* Por Renata Horta
Em Outubro se celebra o Dia Nacional da Inovação, essa então é a ocasião ideal para refletir sobre o que temos a comemorar efetivamente e quais são os desafios que devem nos unir e nos manter atentos ao futuro. Nessa reflexão olhamos para diferentes players do ambiente de inovação: startups, grandes empresas, investidores, universidades e escolhi os mais profundos para destacar.
O que podemos celebrar
Quem observa o ecossistema de inovação não pode negar que tivemos muitos avanços desde 2005, tomando como referência a Lei da Inovação Tecnológica que estabeleceu condições mais favoráveis e incentivos à inovação nas grandes empresas, parcerias entre universidades e empresas, estímulo à criação de fundos de investimento, entre outros. Desde então podemos celebrar o crescimento dos investimentos e também da cultura de inovação na academia, empresas e comunidades empreendedoras.
Ambiente de novos negócios
Desde 2005, vimos o nascimento dos primeiros fundos de capital semente do país e o crescimento e especialização desse mercado. Seja por meio de iniciativas públicas que induziam investimentos privados (como o pioneiro Fundo Criatec, iniciativa do BNDES), ou iniciativas especializadas no mercado de impacto (como a Vox Capital), dezenas de fundos de capital semente foram criados no Brasil.
Da mesma forma, o investimento-anjo vem sendo importante para dar vigor ao desenvolvimento das startups. Uma pesquisa da Anjos do Brasil mostra que entre 2010 e 2018 o volume de investimento-anjo mais que dobrou.
Os programas de aceleração, as comunidades de startups e os eventos explodiram em todo o país, a Troposlab sozinha já realizou mais de 50 programas de aceleração de startups, chegando a quase 1 mil startups aceleradas nos últimos 8 anos.
Também não podemos deixar de citar a efetivação dos primeiros unicórnios brasileiros, empresas, de capital fechado, cujo valor de mercado atingiu mais de 1 Bilhão – 99, Pag Seguro, Stone, Arco Educação, Ebanx, Gympass, iFood, Loft, Loggi, Nubank, Quinto Andar e Wildlife.
Além disso, vemos o nascimento e multiplicação das estruturas de apoio aos novos negócios: o crescimento incrível do número de aceleradoras, a transformação das incubadoras, a diversificação das ações do Sebrae, com impacto em todas as regiões do país, a aproximação da universidade e das FAPs das comunidades de startups, a geração de startups acadêmicas.
Outro elemento importante é o nascimento e crescimento dos programas corporativos de aproximação com startups, que permitem com que a inovação chegue mais rápido ao mercado, fator crítico de sucesso para esse tipo de empresa.
Educação e Cultura
Steve Blank, criador da metodologia Customer Development amplamente utilizada pelas startups, é um nome importante para a inovação hoje. Seu trabalho teve um efeito de “democratizar” as metodologias de desenvolvimento de novos negócios. Claro que ele não está sozinho, mas seu manual de desenvolvimento de startups sistematizou de tal forma o processo que pessoas de todas as formações, ou ainda sem formação, hoje entendem os principais passos e se sentem capazes de começar.
Começar, inclusive, tornou- se algo muito mais fácil sem os complexos planos de negócio que pouco ajudam nas fases iniciais do desenvolvimento de negócios inovadores. Essa metodologia, juntamente com processos centrados no humano, como o Design Thinking, viabilizaram a popularização da cultura startup.
A popularização foi fundamental para que as novas metodologias de desenvolvimento ágil de inovação entrassem nas grandes empresas, mudando a forma de pensar e fazer a inovação acontecer. Programas de intraempreendedorismo vêm despertando o potencial bloqueado das pessoas dentro dessas organizações e fazendo projetos de todo tipo acontecerem em um processo paralelo e provocativo que rompe os cilos organizacionais. A inovação tem sido levada a todas as áreas da empresa, está descentralizada e se torna uma função primordial para embarcar no processo de transformação digital.
Mas para falar que as novas metodologias efetivamente “democratizaram” a criação de negócios inovadores, vale registrar o nascimento e a disseminação das disciplinas de empreendedorismo em cursos de todo tipo de faculdade, e até mesmo nas escolas, fazendo com que ele se torne uma opção importante e atraente de carreira – o que era difícil de imaginar em 2010 (quando tivemos experiência em atuar com o tema em mais de 10 universidades públicas do Brasil, que se demonstravam extremamente resistentes).
Estratégia
O acelerar das novas tecnologias e o aquecimento dos ecossistemas empreendedores finalmente fizeram com que as grandes empresas colocassem a inovação no centro da sua estratégia. A transformação digital hoje é mais do que um tema da moda, ou digitalização de processos, mas um desafio real de renovação da forma de fazer seu negócio acontecer e explorar novas oportunidades. Ela vem impulsionando a inovação em toda a empresa.
Ainda que muitas organizações se sintam perdidas quanto a como fazer e o que fazer, sem dúvida não há mais um grande esforço em defender esse tema como fundamental.
Impacto
Acompanhamos o crescimento no investimento de impacto no mundo nos últimos anos. Hoje, segundo relatório da XP Investimentos, são mais de US$30 trilhões de ativos sob gestão de fundos com estratégias sustentáveis. Chegamos a listar o impacto como um direcionador importante do que chamamos Inovação 4.0. No Brasil, além dos fundos de investimento de impacto, vemos crescendo o interesse em investimentos ESG (Environmental, Social and Governance) e isso tem um papel importante para a inovação.
O interesse de investidores em empresas responsáveis, somado aos mecanismos de regulação ambiental cada vez mais restritivos, tem obrigado as empresas a repensar sua forma de atuação e forçado os seus centros de pesquisa a buscarem rotas de desenvolvimento tecnológico nessa direção.
Os desafios da Inovação
Tudo isso está acontecendo em um país desorganizado, desigual, cheio de burocracias, conflitos e muitas vezes com falta de visão de futuro. Por isso, a comunidade de inovação precisa se unir e lutar contra muitos desafios que impedem que mais valor seja gerado para a indústria e sociedade.
Inovação na Indústria e Transformação Digital
Até para os mais otimistas os dados das últimas 3 edições da Pintec (pesquisa de inovação realizada a cada 3 anos pelo IBGE, desde 2000) são desanimadores. A Pintec considera como inovação produtos ou processos novos, ou substancialmente novos. Segundo seu último relatório (2017), a indústria brasileira está investindo menos em inovação que nas medições anteriores. O Governo está incentivando menos os investimentos em novos equipamentos, as empresas diminuíram seus dispêndios com pesquisa e desenvolvimento e por aí vai. Não é à toa que, segundo a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), a idade média do maquinário nacional é de 10 a 15 anos, dependendo do setor (como referência, na Alemanha são 4 anos, EUA 7 anos).
Claro que nos últimos anos os conceitos de Indústria 4.0 e transformação digital estão impulsionando mudanças que certamente vão aparecer no próximo relatório da Pintec, mas a transformação digital é um processo que já vem sendo discutido há mais de 10 anos na indústria internacional. Por isso, nosso atraso em iniciar a mudança, e dados que nos mostram que passamos alguns anos andando para trás, devem nos deixar atentos ao nível de desafio que estamos realmente enfrentando. Esse nível de desafio requer planejamento, articulação dos sistemas industriais e apoio estratégico do governo para que nossas empresas se mostrem competitivas nessa nova era.
Ética
A tecnologia não pode estar sem um rigoroso direcionamento ético. A presença de pessoas que discutem esse direcionamento dentro das empresas ainda não é uma realidade. Tendemos a subestimar o impacto da tecnologia porque desconhecemos seus mecanismos. A Lei Geral de Proteção de Dados, o impacto socioambiental das grandes indústrias ou os danos à saúde mental causado pelas redes sociais são alguns exemplos da necessidade de incorporar a discussão ética de uma forma mais completa, técnica e profunda.
Burocracia
Um elemento que pode ter impacto amplamente positivo no ambiente de inovação é o Marco Legal das Startups, um projeto de lei que está tramitando e que tem o objetivo de desburocratizar a criação desses negócios, facilitar investimentos, dar acesso a processos licitatórios e criar um ambiente jurídico/trabalhista favorável às startups. Ele merece nossa atenção, torcida e articulação, já que toca em barreiras importantes para o florescimento desses novos negócios.
Diversidade
Apesar da diversidade comprovadamente favorecer à inovação, não é o que vemos na maioria das grandes empresas e comunidades de startups. Nos últimos meses celebramos a criação de fundos de investimento em startups de fundadores negros, de mulheres, discussões e iniciativas diversas nas grandes empresas reconhecendo a importância do tema. Mas ainda estamos engatinhando e essas conquistas são pequenas para celebrar. Ainda existem inúmeras barreiras que deixam o ambiente árido a diferentes realidades.
Conhecimento, Pessoas e Gestão
São notáveis os gaps de conhecimentos sistemáticos necessários para alavancar a inovação que ainda encontramos. Um exemplo disso é o empreendedorismo. A Troposlab possui um núcleo de pesquisa sobre o tema, e vem observando quanto a literatura científica do tema “comportamento empreendedor” está distante da atualidade. Apesar de ser um consenso a dependência que a inovação tem do empreendedorismo para acontecer, não existem processos sistemáticos descritos para desenvolvimento de habilidades empreendedoras, as próprias habilidades possuem definições bastante imprecisas. Isso faz com que muitas vezes o empreendedorismo seja considerado um “talento natural” ou traz ao gestor de inovação ou de pessoas das empresas que buscam desenvolver a cultura, muitas dúvidas sobre como fazer isso de forma efetiva.
Vazios da mesma proporção são encontrados quando analisamos as práticas de gestão de projetos de inovação e, especialmente de inovação radical, onde vemos que poucas empresas são capazes de gerir e produzir esse tipo de inovação de forma sistemática, um exemplo disso é a dificuldade em se criar formas efetivas de fazer gestão de pessoas para inovação.
Os desafios de fazer inovação no Brasil são enormes. Além desses, muitos outros poderiam ser adicionados. Como otimista, tendo a celebrar as conquistas e reconhecer os desafios como oportunidades de gerar ainda mais valor no futuro. Eles não me assustam porque aprendi que a inovação só se faz através das pessoas, e acredito na capacidade de realização de quem conheci na minha própria jornada de inovação como empreendedora da Troposlab, no dia a dia de clientes que estão realizando uma transformação real através das pessoas, nos parceiros e na comunidade que buscam criar um ambiente mais favorável aos negócios e à inovação.
Os desafios de fazer inovação no Brasil são enormes. Além desses, muitos outros poderiam ser adicionados. Como otimistas, aqui na Tropos tendemos a celebrar as conquistas e reconhecer os desafios como oportunidades de gerar ainda mais valor no futuro. E eles não nos assustam porque aprendemos que a inovação só se faz por meio das pessoas, e acreditamos na capacidade de realização de inúmeras delas, que conhecemos individualmente em nossas jornadas de inovação. Ou ainda, na capacidade das empresas de buscar uma transformação real com esse olhar humano, criando um ambiente mais favorável aos negócios e à inovação.
* Renata Horta é sócia-fundadora e diretora de Produto da Troposlab.