do que isso, é fundamental estabelecer o que é esperado desse período: quando determinados movimentos devem ocorrer? Quais recursos serão necessários, das duas partes, para isso? Com quem fica quais responsabilidades? O prazo do earn-out começa a valer durante ou depois da integração? Tudo deve ser negociado.
- Pedido de pilotos e testes
Alguns compradores pedem por pilotos e testes do seu produto ou serviço. É preciso muito cuidado para não confundir uma relação de possível sociedade com uma relação de prestação de serviço. É um clássico: eles pedem para que você ofereça sua solução de graça aqui ou ali, ou que invista (sozinho) para testar uma nova abordagem, e o acordo acaba nem indo para frente. No fim, você gastou tempo e dinheiro em um momento que não havia nada concreto na mesa. Se for uma fase mais avançada da negociação, com papel e caneta na mão, é possível conversar sobre isso. Se não, lembre-se: a energia do seu negócio é limitada, tem preço, e não é barata.
- Resolução de conflitos
Nenhum noivo gosta de falar sobre divórcio, mas algumas coisas precisam ficar claras desde o começo. Definir os termos de resolução no caso de conflitos futuros pode salvar a sua pele de maneiras colossais. Arbitragem é o método mais comum, e pode facilmente exigir milhões e levar alguns anos para ser completada. Conta garantia (ou conta escrow) é outra possibilidade, na qual o dinheiro a ser recebido fica sob tutela de um banco, mas também é uma opção cara. Alternativas mais econômicas podem incluir uma câmara de mediação antes da arbitragem, que é bem mais barata e ágil, ou negociar um teto para arcar com os custos da arbitragem, se for o caso. O melhor, realmente, é ter pouco a receber para que o conflito nem mesmo compense — por isso vale a pena brigar pelo antecipamento da maior parte possível do pagamento. De qualquer modo, não deixe de definir previamente como a resolução deve ocorrer.
- Registro
Tudo o que foi dito acima e tudo mais que for dito entre você e o comprador deve ser registrado. É comum que vários detalhes passem batido, porque as negociações acontecem ao longo de meses; são muitas conversas. Não precisa colocar cada vírgula no papel a todo momento, mas é vital ter algum tipo de registro, mesmo que seja por e-mail ou aplicativos de mensagem. Essa é uma segurança que pode fazer muita diferença lá na frente.
Deu ruim. E agora?
A fusão aconteceu, o tempo passou e o negócio desandou. O que você ainda pode fazer?
Não é uma situação fácil. O primeiro conselho é tentar, ao máximo, resolver na conversa. Se foram definidas maneiras de alcançar a diretoria, você deve conseguir falar com quem fechou o negócio com você. Isso não acontece o tempo todo — é muito comum que o dia a dia da operação se dê com pessoas totalmente diferentes, e isso pode ser uma das razões para os problemas. Mas, ao solicitar uma reunião para tratar do assunto, você deve conseguir falar com quem toma as decisões, e isso pode resolver algumas questões.
Se não for o caso, é preciso analisar o tamanho da briga que existe ali. Como já dito, a arbitragem é cara, e pode não ser o último passo; a empresa compradora pode não aceitar o resultado e exigir que vocês se desloquem para o caminho legal, que será ainda mais caro e demorado. Lembre-se que grandes companhias possuem estratégias fortes de advocacia, com os melhores escritórios do país ao seu lado. Uma vitória na esfera judicial é difícil e muitas vezes não vale a pena.
Isso significa que você não deve tentar? Não necessariamente. Se você tem como bancar a briga e o valor compensa, pode fazer sentido. Mas não tem porque gastar dois milhões para brigar por quatro, e ainda correr o risco de ter que pagar os custos da outra parte, no caso de derrota.
Por isso, o ideal é identificar o que é possível ceder e adaptar. Quando o problema é na integração, problemas de cultura e processos naturalmente vão surgir, mas não precisam significar um conflito maior. A sua equipe pode se adequar, como também pode sugerir outros caminhos e conseguir uma mudança.
Já um problema comum que pode atrapalhar todo o acordo é a falta de recursos para alcance das metas de earn-out, ou mesmo exigências que desviam o foco e a energia do negócio para chegar lá. Por isso é tão importante ter tudo detalhado no contrato: se a compradora prometeu providenciar meios para auxiliar no seu crescimento, isso deve estar escrito. Se você requer um período de X anos para bater a meta com atenção completa, sem trabalhos à parte, isso deve estar escrito.
Se não estiver, a conversa continua sendo a melhor saída. Além disso, perceber esses problemas no começo pode ajudar, antes que se torne uma bola de neve. Lembre-se: nem sempre é uma questão de más intenções. A compradora é grande, possui diversos negócios rodando ao mesmo tempo, e quem está em contato direto com você não necessariamente conhece todos os termos do acordo. Você é quem precisa ficar atento ao seu negócio o tempo todo.
A verdade é que toda negociação de M&A é um alinhamento ou desalinhamento de expectativas. Cautela é essencial, mas não é só sobre isso. É sobre saber o que você quer, entender o que eles querem, e encontrar um meio termo. Depois de vender a empresa, as coisas vão inevitavelmente mudar, e isso não precisa ser ruim. Lembre-se: ela não é sua filha. Tá tudo bem deixar as coisas seguirem sua trajetória.
AS 10 DICAS PARA NEGOCIAR O M&A DA SUA EMPRESA
- Sempre tenha um advisor e um advogado de confiança para acompanhar a negociação
- Registre e documente tudo que for combinado
- Minimize pagamentos futuros o quanto for possível
- Negocie previamente detalhes como títulos de cargos, quem estará à frente das operações diárias, entre outros
- Negocie um período de carência para a integração até o earn-out começar a valer
- Insira um mecanismo de mediação antes da arbitragem
- Solicitar reunião semestral com a diretoria para alinhamento
- Provisionar casos de possível demissão, fraudes, corrupção ou outras situações que impeçam o alcance do earn-out
- Definir soluções para o caso de layoffs e outros impactos durante a integração
- Definir um teto de valor para o caso de arbitragem
* Rodrigo Miranda, Forbes Under 30, é CEO e fundador da VPx Company, empresa com foco em educação executiva e consultoria estratégica. Fundou, também, outras três startups no varejo brasileiro – Zaitt, Shipp (atualmente Americanas Delivery), Packk – e ao longo de três anos, realizou o exit de todas para gigantes brasileiras: Sapore SA e Americanas SA.