* Por Gustavo Pires Ribeiro
O título desse artigo contém dois termos que até pouco tempo era pouco conhecidos da população em geral. A Covid-19, nome da doença causa pelo coronavírus, ficou globalmente popular após a questão de saúde pública originária da China atingir status de pandemia, com a declaração da Organização Mundial de Saúde- OMS. Já o earn-out (ou complemento de preço) continua sendo um termo em inglês familiar somente daqueles que atuam no setor de fusões e aquisições ou já participaram de uma transação de M&A como comprador ou vendedor.
Mas afinal, qual é a relação existente entre esses dois termos? Se eles forem analisados de forma isolada, não há conexão alguma, são termos utilizados na área da saúde e de negócios, respectivamente.
Ocorre que, se analisarmos a pandemia da Covid-19 como um evento econômico, e não apenas sanitário, conseguimos visualizar com certa facilidade os impactos que a doença está causando na economia local e global, decorrentes recomendações da OMS e das autoridades de saúde locais para o controle do avanço da pandemia, e das restrições que estão sendo impostas a diversos setores para evitar a circulação e aglomeração de pessoas. Somado a isso, ainda há grande incerteza sobre o que acontecerá no futuro.
Se no mercado especulativo nós estamos acompanhando as bolsas de valores de todo o mundo literalmente “derreterem” nas últimas semanas – no Brasil o índice Ibovespa caiu mais de 30% desde o início de Março – começam a ser divulgados números de economia “real” que mostram forte retração da atividade econômica nos países onde as medidas de controle da pandemia foram mais severas, como China e Itália, por exemplo.
O fato é que a grande maioria da comunidade empresarial, no Brasil em especial, não tinha uma crise de tamanha proporção no radar, e muitas empresas simplesmente não estavam preparadas para o momento atual e as dificuldades que ainda virão com o desenrolar desse problema de magnitude global.
Os efeitos desse cenário no setor de fusões e aquisições não serão diferentes do que já ocorreu em crises anteriores: durante e após a tempestade surgirão oportunidades de aquisição e consolidação, ou seja, empresas mudarão de mãos. Quem serão as sobreviventes? As empresas dos setores que forem menos afetados pela pandemia e que tiverem maior robustez de caixa. Quem serão as empresas vendidas?
Aquelas que não tiverem condições de suportar grande queda do seu fluxo de caixa, algumas por períodos menores do que outras. Apesar do momento de incerteza, não é difícil prever que empresas dos segmentos do turismo e do entretenimento, apenas para citar alguns, sofrerão fortemente (como já estão sofrendo) os impactos do coronavírus.
Tudo bem, mas onde a cláusula de earn-out entra nessa estória toda? Explico: haverá empresas com bons fundamentos econômicos, se analisarmos o período anterior a pandemia da Covid-19, que terão de ser vendidas pela falta de liquidez (ou caixa). Ocorre que muitas dessas empresas conseguirão se recuperar nos meses e anos seguintes ao término da pandemia, e os seus atuais proprietários, na medida do possível e cabível, exigirão que essa perspectiva de recuperação seja considerada no valor a ser pago pela empresa. Esse complemento de preço, fundamentado no desempenho futuro e incerto de uma empresa, é o que se denomina por earn-out.
Usualmente o earn-out é utilizado nas transações em que o vendedor da empresa permanece na gestão dessa por um período de transição de curto ou médio prazo. Porém, existem transações em que esse complemento de preço é acordado sem que seja exigida tal permanência.
O grande ponto de atenção é que estabelecer metas ou gatilhos para o pagamento do earn-out é uma das tarefas mais complexas numa transação de compra e venda de empresa, dado que o comprador, via de regra, quer ter total autonomia na gestão da sociedade adquirida, enquanto o vendedor terá o seu complemento de preço condicionado a atingimento de determinados indicadores, usualmente financeiros, que serão diretamente impactados pelas ações da nova gestão.
Dito isto, a grande recomendação para os empresários que decidirem por (ou forem forçados à) vender as suas empresas, é que seja estudada com cautela a estruturação do pagamento da transação com a inclusão de earn-out. O que pode no primeiro momento parecer como uma boa oportunidade para receber uma bolada futura, pode revelar-se posteriormente como objeto de uma complicada disputa com o comprador.
* Gustavo Pires Ribeiro é sócio da Área Corporativa do Marins Bertoldi Advogados.