* Por Débora Nunes
Dez anos atrás, quanto tempo levaria para um conteúdo alcançar mil pessoas? Com os avanços tecnológicos, essa tarefa pode ser realizada em minutos, por meio de redes sociais, listas de transmissão no WhatsApp e emails marketing, por exemplo. Esse potencial de expandir o impacto, tanto em escala quanto em profundidade, é consequência de uma sociedade hiperconectada. Estamos experimentando o potencial de transformação da tecnologia nos negócios, mas ainda caminhando a passos lentos no uso para impacto social positivo.
Anteriormente, quando surgiram e se popularizaram os sites, aplicativos e páginas em comunidades como o Facebook e Instagram, as entidades sociais chegaram atrasadas, muito depois das empresas já terem se apropriado e começado a utilizarem essas plataformas. Isso porque as novidades tecnológicas levam mais tempo para chegar ao terceiro setor, que normalmente não pode investir em tecnologia de ponta e tem dificuldade de encontrar profissionais qualificados nessa área. Agora, vivemos um segundo momento, em que a Inteligência Artificial chega para provocar novos avanços.
A IA permite não apenas ampliar o número de pessoas impactadas, mas também melhorar o atendimento a esse público e até mesmo fazer a gestão interna de ONGs. Tendências vistas em grandes aplicativos, de delivery e streaming principalmente, como a recomendação, também se encontram nos planos do terceiro setor. O Atados, por exemplo, plataforma que conecta pessoas a oportunidades de voluntariado, vem trabalhando em melhorar seu sistema para fazer sugestões assertivas de vagas a quem se cadastra na plataforma.
Outro exemplo do uso da IA para causas sociais é a Beta, um bot que funciona no Messenger do Facebook. Desenvolvida pelo laboratório de ativismo Nossas, a ferramenta de mobilização online avisa os interessados quantos temas relacionados ao feminismo estão em votação no Congresso, ou quando campanhas e ações relacionadas à causa precisam de apoio.
Seja com bots para agilizar o atendimento e transmitir informações mais rapidamente ou com organização de dados colhidos para possibilitar o desenvolvimento de novos produtos e projetos, Inteligência Artificial, Machine Learning e ciências de dados de forma geral têm um potencial muito grande de mudar o cenário atual do terceiro setor e gerar grandes transformações positivas na sociedade.
O terceiro setor ainda é muito heterogêneo, com grandes organizações criando bots e algoritmos e outras, não menos importantes, que ainda não possuem presença digital. Por isso, são importantes as iniciativas de disseminação desse tipo de conhecimento. Enquanto profissionais de tecnologia são cada vez mais escassos e disputados pelo mercado, a dificuldade das ONGs é ainda maior em encontrar mão de obra para essas funções, seja ela contratada ou voluntária. De acordo com a pesquisa Charity Landscape 2019, desenvolvida pela Charities Aid Foundation (CAF), 87% dos líderes de organizações não governamentais veem o investimento em tecnologia como uma prioridade, mas apenas 45% deles afirmam ter uma estratégia definida para lidar com as transformações nessa área. Quando se trata de entidades menores, esse número cai para 38%.
Felizmente, há alguns projetos sociais atuando em uma estrutura semelhante ao B2B do mundo dos negócios, voltados para outras ONGs. Aqueles com foco em capacitação tecnológica, no entanto, são um pouco mais raros e recentes. É o caso do Social Good Brasil e a Fundação 1Bi, apoiada pelo Grupo Movile, que têm como um dos pilares de atuação potencializar o impacto social com tecnologia, principalmente por meio de capacitação de membros de outras instituições.
As empresas já mostraram o poder que a tecnologia tem de resolver problemas complexos em escala. As ONGs sabem como gerar uma transformação social profunda. A união desses dois atores tem potencial para gerar soluções para grandes problemas sociais. Isso pode acontecer por meio de treinamentos, consultorias, mentorias, fornecimento de plataformas gratuitas para o terceiro setor, entre outras possibilidades. Já vemos alguns avanços nesse sentido, mas é preciso acelerar e unir forças entre diversas companhias de tecnologia e atuar cada vez mais em rede.
* Débora Nunes é responsável pela Fundação 1Bi, organização social apoiada pelo Grupo Movile que tem como objetivo atuar para que a tecnologia promova oportunidades para todos os jovens brasileiros. Formada em Engenharia de Produção pela UFMG, atuou como gerente de parcerias e diretora de inovação na TODXS antes de se tornar analista de desenvolvimento social no Grupo Movile.