* Por Antonio Serrano
“Todos vocês vão falhar”. Essa frase foi dita por um jovem gestor de venture capital do Vale do Silício, com seus 20 e poucos anos, para uma plateia com cerca de 20 CEOs de empresas ditas tradicionais.
Os executivos se entreolharam após a provocação. ‘Ele não sabe o que diz’ foi a mensagem que li, mas a verdade é que o ambiente de competição mudou e poucas empresas vão se adaptar. Que empresa hoje é tão dominante quanto era 25 anos atrás?
As empresas que alcançavam o índice S&P 500 que engloba as maiores empresas listadas na bolsa americana em 1965 costumavam permanecer durante 33 anos em média, segundo a consultoria Innosight. Em 1990, permaneceram 20 anos e a expectativa é de que esse tempo caia para 14 anos em 2026.
Por que permanecer relevante é cada vez mais difícil? Anteriormente, tamanho – e consequentemente escala – eram suficientes para as grandes corporações prosperarem. As consultorias faziam análises que indicavam alta correlação entre retorno sobre vendas e market share relativo – quanto maior o tamanho de uma empresa, maior sua lucratividade.
Surgiram então os grandes conglomerados globais. Eram necessários vultosos investimentos para construir fábricas e montar centros de pesquisa e desenvolvimento com equipamentos de última geração que traduziam-se em produtos melhores e mais baratos. Quanto mais caixa a operação gerava, mais caixa era investido e mais forte a empresa ficava. Se necessário, os bancos e acionistas aportavam ainda mais recursos. Era o jogo da escala.
Atualmente, alavancando computação em nuvem, impressão 3D e aluguel de equipamentos para produção, pode-se criar um Produto Viável Mínimo (também chamado de MVP) e validar uma ideia com poucos recursos. Recursos financeiros também não são mais um gargalo. Mesmo antes de ser testada, a ideia pode receber aporte de capital de investidores-anjos. Uma vez testada, fundos de capital de risco (venture capital) correm para investir.
Como consequência dessa nova maneira de investir e criar, temos novos modelos de negócios, disruptivos, que quebram a lógica da atuação tradicional sendo testados a todo momento. É o jogo da agilidade.
Hoje, o mais ágil, que experimenta mais e arrisca mais, sai na frente em um mercado onde, antes, ganhava apenas quem tinha tamanho e riqueza. Como disse Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, “o maior risco que você tem hoje é não arriscar”. Quem está acostumado a competir no ambiente tradicional terá de se adaptar.
Na prática, isso leva à desconstrução de modelos de gestão consolidados. Empresas tradicionais operam com base em planos de negócios (business plans) com planejamento de 5 anos e revisões anuais. Com a velocidade de implementação de mudanças, a única certeza possível nesses anos todos é: você vai errar! Os business plans, por sua vez, limitam a criatividade e reduzem a velocidade de adaptação.
As empresas que crescem exponencialmente adotam o conceito de “pivotar”. A partir de uma visão sobre aonde querem chegar, despendem menos tempo no planejamento detalhado da maneira por meio da qual chegar lá. Traçam então objetivos em tempos menores e, assim, ganham flexibilidade e consequentemente agilidade. A visão e o propósito servem de guias e saber aonde estarão no ano 2, no ano 3 e no ano 4 não é mais uma prioridade. Hipóteses são testadas, ideias validadas e adaptadas de acordo com a receptividade de mercado (product/market fit).
É por isso também que o processo de decisão de empresas tradicionais tende a ser moroso e burocrático. Com tantos anos já traçados, são necessárias muitas pessoas (os comitês) para aprovar mudanças e dificilmente algo é resolvido rapidamente. Os comitês possuem representantes de áreas de negócio e funcionais, estas incumbidas muitas vezes de pensar em porque não aprovar uma mudança ou determinada iniciativa.
Nas startups, os executivos são empoderados com autonomia e ferramentas necessárias para decisões rápidas. As áreas funcionais operam com a lógica de mitigar riscos, não de eliminar riscos.
Além dos modelos de atuação e processos de decisão, predomina nas empresas tradicionais a cultura do acerto. Empresas costumam punir quem erra e, assim, ninguém toma qualquer decisão sem ter a máxima certeza – porque, afinal, quem quer errar? O problema dessa lógica é que acertar mais vezes significa arriscar menos. Só que quem está inovando e faz acontecer é, na verdade, quem se arrisca mais.
Nas startups, predomina a cultura do erro. Sabe-se que errar faz parte do aprendizado tão necessário para as “pivotagens”. Não se erra por displicência, mas para aprender rápido. O mantra é “fail fast”.
E qual a receita da inovação?
O primeiro passo é fomentar boas ideias dentro da organização. Observar e ouvir os clientes, entendendo o que está funcionando e quais necessidades ainda não foram endereçadas. Envolver-se no ecossistema de startups, lendo, estudando e mentorando, assim como realizar benchmarks com empresas de outros setores, possibilita acesso a modelos disruptivos que podem ser aplicados ao seu negócio. Fornecedores também são outra fonte de novidades e oportunidades.
Uma vez com as ideias em mãos, parta para a implementação. Para isso, podemos elencar quatro dicas essenciais, começando pela máxima ‘ignore os nãos’. Também evite envolver muitas áreas e pessoas: quanto mais gente, menos celeridade. Monte uma equipe com poucos e bons profissionais, que realmente acreditam no projeto. Depois, encontre o caminho do dinheiro: sempre há comitês de CAPEX, de inovação, ou algum caminho na empresa que pode ajudar a financiar um projeto. Por fim, mas não menos importante: fuja da burocracia, antes que ela descubra e o projeto morra antes mesmo de nascer.
A receita descrita é ainda pouco utilizada na prática. Agendas cheias de reuniões impedem que “distrações” vindas de fora da organização como clientes, fornecedores e startups consigam atenção dos executivos. Projetos ainda incipientes que são anunciados em todos os níveis organizacionais ajudam executivos a ganharem promoções no curto prazo, mas dificultam “pivotagens” quando as primeiras incursões não seguem como esperado (o que é, na verdade, esperado). Mas embora ainda muito ignorada, a receita acima é a parte mais fácil do processo de inovação.
Entretanto, para inovar, é preciso primeiro mudar
As empresas tradicionais estão muitas vezes consolidadas na sua posição com margens de lucro confortáveis. Manter o status quo é, portanto, benéfico no curto prazo. Por conta disso, as inovações tendem a ser pouco priorizadas ou mesmo rechaçadas.
No longo prazo, todavia, todos sabem que a falta de inovação limita o crescimento, mas os incentivos de curto prazo são muito fortes. Por isso, a desconstrução para inovação requer uma mudança profunda que, por inumeráveis vezes, não acontece.
Sem isso, no entanto, como bem previu o jovem gestor do início do texto, muitas empresas padecem e muitas mais ainda irão perecer se não conseguirem se livrar das amarras impostas pelo status quo.
Olhando em retrospectiva, vale a reflexão de se no lugar do CEO da Kodak, com 80% de market share no lucrativo negócio de filmes fotográficos, pensaríamos em desenvolver uma máquina fotográfica digital ou lutaríamos para manter o status quo?
Todos sabem a resposta atualmente, mas a pergunta é: o que mudar no seu negócio, na sua cultura, se no longo prazo não quiserem ter o mesmo fim da Kodak?
O primeiro passo essencial para alcançar esse momento é identificar o propósito do negócio
Por que você faz o que faz? Quem você irá impactar e como irá impactar?
Ter um propósito é mais do que uma frase bonita que vai ser usada na comunicação da empresa. O propósito precisa estar na mente de todos e inspirar. Um propósito forte contribui principalmente na estratégia e no recrutamento.
O propósito embasa a visão e norteia as decisões do dia a dia. Contrariar o propósito pode parecer financeiramente melhor em alguns momentos, mas a firmeza do propósito garante um alinhamento organizacional com resultados de longo prazo.
No recrutamento, o propósito ajuda a atrair pessoas que se sentirão realizadas com as realizações da empresa, possibilitando maior retenção e consequentemente melhores resultados.
O segundo passo é criar uma cultura que tolere o erro
Em uma sociedade que condena o erro, quebrar esse paradigma requer uma mudança mental e de comportamento muito grande. É fácil celebrar quem acerta. O verdadeiro desafio está em conseguir verdadeiramente parabenizar a iniciativa de alguém ter sido proativo em resolver um problema – mesmo que essa não tenha sido a melhor resolução.
Outro fator importante: se a sua empresa não possui projetos que falham – e muitos irão falhar – é porque você está explorando e inovando muito pouco. Entenda também que não é aceitar o erro pelo erro, o erro displicente. É falhar sim, mas extrair um aprendizado para não cometer o mesmo equívoco repetidas vezes.
Esteja aberto aos erros e a inovação será consequência.
O terceiro e último passo fundamental é dar autonomia ao time
Autonomia não significa anarquia – muito pelo contrário. Significa ter a flexibilidade para pivotar caminhos possíveis ao passo que se tem visão para ajustar a vela rapidamente, quando necessário.
Significa que a liderança precisa abrir mão de comandar e controlar. O papel da liderança passa a ser instigar, provocar e dar as ferramentas para que o time tenha suas próprias realizações. Dessa forma, a empresa se torna também mais atrativa para o jovem profissional que busca um ambiente menos burocrático e que possa realizar um trabalho em linha com suas crenças, valores e propósito de vida.
Autonomia também implica na liberdade de permitir escolhas: já pensou não apresentar o seu plano de 5 anos para o time. Pode soar “non-sense”, mas a questão é que quando você oferece um mapa com os elementos gravados, a tendência é que seja seguido à risca.
Inovar requer coragem e requer riscos ponderados. E isso somente é alcançado quando se dá abertura às novas ideias. E, novamente, se todos trabalham alinhados a um mesmo propósito, a verdade é que isso basta para que diferentes caminhos desemboquem no mesmo final.
Imagine o oceano azul de possibilidades que deixaria de ser explorado e quantas oportunidades seriam perdidas se seguíssemos uma linha reta? Vamos inovar?
* Antonio Serrano é CEO da Juntos Somos Mais, startup de marketplace para a construção civil que surgiu das acionistas Gerdau, Tigre e Votorantim.