No último ano, os investimentos em startups dobraram em comparação a 2020 no Brasil. Enquanto no ano de 2020 foram investidos US$ 3,5 bilhões em empresas de tecnologia, em2021 foram investidos quase US$ 9,5 bilhões, segundo dados da plataforma de inovação Distrito.
Mesmo com as expectativas altas para 2022, muitos empreendedores ainda têm dúvidas sobre os processos de captação, o que fazer para atrair investidores e preparar um pitch matador para ter o tão merecido “sim”.
Para ajudá-los nesse processo, convidamos dois advogados especialistas em direito empresarial, Rafael Peixoto Abal e Pedro Henrique Moritz Stodieck, da área de tecnologia do Baptista Luz Advogados para comentar o assunto.
Por onde começar?
Primeiro de tudo, é importante avaliar se a empresa precisa mesmo receber esse investimento, e ter um produto ou serviço já validado pelo mercado. Após a análise é necessário estabelecer o valuation, ou seja, saber quanto ela vale e por quanto será vendida. “Essa avaliação deve ser feita por um profissional qualificado, que irá estabelecer um valor justo, a fim de não vender uma participação alta por um preço baixo, ou por um valor além do que o mercado considera apropriado, o que pode afastar os investidores”, pontua o advogado Pedro.
O próximo passo é verificar se a empresa está regularmente constituída, e se ela e os sócios não possuem nenhuma dívida ou pendência que possa prejudicar o pleno funcionamento das atividades da empresa. “Qualquer pessoa física ou jurídica antes de fazer um investimento exigirá um processo de due diligence jurídica e contábil”, lembra Rafael, sócio do Baptista Luz Advogados. Neste procedimento, serão avaliados os contratos envolvendo a empresa, certidões fiscais e judiciais, declarações contábeis, entre outros. Essa “investigação”, via de regra, é realizada por advogados e contadores.
Como escolher o investimento e o investidor?
Escolher o investidor é fundamental, afinal, eles terão uma pequena participação da empresa e poderão, no futuro, tornarem-se sócios. “Uma boa apresentação da startup enviada para o maior número de investidores. Neste ponto, é essencial ter em mente em qual fase sua empresa se encontra e de quanto ela precisa, para que possa direcionar a sua busca aos investidores adequados”, afirma Pedro. Esses investidores podem ser familiares, amigos, investidores-anjo profissionais, aceleradoras de startups, fundos de investimentos, bancos, empresas.
A fase que os investidores costumam chamar de “Pré-Seed” ocorre quando a startup está validando o seu produto ou serviço, e precisa de mais investimento para desenvolve-lo e disponibiliza-lo ao mercado. “Nesta etapa os investimentos variam entre R$ 100 mil e R$ 300 mil, e os investidores costumam ser pessoas muito próximas dos empreendedores, em razão do estágio em que se encontra startup. São pessoas que possuem referências do negócio e acreditam no seu potencial, sem ter acesso a números sólidos”, acredita Pedro.
A etapa seguinte é chamada de “Série Seed” ou “Semente”, quando a empresa já está em operação, possui receita e equipe formada. Os aportes recebidos servem para dar escala ao produto ou serviço e aceleração do negócio. “Os investimentos oscilam entre R$ 300 mil e R$ 2 milhões e, na grande maioria das vezes, são realizados por grupos de investidores-anjo ou aceleradoras de startups. E em razão do funcionamento da empresa, já existem números concretos para apresentar aos investidores, gerando mais segurança”, acrescenta Pedro.
Os investimentos superiores a R$ 2 milhões são as rodadas de Séries A, B e C. Nesse estágio a empresa já fez seu nome no mercado e busca o investimento para atingir novas classes e faixas de consumidores, com o lançamento de novos produtos, aquisições de outras empresas para aumentar seu portfólio e diminuir a concorrência ou até para chegar em outros países. Em razão do valor, os investimentos de Séries A, B ou C são realizados por fundos de Venture Capital e Private Equity e a rodada de investimentos Series C, geralmente, antecede a abertura de capital na bolsa de valores.
Rafael ressalta que não há uma regra com relação aos valores de cada fase, que podem sofrer variação a depender do mercado em que a startup está inserida ou do seu porte.
Para encontrar o investidor ideal em cada etapa a forma mais conhecida é o tradicional networking. É preciso estar onde os investidores estão, fazer a empresa aparecer, participar de associações de empresas de tecnologia onde grupos de investidores-anjo atuam ou se inscrever em processos seletivos de aceleradoras de startups, bancos e empresas também são formas de buscar os investidores.
Qual contrato usar para o investimento?
Sobre os contratos que serão ofertados, os mais utilizados de acordo com os especialistas são o Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária e o Contrato de Participação. “Existem outros tipos também, como o Contrato de Opção de Subscrição de Quotas ou Ações, Contrato de Opção de Compra de Quotas ou Ações ou Debênture Conversível, porém primeiros são mais comuns para as empresas nas fases iniciais”, esclarece Pedro.
O Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária, em resumo, é um empréstimo, fornecido pelo investidor à sociedade, que, em troca, pagará o valor acrescido de correção monetária ou receberá um percentual das quotas ou ações da sociedade. O Contrato de Mútuo está previsto no Código Civil, então pode-se dizer que o Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária é um contrato atípico. No documento serão definidas a correção monetária em caso de pagamento da quantia, a participação garantida ao investidor em caso de conversão, data para pagamento ou conversão, hipóteses de vencimento antecipado da dívida, regras de conversão, eventos de liquidez, entre outros.
Uma das vantagens do Contrato de Mútuo Conversível em face ao Contrato de Participação, é que o Mútuo Conversível não prevê uma limitação no retorno. “As partes podem pactuar, por exemplo, que o pagamento do mútuo se dará com juros e atualização monetária, o que, na pior das hipóteses, ainda garante aos investidores um retorno superior ao previsto no Contrato de Participação”, explica Rafael.
Também é bastante comum que o Contrato de Mútuo Conversível estabeleça a solidariedade dos sócios em caso de pagamento do mútuo, além de cláusulas que garantam aos investidores que a sociedade seguirá corretamente com suas atividades, ao vincular, por exemplo, que o valor aportado não poderá ser utilizado em determinadas hipóteses.
Outros pontos que os investidores costumam exigir em contratos desta natureza são a cláusula de não concorrência dos sócios, direitos de preferência aos investidores sobre novos aportes ou sobre a participação dos sócios, direito de veto sobre determinadas deliberações etc.
O Contrato de Participação, por sua vez, ou Contrato de Investimento-Anjo, está previsto na Lei Complementar 155/16, com alterações propostas pela Lei Complementar 182/2021, também conhecido como Marco Legal das Startups. “Este possui aspectos específicos, trazendo alguns pontos positivos e outros negativos às empresas e aos investidores, de modo que cada situação deve ser sempre avaliada”, comenta Pedro.
Um dos primeiros pontos diz respeito a não integração do investidor-anjo no quadro societário da empresa. Assim, a partir de 2017, os investidores deixaram de partilhar os lucros, mas também deixaram de ter participação nos prejuízos – o que é de extrema relevância com relação aos investimentos em startups, já que costumam ser investimentos de alto retorno e, consequentemente, alto risco. Outra previsão legal foi no sentido de que o dinheiro aportado deixa de integrar o capital da empresa, de modo que a mesma não precisa alterar seu regime tributário – em regra, o Simples Nacional.
O Contrato de Participação também tem prazo mínimo para resgate de dois anos e estabelece um prazo máximo de sete anos, para retorno da quantia investida aos investidores. O documento prevê a conversão em participação societária, mas o resgate nunca poderá ser superior ao valor investido acrescido de índice de correção monetária pactuado entre as partes. “Para ser vantajoso ao investidor e para que este receba um retorno considerável ao investimento, o ideal é que ele converta a participação, ingressando como sócio na empresa. No entanto, na grande maioria das vezes, não é isso que os investidores querem”, aponta Rafael.
Essas exigências legais acabam por tornar o Contrato de Participação pouco utilizado, tendo em vista que acaba limitando os ganhos dos investidores. Assim, optam realizar o investimento por meio do Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária. Mas, para os especialistas, cada situação deve ser sempre avaliada pelas partes ponto de vista financeiro, societário ou tributário com acompanhamento profissional.
Para conferir a primeira matéria desta série do Startupi, clique aqui! O último entrevistado foi o CEO da Chilli Beans, Caito Maia.
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