* Por Flávia Pini e Bruno Rezende
Não é segredo para ninguém que a cadeia varejista tem, por natureza, uma operação bastante complexa. Enquanto em uma ponta há centenas ou milhares de produtos vendidos aos consumidores, com diferentes características e fatores, na outra ponta há a gestão de estoque e os pedidos, a alocação de equipes de vendas, as ações de marketing, os fornecedores, os centros de distribuição, etc.
Não bastasse isso, cada ponto citado é controlado por diferentes ferramentas e processos, o que torna difícil a coleta de diversas informações críticas para o negócio, como contagem de fluxo de clientes, nível de organização de produtos na gôndola e interação dos clientes com os pontos de venda – que, em muitos casos, nem são coletados de forma correta!
Nos últimos anos, contudo, observa-se uma mudança de paradigma. O advento da computação em nuvem trouxe oportunidade de melhoria nesses processos, possibilitando maiores margens de lucro aos varejistas. Ao permitir que informações, muitas vezes não estruturadas e geradas de maneira descentralizada, sejam canalizadas de forma segura e eficiente a uma mesma estrutura de armazenamento e tratamento de dados, os provedores de cloud garantem que os varejistas tenham, pelo menos, visão mais ampla e fidedigna de seu próprio negócio, habilitando-os a tirar mais valor de suas iniciativas de inteligência, sejam elas baseadas em pessoas, sejam baseadas em algoritmos ou em ambos.
Uma gestão com inteligência de dados tem potencial de impactar significativamente toda a economia global – principalmente o setor varejista. Hoje diversas ineficiências operacionais e estratégicas neste setor decorrem de processos decisórios pouco inteligentes ou que não levam em conta as informações já disponíveis com o uso da tecnologia.
Alguns recursos importantes: internet das coisas e visão computacional, por exemplo, monitoram e coletam os dados de interesse para a operação; data lake e big data armazenam e tratam essas informações; enquanto o analytics extrai os primeiros insights e a inteligência artificial possibilita tomar decisões mais complexas com o apoio de algoritmos inteligentes – ou até delegar decisões mais simples que precisam ser tomadas em larga escala.
A visão computacional, especificamente, é considerada grande tendência para o varejo global, principalmente quando combinada à inteligência artificial. Esse foi um dos pontos levantados por Satya Nadella, CEO da Microsoft, durante a última edição da NRF Big Show, nos Estados Unidos.
Aliás, a proposta de visão computacional nada mais é do que parte da ideia de IA – afinal, treina máquinas com o objetivo de entender e interpretar o mundo visual. As possibilidades dessas tecnologias prometem grande impacto não só no varejo, como também em segurança, saúde, entre outras áreas.
É preciso salientar que o varejo global ainda está atingindo a maturidade nas etapas iniciais do processo de transformação digital – e se preparando para extrair valor de iniciativas de inteligência baseada em dados. Na próxima década, observaremos o “platô de produtividade” dessas tecnologias.
Ou seja, após o pico, com grande número de projetos exitosos e também fracassados, as iniciativas de inteligência de dados passarão a ser mais certeiras, baratas, difundidas e, mais importante, reverterão mais valor às companhias.
Este movimento coincide com o surgimento da “Ciência de Decisão”, que nada mais é do que a sistematização em algoritmos da última perna de um processo decisório. Em suma: informações já foram coletadas, tratadas, entendidas e os primeiros algoritmos preditivos já foram estimados. E agora? Como transformar esses inputs em decisão, ponderando todos os fatores que devem ser levados em conta?
No Brasil, apesar do enorme esforço que as empresas de varejo têm feito para empreender suas transformações digitais, pouco valor foi extraído dessas iniciativas. O processo de transformação digital passa por quatro etapas: coleta de dados e estruturação da base, extração dos primeiros insights, uso de algoritmos para compreender fenômenos e geração de recomendações.
Os varejistas brasileiros ainda estão no estágio de preparar as bases de dados para realmente extrair valor. Algumas iniciativas isoladas, contudo, já rendem bons frutos, como o uso de algoritmos para gerar recomendações de compras.
No fim, observa-se que, mais do que facilitar a tomada de decisão e auxiliar na gestão do negócio, as tecnologias resolvem toda a cadeia de varejo, chegando até mesmo ao usuário final. Boa parte dos problemas citados impactam tanto o empresário quanto o consumidor.
Quando uma pessoa vai a uma loja e não encontra o que deseja, ela arcou com o custo do tempo e da viagem perdida, e o varejista perdeu a venda; ou, ainda, quando uma loja tem um fluxo de visitantes surpreendente, mas não há vendedores suficientes para maximizar a conversão.
Nos próximos dez anos o varejo vai aumentar sua rentabilidade com o uso de Inteligência baseada em dados, e o consumidor vai melhorar sua experiência em igual proporção. Ao ter acesso mais fácil aos produtos que deseja, a um preço mais próximo ao que pretende pagar e no canal que quiser (físico, on-line ou misto), o omnichannel finalmente deixará de ser uma ideia para se transformar em realidade concreta (e rentável) para o varejo como um todo.
* Flávia Pini é CEO da FX Retail Analytics, empresa especializada em monitoramento de fluxo e fornecimento de insights para os varejistas.
* Bruno Rezende é Managing Director da 4Intelligence, empresa especializada em plataformas de inteligência competitiva B2B para suporte na tomada de decisões estratégicas e táticas.