* Por Marcella Costa e Tatiana Brenand
Quando um empreendedor tem uma ideia de negócio, a fase inicial é tão desafiadora, desde a tomada da decisão de empreender, passando pela validação da ideia, por meio de MVP (minimum viable product), até a estruturação do modelo de negócio, negociação com fornecedores, entre tantos outros passos, que, muitas vezes, os aspectos legais, tão importantes para a empresa “parar em pé”, são deixados em segundo plano.
Além da parte tecnológica, necessária logo de início, o financeiro e o marketing, que envolvem gestão de pagamentos e recebíveis, definição de público-alvo e estratégias de marketing, composição e definição de preço, fazem parte dos grandes desafios enfrentados.
Para muitas startups, todos esses setores estão reunidos em uma ou em poucas pessoas que “se viram nos 30” para tornar realidade o sonho empreendedor com recursos limitados. No entanto, os aspectos legais não devem ser deixados de lado. Como qualquer operação dificilmente funciona de forma isolada, surge rapidamente a necessidade de contar com o apoio de fornecedores e parceiros para colocar as ideias em prática e operacionalizar as atividades da startup.
Com isso, e diante das dificuldades e limitações do início da operação, as startups muitas vezes não formalizam esse tipo de contratação desses fornecedores, ficando o contrato, como, popularmente classificado, “de boca” e baseado apenas na confiança entre as partes. No máximo, encontramos algumas trocas de e-mails ou mensagens de texto com o esboço do acordo.
Acontece que, como em qualquer relacionamento pessoal ou profissional, conflitos podem ocorrer e, o que antes era um “mar de rosas”, pode se transformar em “pesadelo”. Empreendedores que não priorizaram a formalização das relações e deixaram em aberto aspectos relevantes para o negócio, podem se ver imersos em discussões e impasses que, certamente, prejudicam o foco no (e do) negócio, seu crescimento e, consequentemente, seus resultados.
Ainda, tudo isso gera insegurança para todos os envolvidos, já que, até regularizar o acordo, resta apenas um ambiente nebuloso de expectativas desalinhadas entre as partes.
Um exemplo disso é quando a startup não dispõe de fundos para pagar a um prestador estratégico, como desenvolvedor, e oferece, em contrapartida, uma futura participação societária no negócio, sem que haja, porém, a assinatura de qualquer documento. Muitas vezes essa promessa fica em aberto até o prestador manifestar interesse em concretizar sua entrada como sócio, em condições bem mais interessantes para ele do que para o empreendedor.
Nesse exemplo, um simples contrato de parceria poderia minimizar o risco de questionamentos ou entendimentos distintos, o que permitiria à startup não apenas saber o que esperar dos serviços, mas definir limites e condições para a diluição de seus sócios fundadores. Para a outra parte, a segurança jurídica também é importante, já que, ao ter seus direitos de recebimento de contrapartida garantidos contratualmente, poderá fazer valer tudo o que havia sido inicialmente negociado.
Para confirmar essa importância, uma pesquisa realizada pela CB Insights, após ler cartas de falência de 111 startups, identificou que um dos principais motivos para uma startup falhar é a falta de harmonia entre fundadores. Os interesses devem estar alinhados, ser de conhecimento de todos e na mesma direção para a busca de sucesso do negócio.
Outro aspecto relevante está relacionado à propriedade intelectual das tecnologias desenvolvidas, uma vez que, se não há contrato que defina a cessão dos direitos entre desenvolvedor e startup, os fundadores podem ser expostos a situações críticas, já que não têm o regular direito de explorar comercialmente a solução desenvolvida pelo parceiro/prestador de serviços.
Com isso, é difícil que investidores topem aportar capital em uma startup que corre risco de perder seu principal ativo. Ainda, clientes de médio/grande porte não vão aprovar contratação de uma solução que coloca em risco sua reputação e sua produção, por exemplo. Enfim, os prejuízos podem ser severos, alcançando esferas que o fundador jamais imaginou no início da jornada.
Vale destacar que, nesses casos, a Lei n. 9.609/98 (Lei do Software) e a Lei n. 9.610 (Lei dos Direitos Autorias – LDA) estabelecem que, no tocante à titularidade, pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou; todavia, no caso de contratação de prestação de serviços de desenvolvimento de tecnologia, a titularidade seria, em regra, de quem contratou os serviços, desde que seja celebrado contrato, e que esse instrumento não tenha previsão que determine o contrário.
Se não existir contrato, a lei privilegia o autor da obra (o desenvolvedor), que terá espaço para aumentar as exigências em troca da autorização para a startup explorar o código-fonte. Nesse caso, ao empreendedor restará torcer para conseguir um acordo extrajudicial (ou seja, no ambiente privado, sem interferência do Poder Judiciário), caso contrário, ficará sujeito a um processo judicial com todos os impactos negativos que ele acarreta, incluindo custos e lentidão na resolução do conflito.
Outro exemplo de como a ausência de formalização pode ser prejudicial ocorre quando um grupo se reúne para abrir a startup, mas não estrutura (I) o papel de cada um no negócio; (II) as expectativas em relação ao trabalho que cada um deve desempenhar (vai atuar de forma exclusiva ou não?); (III) o quanto cada um irá contribuir financeiramente; (IV) a regra caso alguém decida desistir no meio do caminho; e (V) a possibilidade de contratação de parentes, além de outros temas delicados que precisam ser discutidos.
A falta de “conversas difíceis” enquanto não há uma situação real pode gerar conflitos irreversíveis entre os envolvidos. Um caso emblemático nesse sentido ocorreu com a Easy Taxi que, de acordo com um de seus fundadores, Talles Gomes, “um ano após sua fundação, tiramos um dos sócios, que abriu um processo trabalhista. Sem contrato prévio, quase quebramos.
Foi preciso revisar o negócio para seguir em frente. É questão fundamental”. Não é papo de advogado. O risco é mais comum do que imaginamos e pode não só quebrar o negócio, mas acabar com amizades de longa data.
Outro impacto da ausência de formalização de operações societárias ou comerciais também está atrelado a possíveis dificuldades para captação de investimentos. Como mencionamos acima, nesse tipo de operação, as startups costumam ser submetidas a avaliações preliminares para identificação de riscos e fragilidades. Se forem muitas (ou poucas, mas relevantes), há alto risco de o valuation da startup ser negativamente impactado ou o negócio ser barrado.
Diante desses exemplos, que nos deparamos diariamente no trato com o ambiente empreendedor, buscamos destacar a importância de celebrar contratos, por mais simples que o escopo da negociação possa parecer, a fim de evitar questionamentos futuros que podem, muitas vezes, inviabilizar a operação e interromper o sonho empreendedor dos fundadores da empresa.
* Marcella Costa é gestora da área Startup.OBA do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados e Tatiana Brenand Bauer Poli é advogada da área Startup.OBA do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados Associados.