* Por João Oliveira
Em momentos de crise como o que vivemos atualmente, a grande pergunta gerada no mundo dos negócios é: como adaptar um serviço ou produto – o core business da empresa – ao novo cenário e continuar relevante para o público? Essa questão se aplica até mesmo a modelos de negócios que nasceram digitais ou que têm sua demanda potencializada durante cenários atípicos, como setores de saúde, alimentício, serviços essenciais, entre outros. Ainda nesses casos, pode ser preciso fazer uma adaptação para não criar um gargalo.
Em um cenário de incertezas, negócios que costumam seguir planos com estruturas mais rigorosas, que sejam baseados em previsões a longo prazo, ou tenham processos muito burocráticos e mindset pouco aberto para mudanças, podem encontrar problemas ainda maiores, caso não se adaptem a tempo.
Com a experiência que vivenciei ao longo dos anos contribuindo para o desenvolvimento e maturação de diversos produtos e negócios de diferentes setores, incluindo o digital, vejo que é na cultura das startups – com seus processos extremamente adaptativos, implementação rápida de atualizações conforme necessidade do usuário e desenvolvimento do produto – que se encontram aprendizados muito valiosos e que podem servir de inspiração para negócios de qualquer porte e nível de maturidade.
Portanto, ao se basear na capacidade adaptativa que identificamos sobretudo em negócios inovadores, como as startups, é possível garantir um melhor direcionamento em um momento atípico como o que estamos vivendo atualmente e que exige mudanças rápidas na forma de posicionar o negócio no mercado.
Essa mudança pode não ser, necessariamente, apenas uma repaginada ou um novo layout. Em alguns casos é preciso mesmo uma mudança mais profunda. Para entender e diferenciar essa necessidade é importante ter um olhar analítico, a fim de identificar o real problema que seu produto quer resolver, qual a realidade do seu público no momento e quais mudanças são necessárias para que o seu produto continue relevante e se adapte à estas novas necessidades.
Um desses processos de adaptação para atender às necessidades mais atuais dos consumidores e, consequentemente, das empresas, que foi muito acelerado com a necessidade de distanciamento social é a digitalização na oferta de produtos e serviços. Este desenvolvimento, que já estava caminhando a passos largos no país com o advento dos aplicativos de entrega, e-commerces e da própria adesão do público às redes sociais, aos eletrônicos inteligentes e ao universo digital como um todo, foi acelerado ainda mais pela pandemia. Apenas o e-commerce brasileiro, cresceu 132,8% em maio de 2020.
Cada vez mais a fronteira entre o mundo offline e online vai desaparecendo. E se o cenário é de mudanças bruscas, o seu negócio também pode precisar de uma mudança que acompanhe esse ritmo acelerado.
E é claro, não existe uma receita de bolo comum que possa ser usada da mesma maneira em qualquer lugar. Dessa forma, é importante ir se adaptando dentro do contexto de cada segmento/negócio. E baseado na experiência pela qual passei, reuni três dicas que nos ajudaram muito em todo esse processo.
Então, a minha primeira dica é: busque formas de (re)adaptar seu produto para o mundo digital. Se você já tem um produto ou um serviço que é todo ou parte online, já está com uma vantagem ótima no contexto atual para continuar focando no digital e explorar oportunidades nesses canais. Mas se o seu negócio ainda é completamente offline, esse é o momento de estudar as oportunidades e se adaptar.
Um caso recente que ilustra muito bem como o mercado está ainda mais propício para as estratégias online é o da Natura. A empresa já possuía uma estratégia com foco em lojas online para suas revendedoras e viu o número de adeptas do espaço virtual saltar exponencialmente durante a pandemia. Essa pré-disposição atual do público ao digital fez com que diversas empresas acelerassem seus planos de digitalização para que conseguissem acompanhar o momento dos consumidores, diminuindo os impactos da crise em seus negócios.
Com isso, trago uma segunda dica muito importante: conheça seu usuário. É a partir de uma análise do cenário e do comportamento do seu público que você vai conseguir pensar numa estratégia mais concisa, com foco numa solução rápida e sem dispersar muito do foco da atividade do seu negócio. Dessa forma, é possível que você consiga colocar as novas estratégias para rodar o quanto antes e também validá-las a tempo, isto é, entender se a nova estratégia ou produto funciona na prática.
Para dar alguns exemplos mais práticos, podemos analisar o setor de eventos, que foi um dos mais afetados pelos impactos da pandemia e do isolamento social. Aí você pode se perguntar: mas como um empreendedor deste ramo consegue se reinventar num cenário tão complicado como esse?
Em muitos casos esses empreendedores vão considerar mudar de setor para um totalmente diferente, mas sem um planejamento prévio ou capital necessário, o que pode ser na maioria das vezes inviável. O mais adequado, então, é analisar como é possível reinventar o negócio já existente, conforme a nova realidade do seu consumidor. Vale sempre percorrer o caminho inverso e entender, por exemplo: como seu público está se comportando na crise? As pessoas estão comemorando em momentos a distância? Como você pode complementar essas ocasiões?
A partir da análise de pontos como esses, é possível encontrar lacunas dentro do seu próprio setor, como um suporte para elaboração de apresentações visuais, por exemplo, ou ainda a organização de shows e eventos online, dentre outras oportunidades que você possa identificar.
O caso da rede de açougues e casa de carnes especiais do empresário Rogério de Betti – o deBetti – é um exemplo que ilustra muito bem essa junção entre a oportunidade (e necessidade) de explorar o ambiente digital atrelada a um conhecimento sobre os interesses do público.
De um negócio focado na venda em postos físicos, com direito a um espaço onde recebia centenas de consumidores diariamente, com restaurante e música ao vivo, o empresário entendeu o momento do consumidor e focou 100% sua estratégia no mobile, com venda online, kits e sugestões de refeições diárias e estratégias multicanal, explorando as redes sociais para trazer engajamento e verdadeiras trocas com o público. O resultado: o negócio, que antes indicava prejuízo durante esse período, conseguiu reverter rapidamente o cenário e até mesmo aumentar o faturamento durante a pandemia com um novo modelo de negócios.
Mas vale destacar, que entre as ideias e a execução há um grande caminho. Então, não basta apenas focar no digital e entender o seu usuário sem que essa estratégia seja colocada rapidamente para rodar. Por isso, a minha terceira dica é: ter uma transição rápida.
Tanto no exemplo da Natura quanto no deBetti temos em comum uma estratégia que foi focada num mercado digital, com foco no momento do consumidor e colocada rapidamente em prática. Seguir esse timing é essencial para momentos de crise. Afinal, uma estratégia que funciona agora, pode já não fazer tanto sentido daqui a alguns meses. E, para fazer com que uma transição seja rápida, é preciso que o seu time esteja engajado e alinhado com o mesmo propósito para ganhar agilidade nos processos, ainda mais durante o home office, quando pequenos detalhes de alinhamento podem ser cruciais nessa jornada.
Na empresa onde atuo, por exemplo, participei de perto desse processo de mudança para home office, realinhamento das ações das equipes e da reestruturação do modelo de negócios, que visou aumentar o número de opções dos usuários em relação à contratação de serviços remotos, seguindo as tendências que ocorreram durante a pandemia, como as aulas online, consultorias diversas, assistências, consultas psicológicas que eram em maioria presenciais e passaram a ser quase que 100% remotas com a pandemia.
Essa transição rápida foi estruturada logo de início por meio de ações imediatas para implementar e validar, ações promocionais e parcerias com outras empresas e canais digitais, a fim de que pudéssemos trazer novos clientes. Além da implementação de um programa de member get member para trazer mais prestadores de serviços para a base sem a necessidade de um grande investimento.
Essa remodelação teve como base o Minimum Viable Product (MVP), uma prática já quase clichê no mundo das startups, mas que representa uma ótima estratégia de negócio quando você precisa de uma tração rápida. Ela consiste na estratégia de lançar rápido com a solução mais simplificada possível e, conforme os aprendizados são gerados, ir incrementando o produto.
Ter um time de agilidade ou se utilizar de práticas ágeis também foi algo essencial no nosso processo de adaptação nos últimos meses. Por meio de cerimônias, dinâmicas, sprints semanais para lançamento de novas funcionalidades e versões do aplicativo, conseguimos manter o time alinhado e focado nos objetivos em comum.
Em tempos atípicos somos obrigados a sair da nossa zona de conforto e a forma como nos adaptamos é crucial. Então, para compensar a distância física, precisamos estar cada vez mais conectados tanto com o nosso público externo, quanto interno. Ao estreitar essas conexões, fica muito mais simples enxergar novos caminhos e oportunidades. E, é claro, colocá-los em prática!
João Oliveira é CPO no GetNinjas, onde lidera iniciativas voltadas para o constante desenvolvimento da plataforma, visando adaptar as principais tendências e necessidades do mercado. Anteriormente, trabalhou como Diretor de Desenvolvimento na Benner e foi Head of Digital Innovation na Stefanini. É graduado em Ciência da Computação, com especialização em Gestão de Projetos, Marketing Digital e Ciências de Dados.