O programa Start-Up Brasil é importantíssimo para o ecossistema brasileiro de startups –R$ 200 mil não reembolsáveis para começar uma empresa pode vai mudar muita coisa. Mas ele coloca dentro do caminho de suas startups participantes a necessidade de passar por uma aceleradora (veja aqui as escolhidas). A formatação do programa torna isso uma espécie de “padrão”: caso o empreendedor queira usar o dinheiro do governo, terá que fazer desta maneira. Mas nem sempre o caminho precisa ser este. E mais: se você não passar no edital, não deixe de tirar sua ideia do papel, porque nem todo mundo precisa passar por uma aceleradora para obter sucesso.
Como eu sei disso? Nos últimos meses conversei com os líderes de grandes aceleradoras brasileiras e com alguns empreendedores que passaram pelo processo, mas questionaram algumas das concepções que estamos criando. A opinião veio deles, não de mim.
É bom começarmos o texto reconhecendo o valor e a função de uma aceleradora em um país cujo sistema educacional nem sempre marca presença quando o assunto é empreendedorismo. Elas trazem às startups investimento, mentoria, um conjunto de contatos, espaço pra trabalho e muito aprendizado. E também é legal deixar claro que existem vários tipos de aceleradora, já que os programas vão se adaptando a realidades e ideologias diferentes.
A Aceleradora, por exemplo, liderada por Yuri Gitahy trabalha desde 2008 experimentando modelos de aceleração. “Somente em 2011, começamos a trabalhar com chamadas públicas de projetos”, explica Yuri. Segundo ele, quem participa da Aceleradora não precisa se transferir para a sede do programa, por exemplo, o que é bastante visto em outras aceleradoras. “Sabemos que isso reduz produtividade, por não estarem todos no mesmo lugar, mas aprendemos a trabalhar assim. E os empreendedores têm um bom networking entre eles, o que consideramos o mais importante para a troca de experiências.”
O fundador do programa explica que a função da Aceleradora é transformar um projeto em um modelo de negócio escalável, para trabalhar com os empreendedores para criar uma empresa de sucesso. “Ao invés de criar uma empresa bilionária, preferimos criar dez empresas que faturem entre R$ 20 milhões e R$ 100 milhões em menos de cinco anos.”
Já o programa da 21 212, com sede no Rio, é muito focado na aceleração de startups que têm um modelo de negócio que já deu certo fora do Brasil –a conexão com Nova York do programa traz um pouco do viés voltado para produtos globais. “A nossa seleção é bastante simples. Nós avaliamos o projeto e é preciso que seja uma empresa da área digital, com um time completo. Priorizamos aquelas que já estão em um estágio mais avançado”, explica Rafael Duton, da 21 212. “Acreditamos que, para acelerar, é preciso já ter alguma velocidade.”
A Aceleratech*, criada em parceria com a ESPM, tem um caráter mais b2b (negócios que têm como clientes outras empresas) e de capacitação dos empreendedores com os professores da faculdade. Segundo Sean Lindy, coordenador do programa, o ecossistema brasileiro ainda não tem treinamento o suficiente e os times são bem jovens.
“O brasileiro tem muito talento e paixão, mas não tem técnica pra falar com os investidores. É uma linguagem diferente e precisamos prepara-los para essa ‘dança’”, afirma o coordenador da Aceleratech.
Há também a Tree Labs, que se orgulha de dizer que faz um “acompanhamento constante” das startups que acelera, mesmo depois do fim do programa. “Existem conversas, reuniões e relatórios constantes, já que a nossa métrica é o sucesso de quem foi acelerado”, diz Anthony Eigier, um dos fundadores do programa.
O Grupo Xangô, por sua vez, faz um trabalho completamente diferente: “As empresas são aceleradas como subsidiárias do grupo. São empresas que nós mesmo criamos ou onde trazemos um empreendedor para tocar a startup aqui dentro”, afirma Marco de Mello, CEO do grupo. Eles se definem como uma “aceleradora de comportamento mais envolvente”.
Mas talvez não seja pra você
Como é possível ver, nestes poucos exemplos que citei (veja aqui mais exemplos do nosso ecossistema de aceleradoras), a variedade dos programas é alta e as cabeças por trás deles bem diferentes. Mas esse é o caminho certo pra você? É bom analisar, antes de fazer a inscrição no programa.
O próprio Yuri, da Aceleradora, escreveu um post em seu blog dizendo que você pode não precisar de uma aceleradora.
“Você não quer uma aceleradora porque se você é bom de verdade, seu negócio já está gerando receita e você (se quiser) está batendo na porta de um fundo bem maior. Aceleradoras são para projetos early-early-stage ou para empreendedores iniciantes que ainda precisam aprender a tocarem seus negócios, ou a encontrarem um modelo que torne suas startups boas de verdade”, afirma o sócio da Aceleradora. “Você também não quer uma aceleradora se você está precisando de capital para subsistência. O capital aportado pela aceleradora é simbólico, e não vai pagar suas contas. Isso piora quando você precisa se mudar para uma outra cidade, caso o programa de aceleração exija isso.”
Ele também fez um guia de perguntinhas para ser usado antes de entrar um programa de aceleração: Leia aqui.
Anthony, da Tree labs, também fala dessa concepção de que a aceleradora é um “passo natural” no caminho da empresa. Segundo ele, o programa é necessário quando o empreendedor precisa desenvolver habilidades e ajuda bastante em empresas que estão em estágios muito iniciais. “Não é pra todo mundo. O processo é melhor aproveitado por quem está disposto a lidar com pressão, receber feedback”, afirma.
Ele também conta que poucas startups estão “prontas” para dar esse passo. “Você precisa de um certo preparo, de uma equipe redonda”, explica. A 21 212 também prioriza quem já tem mais preparo, teve experiências anteriores e está com o negócio mais avançado.
Marco, do Grupo Xangô, afirma que “cada um é cada um” e não existe melhor ou pior do ponto de vista de ter feito parte ou não de uma aceleradora. “Depende muito da situação, do estágio de vida da startup, do acesso ao capital e do recurso humano. O empreendedor que já tem acesso a capital e a equipe pode fazer por si só”, afirma.
O lado do empreendedor
O sucesso de startups que passaram por aceleradoras não é segredo pra ninguém: Qranio, Queremos e PagPop estão ai pra provar que dá pra acelerar um negócio. Mas o empreendedor precisa ter em mente que essa moeda tem dois lados.
A Rabisquedo, por exemplo, ficou só duas semanas no processo de aceleração da Papaya, no Rio, e decidiu sair. Segundo Bruno Abdelnur, cofundador da startup, o pessoal da Papaya foi superbacana, mas o programa não combinou com o momento que a empresa vivia –a primeira turma da Papaya era focada em aplicativos móveis e esse não é o negócio central da Rabisquedo, diz Bruno.
O cofundador explica que as duas partes conversaram e viram que não seria legal pra ninguém se a startup continuasse lá. “Resolvemos voltar para Sorocaba [em São Paulo; terra natal da empresa] e tivemos uma proposta de aceleradora diferente, da CriaBiz, que trazia um programa mais aberto, que se adaptava às nossas necessidades”, explica Bruno. Agora, a Rabisquedo faz parte do portfólio da aceleradora de Sorocaba.
Após esse período de experiência, Bruno aconselha que as startups procurem uma aceleração e pensem se o modelo se encaixa no seu negócio. “Se tiver um modelo mais definido de aceleração, igual para todo mundo, é melhor que você tenha uma ideia na cabeça e queria desenvolver algo. Se você não está mais nesse estágio, talvez seja legal um modelo mais aberto e adaptável”, afirma o cofundador.
Procurei a Papaya para saber o lado deles da história do desligamento e eles afirmaram que houve também o problema de os empreendedores não terem conseguido transferir a startup de Sorocaba para o Rio. O fim do namoro entre startup e aceleradora parece não ter deixado mágoas, já que a Papaya diz que “infelizmente” o negócio não deu certo.
Quem também questiona essa criação no Brasil de uma “linha de produção de startups” é Roberto Fermino, da HelpIn, que passou pela 21 212. “O que as aceleradoras fazem, ou deveriam fazer, é ajudar os empreendedores a chegar no melhor protótipo possível. Sobre este ponto de vista, sim valeu a pena [entrar no processo da 21 212]”, diz Roberto, em um post no seu blog. Mas ele questiona alguns dos conceitos prévios que acabamos criando em relação a isso.
O empreendedor afirma que o sucesso do startupeiro depende “só dele” e que pedir 20% da empresa para entrar num processo de aceleração é, sim, muito. “Meu palpite é que como toda lei de oferta e procura este valor tende a ser menor que 20% com o passar do tempo, algo entre 5 e 15%.” Em seu post, o empreendedor também dá dicas para escolher uma aceleradora: leia aqui.
A criação de um “selo de qualidade”
Com a maturação maior do nosso ecossistema de startups e aceleradoras, surge uma nova questão: Será que as aceleradoras vão se tornar um selo de qualidade, sufocando quem ficou de fora?
Para Rafael, da 21212, ter passado por uma aceleradora pode ser um “indicador parcial” de que a startup está no caminho certo, mas na hora de falar com o investidor nada é mais forte do que uma empresa que já mostra resultado. “Não adianta ter 500 mil prêmios e nenhum resultado”, afirma.
Yuri Gitahy, da Aceleradora, vê sim a criação de selo de qualidade, mas acha que ele pode ser importante só até o momento que a startup se estabeleça no mercado. “Esse ‘selo’ normalmente funciona no acesso aos investidores e no uso do networking da aceleradora, para conseguir os primeiros clientes”, diz ele, que diz acreditar que “raramente” isso fará diferença para o cliente final.
Falatório demais: como lidar
Antes de entrar num programa de aceleração também é importante aprender a lidar com a opinião de vários mentores ao mesmo tempo. Sean, da Aceleratech, vê na “cachoeira de mentores” uma estratégia de mentoria importante do programa que lidera. Segundo ele, “você precisa que essas pessoas te ‘destruam’ para que você possa colocar tudo junto de novo”. Ele fala que os conselhos dos mentores devem ser levados em conta, mas a decisão final é da equipe. “Você não veio pra aceleração pra criar o negócio de outra pessoa.”
Rafael, da 21 212, diz algo parecido. “Quando mais você procurar opiniões no mercado, melhor, mas a decisão de como usar essas peças é do empreendedor. Cabe a ele, ouvir pensamentos até contraditórios para que possa amadurecer o dele”, explica. Segundo Rafael, a 21 212 faz uma mentoria mais de negócios, e menos de aconselhamento. “É menos o cara falar o que ele acha e mais tentar fazer algo pra alavancar o negócio, através de parcerias, testes, um novo sócio.”
Marco, do Grupo Xangô, lembra da necessidade de foco. Segundo ele, o empreendedor precisa saber a quais reuniões e eventos precisa realmente ir. O CEO afirma que pede muito foco a seus empreendedores. “Sem foco e execução com excelência, não dá certo.”
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