* Por Fabiano Nagamatsu
Em março celebramos o Dia das Mulheres e com ele, a pergunta que não quer calar é: por que ainda temos tanta dificuldade em encontrá-las no setor da tecnologia? Trabalho com desenvolvedores já há muitos anos e posso afirmar com certeza que essa proporção não é nada igualitária – ainda que tenhamos observado crescimento nos últimos anos.
Segundo dados da Abstartups, menos de 15% das startups são fundadas por mulheres, enquanto o número de startups fundadas por homens é de 80%.
Quando se fala de outras minorias, então, a situação é ainda mais desafiadora. Mas precisamos revertê-la. Não só pelo simples propósito de distribuição de renda em um setor que oferece remuneração mais expressiva, mas também pelo próprio princípio da inovação.
Inovação requer criatividade e a busca de novas formas de resolver problemas – que são enfrentados por públicos heterogêneos. Ou seja, é essencial que as pessoas que desenvolvam suas soluções tenham diferentes perspectivas para que consigam chegar a novas abordagens e oferecer produtos e serviços mais abrangentes.
Na Osten Moove, aceleradora e investidora de startups, 40% do nosso time é formado por mulheres, sendo duas programadoras. As demais são da área de criatividade, marketing e design. Entre as startups, ainda temos uma diferença significativa: apenas 25% têm mulheres como colaboradoras ou cofundadoras.
Uma das startups que mentorei e decidi investir tem uma jovem empreendedora como CEO. Em nossas conversas ela compartilhou que, durante toda a sua infância, ela fazia parte de grupos de meninos porque as meninas não compartilhavam de suas brincadeiras – brincavam com bonecas, enquanto ela jogava videogames. Isso fez todo o sentido.
Entrei no mundo da tecnologia porque isso sempre foi incentivado na minha infância. Na época, passava minhas tardes jogando Atari com meus amigos. Como eu cresci em uma cidade pequena no interior de São Paulo, onde as pessoas não tinham videogame nas suas casas, criei um esquema de pagamento para os amigos virem jogar na minha casa. Com o dinheiro que recebia deles, investia em novos jogos para o nosso grupo. Fizemos uma espécie de locadora de games.
Esse histórico inspirou meu mestrado em Serious Games para o mercado corporativo de alta performance. Quando comecei a trabalhar na área, não só não foi uma surpresa para as pessoas que me conheciam, como o ambiente profissional já me levava a sério. Postura essa que muitas mulheres não relatam da mesma forma em sua trajetória.
Precisamos mudar nossa atitude como homens no empreendedorismo inovador e reconhecer que as mulheres são tão competentes quanto nós. Que elas não precisam de “homens fortes” ao seu lado como cofundadores e CEO de suas startups – feedback que muitas das nossas empreendedoras recebem durante sua trajetória. O que elas precisam é de uma rede de apoio que as valorize e capacite, permitindo que alcancem seu potencial e o mercado que procuram.
Vejo em primeira mão o quanto estar inserido em um ambiente onde se discute tecnologia e empreendedorismo pode moldar nossa atitude desde muito cedo. Em casa, minha filha de 4 anos já quer empreender. Ela gosta de montar seu mercadinho, me pediu para imprimir a moeda que ela usa. Então eu compro coisas dela, negocio valor. Enquanto isso, já estou ensinando educação financeira da forma lúdica que ela mesma criou. Ela já até conhece alguns conceitos de startup porque ouve minhas conversas com minha esposa e absorve muito rápido.
Essa abordagem é a longo prazo, mas precisamos investir no nosso futuro enquanto fomentamos iniciativas para os profissionais que já estão se formando, e elas não podem vir de cima para baixo. Acredito que programas de conscientização, políticas públicas, bem como iniciativas do setor privado podem se juntar a esforços de base – a educação, tanto em escolas quanto universidades. Dessa forma, podemos contribuir para que cada vez mais mulheres tenham a vontade, a motivação e o espaço para atuar no segmento da tecnologia.
Fabiano Nagamatsu é cofundador da Osten Moove e mentor de negócios no InovAtiva Brasil, maior programa de aceleração de startups da América Latina, indicado dois anos consecutivos entre os 10 mais influentes em mentoria e investimento do Startup Awards 2019, iniciativa da Abstartups, e finalista como mentor do ano em 2020 e 2021.