* Por Rafael Gonçalves de Albuquerque
Considerando os desafios impostos às companhias abertas pela pandemia causada pela covid-19, a CVM e o DREI estão propondo novas medidas para sociedades anônimas abertas e fechadas, com o objetivo de estabelecer condições para que as companhias realizem assembleias inteiramente por meio remoto, autorizando sua realização por meios virtuais e digitais.
Tanto a CVM quanto o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), abriram consulta pública sobre a regulamentação da participação e votação a distância em assembleias e reuniões de acionistas com consequentes normas publicadas a respeito.
Na Instrução CVM 622, de 17 de abril de 2020, podem-se destacar alguns pontos relevantes:
1. As companhias podem definir o prazo de antecedência para que o acionista deposite os documentos mencionados no anúncio de convocação, que poderão ser apresentados por meio de protocolo digital. Contudo, a companhia poderá exigir do acionista que pretende participar pelo sistema eletrônico, o depósito dos documentos em até 2 dias antes da data de realização da assembleia.
2. Se a presença do administrador ou pessoa nas assembleias for obrigatória, estes poderão participar a distância nas reuniões realizadas parcial ou exclusivamente de modo digital, sendo que, o presidente da mesa e o secretário poderão registrar em ata a presença dos acionistas.
3. A CVM incluiu a definição das assembleias realizadas de modo parcialmente digital, sendo que, neste modelo, a reunião poderá ocorrer fora da sede da companhia, em caráter excepcional.
Sobre o sistema eletrônico, a companhia que o disponibilizar deve diligenciar para que o sistema assegure o registro de presença dos acionistas e dos respectivos votos, e, na hipótese de participação a distância, assegura no mínimo:
I – a possibilidade de manifestação e de acesso simultâneo a documentos apresentados durante a assembleia que não tenham sido disponibilizados anteriormente;
II – a gravação integral da assembleia; e
III – a possibilidade de comunicação entre acionistas.
Caso a companhia disponibilize sistema eletrônico para participação a distância na assembleia, a companhia deve dar ao acionista as seguintes alternativas:
I – de simplesmente participar da assembleia, tenha ou não enviado boletim de voto a distância; ou
II – de participar e votar na assembleia, observando-se que, quanto ao acionista que já tenha enviado o boletim de voto a distância e que, caso queira, vote na assembleia, todas as instruções de voto recebidas por meio de boletim de voto a distância para aquele acionista, identificado por meio do número de sua inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, devem ser desconsideradas.
Convergindo com a CVM, a Instrução Normativa DREI nº 79/2020 prevê, em seus principais pontos, que:
– Reuniões ou assembleias podem ser realizadas de forma semipresencial ou híbrida, quando forem realizadas em local físico com a possibilidade de participação e voto a distância de acionistas, sócios e associados interessados e digitais quando forem realizadas inteira e unicamente de forma remota, a distância, sendo que, a participação e a votação a distância dos acionistas, sócios ou associados poderá ocorrer mediante o envio de Boletim de Voto a Distância e/ou mediante atuação remota, via sistema eletrônico;
– Em quaisquer casos deve-se obedecer às normas atinentes ao Registro Público de Empresas quanto à convocação, instalação, deliberação e registro, conforme a legislação aplicável ao respectivo tipo societário, bem como deverão manter arquivados todos os documentos relativos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital, bem como a gravação integral dela, pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la;
– A sociedade poderá contratar terceiros para administrar o processamento das informações nas reuniões ou assembleias semipresenciais e virtuais em seu nome, contudo, permanecendo a sociedade responsável pelo cumprimento das disposições na instrução normativa editada pelo DREI. A sociedade, contudo, não poderá ser responsabilizada por problemas decorrentes dos equipamentos de informática ou da conexão à rede mundial de computadores dos acionistas, sócios ou associados, assim como por quaisquer outras situações que não estejam sob o seu controle;
– Para implementação do sistema eletrônico, a companhia deve adotar sistema e tecnologia acessíveis para que todos os acionistas, sócios ou associados participem e votem a distância na assembleia ou reunião semipresencial ou digital;
– Serão considerados presentes, para todos os efeitos legais, os acionistas que, pessoalmente ou por meio de representante, registrarem sua presença no sistema eletrônico de participação e voto a distância disponibilizado pela sociedade;
– O registro de presença poderá ser realizado por assinatura eletrônica por meio do certificado digital emitido por entidade credenciada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, ou qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica;
– Na hipótese da ata da reunião ou assembleia não ser elaborada em documento físico: (i) as assinaturas deverão ser feitas por meio de assinatura eletrônica realizada com certificado digital; e (ii) devem ser assegurados meios para que ela possa ser impressa em papel, de forma legível e a qualquer momento, por quaisquer acionistas, sócios ou associados interessados.
Em suma, percebe-se que o entendimento da CVM e DREI é de que não compete aos órgãos definir todos os passos que deverão ser tomados pelas empresas, cabendo a cada uma lidar com a curva de aprendizado nas próximas temporadas.
Diante do cenário nebuloso e da influência de investidores institucionais e proxy advisors (consultorias de orientação de voto) em favor da participação presencial nas assembleias, conclui-se que a adesão ao modelo híbrido ou virtual, neste ano de 2020, pode ainda ser baixa.
Observa-se no mercado um relativo consenso de que a busca pela segurança jurídica deve predominar, mantendo-se o modelo presencial, com a adoção de medidas sanitárias de mitigação de riscos e ainda com o incentivo do uso do Boletim de Voto a Distância (BVD) e com as regulamentações da nova Instrução Normativa do DREI e da CVM.
Em sentido semelhante, outros países também adotam o voto a distância, enquanto outros ainda estão reticentes quanto ao futuro, como pode-se depreender dos cenários abaixo:
Estados Unidos da América: com o advento da covid-19, após a verificação da permissão da assembleia virtual pela lei estadual e pelo estatuto da empresa, a alteração de uma assembleia anual presencial para uma assembleia virtual ou híbrida, exige que a empresa tome medidas adicionais para notificar adequadamente os acionistas e cumprir as obrigações de arquivamento e lei estadual da SEC, levando em consideração o Guia de Coronavírus da SEC.
China: as bolsas de valores chinesas de Shenzhen (SZSE) e Xangai (SSE) permitiram que as empresas solicitassem estender seus prazos de divulgação e incentivaram as empresas a permitir a participação remota dos acionistas nas assembleias.
Europa: a associação de investidores holandesa Eumedion já havia manifestado oposição a assembleias apenas virtuais, mas recentemente indicou que pode reavaliar essa perspectiva, dados os desenvolvimentos atuais. Algumas empresas europeias, como a sueca Ericsson, estão realizando assembleias presenciais, mas incluindo meios significativos para participação remota.
Japão: a Fuji Soft realizou a primeira assembleia virtual de acionistas do Japão em 13 de março de 2020, com muitas outras empresas seguindo o exemplo.
Cingapura: Cingapura não permite participação remota ou votação em assembleias anuais. No entanto, o Regulamento da Bolsa de Cingapura anunciou que permitirá dois meses adicionais para os emissores realizarem suas assembleias anuais em resposta ao feedback dos investidores.
Coreia do Sul: a Comissão de Serviços Financeiros da Coréia do Sul anunciou que determinadas empresas podem adiar o envio de suas demonstrações financeiras e relatórios anuais auditados. Além disso, muitas das maiores empresas coreanas estão migrando para um sistema de votação online de acionistas e transmitindo ao vivo suas assembleias.
Reino Unido: a Associação de Investimentos do Reino Unido apoia as orientações do Chartered Governance Institute, que declara que as assembleias somente virtuais não são viáveis, pois não constituem uma assembleia válida. O grupo apoia e fornece as melhores práticas para assembleias híbridas, se permitidas nos documentos de governança das empresas, além de outras medidas para incentivar a participação remota.
Em resumo, à medida que a crise da covid-19 se intensifica durante a chamada “temporada de proxy” de 2020, as reuniões anuais virtuais dos acionistas se tornam cada vez mais prevalecentes em todo o mundo.
Como as empresas norte-americanas consideram a mudança para reuniões virtuais ou híbridas, há vários fatores a serem levados em consideração: seguir as orientações da SEC e os requisitos regulatórios aplicáveis, fornecer instruções e permissões claras para a participação e as perguntas dos acionistas e garantir aos investidores que essa mudança não diminuirá sua capacidade de se comunicar com o conselho e a gerência.
Considerações adicionais sobre governança, como capacidade de resposta do conselho, ESG (Environmental, social and governance) e remuneração de executivos, provavelmente continuarão a ocorrer após o achatamento dos picos mais graves da pandemia no mundo.
* Rafael Gonçalves de Albuquerque é sócio da firma de investimentos M.A. Capital e advogado sócio do FCM Advogados.